terça-feira, 28 de março de 2023

10 mulheres brasileiras que deveriam ser mais estudadas nas escolas

A história de Emmy Noether - matemática alemã que desafiou as universidades em 1903 para cursar o ensino superior e que foi citada por Albert Einstein como "genial" por sua contribuição à Física - inspirou leitores da BBC Brasil.

Após a reportagem ser citada no boletim de notícias ao vivo que a BBC Brasil transmite pelo Facebook todos os dias às 12h45, leitores começaram a sugerir nomes de mulheres que deveriam ser estudadas com mais ênfase nas escolas.

Entre as diversas sugestões, que incluíram personalidades como a mexicana Frida Kahlo, selecionamos dez brasileiras para destacar e relembrar a contribuição delas para a nossa história.

As trajetórias são muito diferentes entre si, assim como as áreas de atuação: da música à política, das artes plásticas à dedicação religiosa. O que quase todas têm em comum foi a luta por reconhecimento e pelos direitos da mulher.

·         1. Cora Coralina

Apesar de ser considerada uma das poetisas mais importantes da literatura brasileira, Cora Coralina, pseudônimo de Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, só publicou o primeiro livro, Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, aos 76 anos.

Antes disso, criou quatro filhos trabalhando como doceira após a morte do marido e não chegou a terminar o ensino fundamental.

Cora ficou conhecida por escrever sobre a cidade de Goiás e, embora não falasse sobre a questão de gênero na sua obra, é considerada por especialistas como uma escritora pioneira e libertária que enfrentou os preconceitos da sociedade para mostrar a contribuição das mulheres.

·         2. Irmã Dulce

Maria Rita de Sousa Brito Lopes dedicou a vida a ajudar as pessoas carentes e é uma das ativistas humanitárias mais importantes do século 20.

Ela mostrou aptidão e desejo para essas atividades ainda pequena - aos 13 anos transformou a casa dos pais em Salvador em um centro de atendimento aos necessitados, pobres e doentes.

Conhecida como "o anjo bom da Bahia", ajudou a fundar diversas instituições filantrópicas, como o Hospital Santo Antônio. Foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz em 1988 e beatificada em 2011.

·         3. Lina Bo Bardi

Nascida na Itália e naturalizada no Brasil, Lina nasceu Achillina Bo e veio para o Brasil em 1942 para se afastar da instabilidade política da Europa, que a deixava inconformada.

Aqui, abriu caminho para as mulheres na arquitetura e foi responsável pelos projetos do Masp (Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand) e do Sesc Pompeia, entre outros prédios emblemáticos.

Estudiosa da cultura brasileira, Lina tinha um forte engajamento político e acreditava que a arquitetura deveria simples e uma ferramenta para melhorar a vida da sociedade e dos mais pobres - e criticava a ostentação.

Apesar da contribuição para a arquitetura, ela não teve tanto reconhecimento em vida e enfrentou muitos preconceitos por ser mulher e estrangeira.

·         4. Maria Quitéria

Primeira mulher a entrar nas Forças Armadas e a defender o Brasil em combate, Maria Quitéria de Jesus Medeiros é frequentemente comparada a Joana d'Arc. Foi uma das heroínas da Guerra da Independência.

O pai dela não permitiu que se alistasse, mas em 1822 ela fugiu de casa, cortou os cabelos, se vestiu como homem e se juntou ao Regimento de Artilharia.

Foi descoberta pelo pai logo depois, mas teve a permanência na tropa defendida por um major por causa de sua disciplina e destreza com as armas. Depois do serviço militar, foi perdoada pelo pai, se casou e teve uma filha.

·         5. Clementina de Jesus

Uma das principais sambistas de todos os tempos, Clementina foi empregada doméstica até ser descoberta e reconhecida já com mais de 60 anos.

Famosa pelo repertório de músicas de raízes afro-brasileiras tradicionais, ela foi importante por registrar e divulgar cantos ancestrais dos escravos na história da música.

Sua biografia, intitulada Quelé - A Voz da Cor, foi lançada no ano passado.

·         6. Nise da Silveira

Psiquatra brasileira e aluna de Carl Jung, Nise ficou conhecida pela contribuição pela luta antimanicomial e por ter implementado a terapia ocupacional e as artes no tratamento das doenças psiquiátricas no processo terapêutico.

Ela se formou em 1926 - era a única mulher em uma turma com 157 alunos. Chegou a ser presa durante o Estado Novo, acusada de envolvimento com o comunismo, e dividiu a cela com Olga Benário, militante do movimento no Brasil.

Nise criticou, discutiu e revolucionou o tratamento psiquiátrico e as condições dos manicômios no Brasil.

·         7. Zilda Arns

Zilda foi uma médica pediatra e sanitarista brasileira, responsável pela fundação da Pastoral da Criança.

Ela dedicou a vida à saúde pública com enfoque no combate à mortalidade infantil, desnutrição e violência contra as crianças e desenvolveu uma metodologia própria para realizar os tratamentos preventivos.

Irmã de Dom Paulo Evaristo Arns, Zilda morreu no Haiti. Ela trabalhava em uma missão da Pastoral quando o país foi atingido por um terremoto, em 2010.

·         8. Tarsila do Amaral

Um dos principais nomes do modernismo brasileiro, Tarsila criou algumas das obras emblemáticas do movimento, como o Abaporu.

Mesmo com formação sólida em Artes Plásticas, nas escolas de Julian e de Émile Renard em Paris, ela enfrentou dificuldades por ser mulher.

O primeiro marido se separou dela porque não concordava com a sua dedicação à arte, e não exclusivamente às tarefas do lar.

Tarsila dizia querer ser a "pintora do Brasil" e dedicou várias fases de sua obra às cores, paisagens e cultura brasileiras.

·         9. Chiquinha Gonzaga

A trajetória de Chiquinha Gonzaga é referência tanto para a música brasileira como para a conquista dos direitos da mulher.

Ela começou a carreira ainda na época do Segundo Reinado e, embora tocasse os ritmos populares à época, como valsas e polcas, também se dedicou a conhecer e divulgar os ritmos brasileiros. Foi autora de uma das primeiras marchinhas: Ó Abre Alas.

Casou-se aos 16 anos e aos 18 decidiu abandonar o marido, que não concordava com sua atividade musical. Ficou conhecida pela militância política e foi ativista de grandes causas sociais - especialmente a abolição da escravatura.

Também foi a fundadora da primeira instituição arrecadadora e protetora dos direitos autorais no país.

·         10. Anita Garibaldi

Uma das mulheres mais reconhecidas da história do Brasil, Anita Garibaldi é chamada de "Heroína dos Dois Mundos" pela participação em diversas batalhas tanto no Brasil como na Itália ao lado do marido, Giuseppe Garibaldi.

Anita foi muito influenciada pelos ideiais do marido. Eles foram parceiros de vida e de combate: ela aprendeu a usar armas e espadas e foi combatente na Revolução Farroupilha e Revolta dos Curitibanos, entre outras.

<< A guerreira que abriu caminho para as mulheres brasileiras nos livros de História

Anita Garibaldi, cuja morte completa 195 anos nesta semana, foi uma das poucas mulheres a conseguir despontar em um universo majoritariamente masculino: as páginas dos livros didáticos sobre a história brasileira.

Um dos motivos, apontam pesquisadores, é o fato de sua trajetória fugir - e muito - do esperado para as mulheres de sua época.

Em pleno do século 19, Anita escolheu não ter filhos ao ser casar pela primeira vez, se separou do marido para se juntar às tropas dos Farrapos e se tornou, com seu companheiro Giuseppe Garibaldi, uma heroína revolucionária não só no país, mas também na Itália.

"Além de atuar na Revolução Farroupilha, no sul do Brasil, e em lutas no Uruguai, Anita também teve importante atuação nas guerras da unificação italiana junto a Garibaldi, que foi reconhecido como o maior herói daquele país", conta Cristina Scheibe Wolff, historiadora da Universidade Federal de Santa Catarina.

"Ela se destacou em um campo que não era visto como possível para as mulheres: a guerra revolucionária."

Segundo a pesquisadora, uma das autoras do livro Nova História das Mulheres no Brasil (Editora Contexto), o país teve diversas personagens importantes como Anita Garibaldi, mas que acabaram não tendo a mesma "sorte" dela.

O fato de a revolucionária ter sido uma exceção, aponta, é obra de um homem: o próprio marido, que sempre a incluiu em suas memórias.

"O que sabemos sobre Anita veio principalmente das memórias do Garibaldi, que demonstrava uma grande admiração por ela. De certa forma, a fama de Anita é decorrente da vida longa de Garibaldi, que ainda em vida foi reconhecido como herói e fez questão de dividir esse lugar com a memória da mulher."

# As mulheres e os livros escolares

Segundo a pesquisadora, a ausência de mais personagens como Anita nos livros escolares brasileiros se deve à demora destes em incorporar estudos mais recentes.

"É somente a partir dos anos 1980 e, com mais força nos anos 2000, que temos uma produção mais significativa sobre a história das mulheres. Infelizmente, essa produção muitas vezes se dá de forma um pouco distanciada, como uma história a parte, nem sempre reconhecida por todas as correntes historiográficas."

Para ela, a ação de setores conservadores também tem parcela da culpa. "Recentemente, a bancada conservadora da Câmara de Deputados e setores ligados a igrejas forçaram a retirada do termo 'gênero' dos planos nacional, estaduais e municipais de educação", exemplifica.

"Acontece que a história das mulheres na escola é importantíssima para que meninos e meninas percebam a importância da igualdade de gênero, desfaçam preconceitos e vivam de forma mais igualitária suas relações sociais com respeito à diversidade."

Entre as mulheres guerreiras "esquecidas" pela História do Brasil, Cristina cita as indígenas - "quem sabe até as Amazonas descritas por Carvajal", em referência as lendárias guerreiras nativas relatadas por jesuíta no século 16 -, Dandara e outras negras que lutaram contra a escravidão e as participantes da Guerra da Independência, como a militar Maria Quitéria.

Além disso, lembra as cangaceiras, as enfermeiras das Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial e as guerrilheiras que lutaram contra a ditadura militar.

# 'Heroína de dois mundos'

Vários quadros retratam Anita à beira da morte, carregada por Garibaldi

Ana Maria de Jesus Ribeiro, nasceu em 30 de agosto de 1821 em Laguna, em Santa Catarina - foi a terceira de uma família humilde de dez filhos.

Aos 14 anos, foi obrigada pela mãe a se casar com um sapateiro muito mais velho. Segundo outra versão, o casamento ocorreu porque a menina havia sido violentada.

Ainda adolescente, adotou costumes considerados avançados para as mulheres da época: se recusou a ter filhos, cavalgava e se interessava pela política do Brasil Império.

Em 1838, os rebeldes da Revolução Farroupilha (1835-1845) chegaram à cidade. E aos 18 anos, Anita fugiu de casa com as tropas comandadas pelo italiano Giuseppe Garibaldi.

Com o revolucionário, aprendeu manejar espadas e armas de fogo. Casaram-se em 1842 e tiveram quatro filhos, mas nunca viveram como uma família tradicional; mesmo grávida, ela não deixou de participar das batalhas que a fizeram entrar para a história.

Em 1846, ela se mudou para a Itália. Com a proclamação da República Romana, em 1848, Garibaldi se envolveu na luta pela unificação italiana e ela, grávida do último filho do casal, lutou ao lado do marido. Para integrar as tropas, cortou os cabelos e se vestiu como homem.

Acabou morrendo pouco tempo depois, em 4 de agosto de 1849, durante uma fuga das tropas. Tinha apenas 28 anos.

Ela entrou para os livros de História como a "heroína de dois mundos". Em 1931, o governo italiano reconheceu sua importância e enterrou seus restos mortais em Roma, em um monumento construído em sua homenagem na colina de Gianicolo. No Brasil, além da presença nos livros escolares, Anita Garibaldi tem um museu dedicado à sua memória em Laguna, além de dar nome a duas cidades de Santa Catarina.

# Primeira feminista?

Para Cristina, Anita é importante para os movimentos pró-mulheres no Brasil. "É um exemplo conhecido de uma mulher que saiu de um casamento violento e não satisfatório para uma relação de companheirismo amoroso e ideológico", afirma.

Ela avalia, porém, ser anacrônico dizer que ela era feminista.

"Anita Garibaldi viveu no início do século 19, quando ainda não se falava em feminismo, uma noção desconhecida naquela época", explica, ao citar a o início da luta de mulheres de vários países pelo voto e pela educação, no fim do mesmo século, como o estopim do movimento.

"Mas certamente era uma mulher que não se conformava com os estereótipos e lugares designados às mulheres de seu tempo - e mesmo do nosso tempo."

 

 Fonte: BBC News Brasil

 

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