Quando o calor se torna perigoso à saúde e como se proteger
Em meio à onda de calor que atinge, sobretudo, as
regiões Sudeste e Centro-Oeste, o que acontece com o nosso corpo quando exposto
a temperaturas extremas? Por que corremos mais riscos? E quais cuidados devemos
tomar?
Nesta segunda-feira (14/11), o Inmet (Instituto
Nacional de Meteorologia) emitiu um aviso no qual prolongou até sexta (17/11) o
alerta vermelho, o nível mais alto, uma vez que as temperaturas estão pelo
menos 5°C acima da média por um período maior do que cinco dias — o forte
calor, segundo o instituto, pode representar um risco para a saúde.
Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil,
mesmo que algumas regiões do Brasil frequentemente experimentem altas
temperaturas durante o mês de novembro, e os brasileiros estejam
geralmente mais adaptados ao calor em comparação com populações de outros
países, a situação é particularmente perigosa devido à sua intensidade.
·
O que acontece
Quando o ar fica mais quente que a temperatura da
pele, que normalmente é de 36°C a 37°C, ou se o suor não evapora, começamos a
ganhar calor, e a temperatura central do nosso corpo sobe gradativamente.
No entanto, se esse aumento não for controlado e a
temperatura corporal continuar subindo, respiração, pele, rins e coração podem
ser afetados.
As consequências podem variar desde um simples
mal-estar ou dor de cabeça até a morte, nos casos mais graves (veja
recomendações sobre como se proteger ao fim desta reportagem).
Um estudo recente mostrou que países tropicais como
o Brasil enfrentarão provavelmente condições "perigosamente" quentes
quase diariamente até ao final do século.
"Perigoso", neste caso, refere-se à
probabilidade de exaustão pelo calor, a perda excessiva de sais (eletrólitos) e
líquidos devido ao calor.
A exaustão pelo calor não vai causar sua morte se
você conseguir pará-la e desacelerá-la — ela é caracterizada por fadiga,
náusea, batimentos cardíacos lentos e possivelmente desmaios.
Mas você já não pode trabalhar nessas condições.
O índice de calor indica
quando é provável que uma pessoa atinja esse limite.
O Serviço Nacional de Meteorologia dos Estados
Unidos (NWS, na sigla em inglês) define como "perigoso" um índice de
calor de 39,4°C e "extremamente perigoso" de 51,7°C.
Se uma pessoa atingir temperaturas
"extremamente perigosas", pode sofrer insolação, uma condição muito
séria.
Nesse nível, você tem algumas horas para procurar
atendimento médico para esfriar seu corpo ou suas chances de morte aumentam
consideravelmente.
"À medida que a temperatura externa aumenta,
cresce a pressão sobre o nosso organismo para manter a temperatura interna, que
gira em torno de 36,5°C. A frequência cardíaca aumenta como um mecanismo
compensatório, assim como a pressão arterial", diz Lucas Albanaz, clínico
geral, coordenador da clínica médica do Hospital Santa Lúcia, de Brasília, e
mestre em Ciências Médicas.
"Dependendo da gravidade do caso, pode ocorrer
até a morte, seja pela desidratação extrema, por enfarto ou até mesmo por
Acidente Vascular Cerebral (AVC ou derrame)", acrescenta ele.
·
'Termorregulação'
Nosso corpo passa por uma série de ajustes para
regular a temperatura interna quando está "em estresse térmico", ou
seja, quando fica exposto a temperaturas extremas.
Quando exposto ao calor, a primeira reação do
organismo é a transpiração e a dilatação dos vasos sanguíneos periféricos.
No entanto, em temperaturas muito altas,
especialmente quando também está úmido, o mecanismo de resfriamento do suor se
torna menos eficaz, levando ao superaquecimento corporal, insolação e possíveis
danos aos órgãos.
Isso porque a umidade do ar influencia na
transpiração — quando o nível da umidade relativa do ar (umidade atmosférica)
está alto em um dia quente, o suor na nossa pele não consegue evaporar de forma
eficiente no ar, sendo, portanto, mais difícil regular a temperatura corpórea.
Por essa razão, os efeitos do calor extremo no
corpo tendem a ser diferentes dependendo da área onde você estiver.
"A atual onda de calor é bem ampla, vai
atingir cerca de 15 estados. Se pensarmos numa característica básica, a onda de
calor será mais seca, com baixos índices de umidade do ar, especialmente em
áreas interioranas, longe do litoral, onde valores mais baixos de umidade
predominam mais (interior de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Gross, por
exemplo), já em áreas litorâneas, como na costa do Paraná, de São Paulo e no
Rio de Janeiro, a umidade fica em bons níveis (acima de 60%)", diz à BBC News
Brasil Carine Gama, meteorologista da Climatempo.
Ela ressalva, contudo, que "mesmo nas áreas
interioranas, parte ou outra tem previsão de chuva mais isolada, o que aumenta
a umidade. Vale lembrar que a mesma oscila muito ao longo do dia".
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Crianças e idosos
Albanaz também lembrou que os riscos são maiores
para determinados grupos, especialmente crianças e idosos.
Os bebês e as crianças são particularmente
vulneráveis, em parte porque perdem líquidos mais rapidamente do que os adultos
e dependem de cuidadores para os ajudar a se resfriar.
Já as pessoas mais velhas tendem a ter maior
probabilidade de ter problemas de saúde como a diabetes, o que as colocam em
maior risco, e os seus corpos respondem ao calor de forma diferente do que os
das pessoas mais jovens.
Os idosos produzem menos suor por glândula e os
vasos sanguíneos mudam à medida que envelhecemos, o que torna mais difícil o
bombeamento do sangue para a pele e o resfriamento corporal.
Mas pessoas com problemas de saúde pré-existentes,
aquelas que fazem uso de medicações que, por algum motivo, as tornem mais
vulneráveis ao calor e trabalhadores que estão expostos ao sol (como vendedores
ambulantes) também precisam tomar cuidado extra.
Alguns antidepressivos e antipsicóticos podem
afetar a produção de suor, enquanto medicamentos para tratamento de doenças
cardíacas, como remédios contra a hipertensão, podem causar desidratação e
afetar os rins.
Até atletas de alto nível, como jogadores de
futebol profissionais, podem sofrer com o calor extremo — por essa razão,
especialistas recomendam evitar qualquer exercício físico entre 12h e 16h.
Pesquisas também sugerem que o calor extremo também
pode afetar a saúde mental.
Um estudo de 2018 publicado na revista científica
Nature Climate Change constatou que o aumento da temperatura está ligado a
taxas de suicídio mais elevadas: para cada aumento de 1° C na temperatura média
mensal nos EUA, as taxas de mortalidade por suicídio aumentaram 0,7%.
Segundo os autores da pesquisa, as altas
temperaturas podem induzir mudanças negativas no estado mental.
Outro estudo, publicado na revista científica JAMA
Psychiatry em 2022, mostrou que as temperaturas mais elevadas aumentaram a
probabilidade de visitas ao pronto-socorro para qualquer condição de saúde
mental, incluindo transtorno por uso de substâncias, transtornos de ansiedade e
esquizofrenia.
·
Como se proteger do calor intenso
"A palavra de ordem é hidratação, que deve ser
feita principalmente pela ingestão de líquidos. Também é indicado hidratar a
pele, com cremes, as narinas, com soro fisiológico, e os olhos, com colírio.
Essas partes do corpo também são afetadas", diz Albanaz.
Abaixo, destacamos dicas oferecidas pelos
especialistas consultados na reportagem e divulgadas pela OMS (Organização
Mundial da Saúde):
>> Mantenha sua casa fresca
- Tente
manter a temperatura abaixo de 32°C durante o dia e 24°C à noite,
especialmente para crianças, idosos e pessoas com problemas de saúde
crônicos;
- Use o
ar noturno para resfriar sua casa, abrindo janelas e persianas durante a
noite;
- Reduza
a carga de calor interna fechando janelas expostas ao sol, desligando
dispositivos elétricos e pendurando cortinas.
>> Evite o calor
- Procure
os lugares mais frescos da casa, especialmente à noite;
- Se a
sua casa não estiver fresca, passe algumas horas por dia em locais com
ar-condicionado, como edifícios públicos;
- Evite
sair durante as horas mais quentes do dia e atividades físicas
extenuantes.
>> Mantenha-se hidratado e fresco
- Tome
banhos frios e use compressas frias para aliviar o calor;
- Vista
roupas leves e largas, incluindo chapéu e óculos de sol;
- Use
protetor solar
- Beba
água regularmente e evite álcool e cafeína, que contribuem para
desidratação.
- Faça
refeições leves, pouco condimentadas e mais frequentes
>> Ajude outros
- Verifique
familiares, amigos e vizinhos vulneráveis;
- Certifique-se
de que todos em sua família saibam o que fazer em caso de calor extremo;
- Se
tiver animais domésticos, evite passeios nos horários mais quentes.
>> Cuidados em caso de mal-estar
- Procure
ajuda se sentir tontura, fraqueza, sede intensa ou dor de cabeça;
- Beba
água ou suco para se reidratar;
- Em
casos graves, como delírio, convulsões e inconsciência, chame ajuda médica
imediatamente;
- Leve a
pessoa para um local fresco, deite-a, eleve as pernas e inicie o
resfriamento externo com compressas frias;
- Não dê
medicamentos sem orientação médica.
Ø O que
acontece com o corpo sob temperaturas extremas
Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia
(Inmet), há mais de 2,5 mil municípios afetados pela onda de calor. Destes,
1.413 estão sob aviso de perigo e 1.138 cidades estão na classificação de
grande perigo.
De acordo com o site de meteorologia MetSul, em
muitas áreas, a temperatura no decorrer da semana ficará entre 10ºC e 15ºC
acima das médias históricas. "Isso vai levar às máximas fora do comum e
sem precedentes em grande número de localidades do Centro do Brasil", diz
o site.
De acordo com a Climatempo, esta será a quarta onda
de calor que o Brasil vive no segundo semestre deste ano e poderá ser mais
forte do que as onda de calor de agosto, setembro e de outubro de 2023.
Embora algumas regiões do Brasil frequentemente
experimentem altas temperaturas durante o mês de novembro, e os brasileiros
estejam geralmente mais adaptados ao calor em comparação com populações
de países europeus que enfrentaram desafios semelhantes nos últimos meses, a
situação é particularmente perigosa devido à sua extrema intensidade.
Estar exposto - especialmente nos horários de pico
do calor, entre 12 e 16 horas - pode causar alterações no organismo que
oferecem risco à saúde, principalmente para grupos com saúde mais frágil,
incluindo idosos, pessoas com comorbidade, e crianças pequenas.
·
O que acontece quando o corpo é exposto a
temperaturas extremas
Quando o corpo está em estresse térmico, ou seja, é
exposto a temperaturas extremas, ele passa por uma série de adaptações
fisiológicas para regular a temperatura interna.
No caso da exposição ao calor, primeira reação do
organismo é dissipar calor através do suor e da dilatação dos vasos sanguíneos
periféricos para liberar calor para o ambiente.
No entanto, em temperaturas muito altas,
especialmente quando atambém está úmido, o mecanismo de resfriamento do suor
pode se tornar ineficaz, levando ao superaquecimento corporal, insolação e
possíveis danos aos órgãos.
"Quando estamos expostos a temperaturas mais
elevadas, ocorrem adaptações no nosso corpo. A frequência cardíaca aumenta como
um mecanismo compensatório, assim como a pressão arterial", explica Lucas
Albanaz, clínico geral, coordenador da clínica médica do Hospital Santa Lúcia,
de Brasília, e mestre em ciências médicas.
Outro risco, alerta o médico, é a desidratação
devido ao aumento da sudorese.
A depender da temperatura, complementa o médico
Alexander Daudt, os sinais vão de câimbra (por falta de eletrólitos, eliminados
no suor), a sede intensa e fadiga.
"Outros sintomas mais graves, como tontura,
náuseas ou vômitos também podem aparecer. Se a pessoa não conseguir aliviar
esse calor, o quadro pode evoluir para choque térmico, com confusão mental,
convulsões, e seguindo para a falência de múltiplos órgãos e óbito",
explica ele, que é coordenador do Núcleo de Medicina de Estilo de Vida do
Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
De acordo com o relatório
do The Lancet, nos últimos 20 anos o aumento da mortalidade relacionado com o calor
excessivo em pessoas com mais de 65 anos aumentou em 53,7%.
Apenas na Europa, em 2022, ocorreram 61.672 mortes
atribuíveis ao calor entre 30 de maio e 4 de setembro de 2022, segundo
uma análise
recente publicada na Nature Medicine.
Os riscos são maiores para pessoas com
comorbidades, pessoas idosas, especialmente aquelas com saúde fragilizada,
crianças (por ainda estarem com o organismo em formação), trabalhadores que
precisam se expor ao sol (como vendedores ambulantes), e aqueles que fazem uso
de medicações que por algum motivo os tornem mais vulneráveis ao calor.
"É o caso de pacientes que tomam remédios
diuréticos, por exemplo. Eles naturalmente já perdem mais água, e precisam de
cuidado extra com hidratação", aponta Daudt.
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Por que as temperaturas têm atingido altas
As temperaturas do planeta vêm se elevando nas
últimas décadas.
Especialistas apontam que esse fenômeno, conhecido
como aquecimento global, é causado pelo acúmulo crescente de dióxido de carbono
e outros gases causadores do efeito estufa na atmosfera, graças à queima de
combustíveis fósseis e ao desmatamento.
Quanto maior a quantidade de dióxido de carbono e
outros gases na atmosfera, pior o impacto para a vida na Terra.
Esses gases são responsáveis por absorver a
radiação solar refletida pela superfície do planeta, o que faz com que o calor
fique retido na atmosfera.
Assim, o mundo fica cada vez mais quente,
acelerando mudanças climáticas e aumentando o risco de eventos climáticos
extremos, como as ondas de calor intensas vistas agora no Hemisfério Norte,
além de incêndios naturais, monções e enchentes.
Com as temperaturas aumentando em toda a Terra, há,
segundo os especialistas, duas palavras de ordem: mitigação e adaptação.
A mitigação envolve medidas a longo prazo para
proteger o planeta.
Na edição de 2022 da Conferência das Partes,
encontro da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP26,
quase 200 países assinaram o compromisso de tentar garantir o cumprimento da
meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C.
O objetivo do acordo é reduzir as emissões muito
rapidamente, diminuindo-as em 50% até 2030, e alcançar emissões líquidas
zeradas dos gases de efeito estufa antes da metade do século, seguido pela
remoção significativa de dióxido de carbono da atmosfera na segunda metade do
século.
"No entanto, não estamos caminhando nessa
direção, pois as emissões em 2022 foram as mais altas registradas desde o final
do século 18, com a evolução industrial, principalmente crescendo muito nos
últimos 50 a 60 anos em todo o mundo", avaliou o climatologista Carlos
Nobre, ex-presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e doutor em
meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados
Unidos, em uma reportagem
da BBC News Brasil publicada em julho.
"Portanto, a situação do clima é extremamente
arriscada, mesmo que tenhamos sucesso total no acordo de Paris [acordo prévio
que foi aperfeiçoado na COP26]."
Fonte: BBC News Brasil
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