quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Quando o calor se torna perigoso à saúde e como se proteger

Em meio à onda de calor que atinge, sobretudo, as regiões Sudeste e Centro-Oeste, o que acontece com o nosso corpo quando exposto a temperaturas extremas? Por que corremos mais riscos? E quais cuidados devemos tomar?

Nesta segunda-feira (14/11), o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) emitiu um aviso no qual prolongou até sexta (17/11) o alerta vermelho, o nível mais alto, uma vez que as temperaturas estão pelo menos 5°C acima da média por um período maior do que cinco dias — o forte calor, segundo o instituto, pode representar um risco para a saúde.

Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, mesmo que algumas regiões do Brasil frequentemente experimentem altas temperaturas durante o mês de novembro, e os brasileiros estejam geralmente mais adaptados ao calor em comparação com populações de outros países, a situação é particularmente perigosa devido à sua intensidade.

·        O que acontece

Quando o ar fica mais quente que a temperatura da pele, que normalmente é de 36°C a 37°C, ou se o suor não evapora, começamos a ganhar calor, e a temperatura central do nosso corpo sobe gradativamente.

No entanto, se esse aumento não for controlado e a temperatura corporal continuar subindo, respiração, pele, rins e coração podem ser afetados.

As consequências podem variar desde um simples mal-estar ou dor de cabeça até a morte, nos casos mais graves (veja recomendações sobre como se proteger ao fim desta reportagem).

Um estudo recente mostrou que países tropicais como o Brasil enfrentarão provavelmente condições "perigosamente" quentes quase diariamente até ao final do século.

"Perigoso", neste caso, refere-se à probabilidade de exaustão pelo calor, a perda excessiva de sais (eletrólitos) e líquidos devido ao calor.

A exaustão pelo calor não vai causar sua morte se você conseguir pará-la e desacelerá-la — ela é caracterizada por fadiga, náusea, batimentos cardíacos lentos e possivelmente desmaios.

Mas você já não pode trabalhar nessas condições.

índice de calor indica quando é provável que uma pessoa atinja esse limite.

O Serviço Nacional de Meteorologia dos Estados Unidos (NWS, na sigla em inglês) define como "perigoso" um índice de calor de 39,4°C e "extremamente perigoso" de 51,7°C.

Se uma pessoa atingir temperaturas "extremamente perigosas", pode sofrer insolação, uma condição muito séria.

Nesse nível, você tem algumas horas para procurar atendimento médico para esfriar seu corpo ou suas chances de morte aumentam consideravelmente.

"À medida que a temperatura externa aumenta, cresce a pressão sobre o nosso organismo para manter a temperatura interna, que gira em torno de 36,5°C. A frequência cardíaca aumenta como um mecanismo compensatório, assim como a pressão arterial", diz Lucas Albanaz, clínico geral, coordenador da clínica médica do Hospital Santa Lúcia, de Brasília, e mestre em Ciências Médicas.

"Dependendo da gravidade do caso, pode ocorrer até a morte, seja pela desidratação extrema, por enfarto ou até mesmo por Acidente Vascular Cerebral (AVC ou derrame)", acrescenta ele.

·        'Termorregulação'

Nosso corpo passa por uma série de ajustes para regular a temperatura interna quando está "em estresse térmico", ou seja, quando fica exposto a temperaturas extremas.

Quando exposto ao calor, a primeira reação do organismo é a transpiração e a dilatação dos vasos sanguíneos periféricos.

No entanto, em temperaturas muito altas, especialmente quando também está úmido, o mecanismo de resfriamento do suor se torna menos eficaz, levando ao superaquecimento corporal, insolação e possíveis danos aos órgãos.

Isso porque a umidade do ar influencia na transpiração — quando o nível da umidade relativa do ar (umidade atmosférica) está alto em um dia quente, o suor na nossa pele não consegue evaporar de forma eficiente no ar, sendo, portanto, mais difícil regular a temperatura corpórea.

Por essa razão, os efeitos do calor extremo no corpo tendem a ser diferentes dependendo da área onde você estiver.

"A atual onda de calor é bem ampla, vai atingir cerca de 15 estados. Se pensarmos numa característica básica, a onda de calor será mais seca, com baixos índices de umidade do ar, especialmente em áreas interioranas, longe do litoral, onde valores mais baixos de umidade predominam mais (interior de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Gross, por exemplo), já em áreas litorâneas, como na costa do Paraná, de São Paulo e no Rio de Janeiro, a umidade fica em bons níveis (acima de 60%)", diz à BBC News Brasil Carine Gama, meteorologista da Climatempo.

Ela ressalva, contudo, que "mesmo nas áreas interioranas, parte ou outra tem previsão de chuva mais isolada, o que aumenta a umidade. Vale lembrar que a mesma oscila muito ao longo do dia".

·        Crianças e idosos

Albanaz também lembrou que os riscos são maiores para determinados grupos, especialmente crianças e idosos.

Os bebês e as crianças são particularmente vulneráveis, em parte porque perdem líquidos mais rapidamente do que os adultos e dependem de cuidadores para os ajudar a se resfriar.

Já as pessoas mais velhas tendem a ter maior probabilidade de ter problemas de saúde como a diabetes, o que as colocam em maior risco, e os seus corpos respondem ao calor de forma diferente do que os das pessoas mais jovens.

Os idosos produzem menos suor por glândula e os vasos sanguíneos mudam à medida que envelhecemos, o que torna mais difícil o bombeamento do sangue para a pele e o resfriamento corporal.

Mas pessoas com problemas de saúde pré-existentes, aquelas que fazem uso de medicações que, por algum motivo, as tornem mais vulneráveis ao calor e trabalhadores que estão expostos ao sol (como vendedores ambulantes) também precisam tomar cuidado extra.

Alguns antidepressivos e antipsicóticos podem afetar a produção de suor, enquanto medicamentos para tratamento de doenças cardíacas, como remédios contra a hipertensão, podem causar desidratação e afetar os rins.

Até atletas de alto nível, como jogadores de futebol profissionais, podem sofrer com o calor extremo — por essa razão, especialistas recomendam evitar qualquer exercício físico entre 12h e 16h.

Pesquisas também sugerem que o calor extremo também pode afetar a saúde mental.

Um estudo de 2018 publicado na revista científica Nature Climate Change constatou que o aumento da temperatura está ligado a taxas de suicídio mais elevadas: para cada aumento de 1° C na temperatura média mensal nos EUA, as taxas de mortalidade por suicídio aumentaram 0,7%.

Segundo os autores da pesquisa, as altas temperaturas podem induzir mudanças negativas no estado mental.

Outro estudo, publicado na revista científica JAMA Psychiatry em 2022, mostrou que as temperaturas mais elevadas aumentaram a probabilidade de visitas ao pronto-socorro para qualquer condição de saúde mental, incluindo transtorno por uso de substâncias, transtornos de ansiedade e esquizofrenia.

·        Como se proteger do calor intenso

"A palavra de ordem é hidratação, que deve ser feita principalmente pela ingestão de líquidos. Também é indicado hidratar a pele, com cremes, as narinas, com soro fisiológico, e os olhos, com colírio. Essas partes do corpo também são afetadas", diz Albanaz.

Abaixo, destacamos dicas oferecidas pelos especialistas consultados na reportagem e divulgadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde):

>> Mantenha sua casa fresca

  • Tente manter a temperatura abaixo de 32°C durante o dia e 24°C à noite, especialmente para crianças, idosos e pessoas com problemas de saúde crônicos;
  • Use o ar noturno para resfriar sua casa, abrindo janelas e persianas durante a noite;
  • Reduza a carga de calor interna fechando janelas expostas ao sol, desligando dispositivos elétricos e pendurando cortinas.

>> Evite o calor

  • Procure os lugares mais frescos da casa, especialmente à noite;
  • Se a sua casa não estiver fresca, passe algumas horas por dia em locais com ar-condicionado, como edifícios públicos;
  • Evite sair durante as horas mais quentes do dia e atividades físicas extenuantes.

>> Mantenha-se hidratado e fresco

  • Tome banhos frios e use compressas frias para aliviar o calor;
  • Vista roupas leves e largas, incluindo chapéu e óculos de sol;
  • Use protetor solar
  • Beba água regularmente e evite álcool e cafeína, que contribuem para desidratação.
  • Faça refeições leves, pouco condimentadas e mais frequentes

>> Ajude outros

  • Verifique familiares, amigos e vizinhos vulneráveis;
  • Certifique-se de que todos em sua família saibam o que fazer em caso de calor extremo;
  • Se tiver animais domésticos, evite passeios nos horários mais quentes.

>> Cuidados em caso de mal-estar

  • Procure ajuda se sentir tontura, fraqueza, sede intensa ou dor de cabeça;
  • Beba água ou suco para se reidratar;
  • Em casos graves, como delírio, convulsões e inconsciência, chame ajuda médica imediatamente;
  • Leve a pessoa para um local fresco, deite-a, eleve as pernas e inicie o resfriamento externo com compressas frias;
  • Não dê medicamentos sem orientação médica.

 

Ø  O que acontece com o corpo sob temperaturas extremas

 

Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), há mais de 2,5 mil municípios afetados pela onda de calor. Destes, 1.413 estão sob aviso de perigo e 1.138 cidades estão na classificação de grande perigo.

De acordo com o site de meteorologia MetSul, em muitas áreas, a temperatura no decorrer da semana ficará entre 10ºC e 15ºC acima das médias históricas. "Isso vai levar às máximas fora do comum e sem precedentes em grande número de localidades do Centro do Brasil", diz o site.

De acordo com a Climatempo, esta será a quarta onda de calor que o Brasil vive no segundo semestre deste ano e poderá ser mais forte do que as onda de calor de agosto, setembro e de outubro de 2023.

Embora algumas regiões do Brasil frequentemente experimentem altas temperaturas durante o mês de novembro, e os brasileiros estejam geralmente mais adaptados ao calor em comparação com populações de países europeus que enfrentaram desafios semelhantes nos últimos meses, a situação é particularmente perigosa devido à sua extrema intensidade.

Estar exposto - especialmente nos horários de pico do calor, entre 12 e 16 horas - pode causar alterações no organismo que oferecem risco à saúde, principalmente para grupos com saúde mais frágil, incluindo idosos, pessoas com comorbidade, e crianças pequenas.

·        O que acontece quando o corpo é exposto a temperaturas extremas

Quando o corpo está em estresse térmico, ou seja, é exposto a temperaturas extremas, ele passa por uma série de adaptações fisiológicas para regular a temperatura interna.

No caso da exposição ao calor, primeira reação do organismo é dissipar calor através do suor e da dilatação dos vasos sanguíneos periféricos para liberar calor para o ambiente.

No entanto, em temperaturas muito altas, especialmente quando atambém está úmido, o mecanismo de resfriamento do suor pode se tornar ineficaz, levando ao superaquecimento corporal, insolação e possíveis danos aos órgãos.

"Quando estamos expostos a temperaturas mais elevadas, ocorrem adaptações no nosso corpo. A frequência cardíaca aumenta como um mecanismo compensatório, assim como a pressão arterial", explica Lucas Albanaz, clínico geral, coordenador da clínica médica do Hospital Santa Lúcia, de Brasília, e mestre em ciências médicas.

Outro risco, alerta o médico, é a desidratação devido ao aumento da sudorese.

A depender da temperatura, complementa o médico Alexander Daudt, os sinais vão de câimbra (por falta de eletrólitos, eliminados no suor), a sede intensa e fadiga.

"Outros sintomas mais graves, como tontura, náuseas ou vômitos também podem aparecer. Se a pessoa não conseguir aliviar esse calor, o quadro pode evoluir para choque térmico, com confusão mental, convulsões, e seguindo para a falência de múltiplos órgãos e óbito", explica ele, que é coordenador do Núcleo de Medicina de Estilo de Vida do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.

De acordo com o relatório do The Lancet, nos últimos 20 anos o aumento da mortalidade relacionado com o calor excessivo em pessoas com mais de 65 anos aumentou em 53,7%.

Apenas na Europa, em 2022, ocorreram 61.672 mortes atribuíveis ao calor entre 30 de maio e 4 de setembro de 2022, segundo uma análise recente publicada na Nature Medicine.

Os riscos são maiores para pessoas com comorbidades, pessoas idosas, especialmente aquelas com saúde fragilizada, crianças (por ainda estarem com o organismo em formação), trabalhadores que precisam se expor ao sol (como vendedores ambulantes), e aqueles que fazem uso de medicações que por algum motivo os tornem mais vulneráveis ao calor.

"É o caso de pacientes que tomam remédios diuréticos, por exemplo. Eles naturalmente já perdem mais água, e precisam de cuidado extra com hidratação", aponta Daudt.

·        Por que as temperaturas têm atingido altas

As temperaturas do planeta vêm se elevando nas últimas décadas.

Especialistas apontam que esse fenômeno, conhecido como aquecimento global, é causado pelo acúmulo crescente de dióxido de carbono e outros gases causadores do efeito estufa na atmosfera, graças à queima de combustíveis fósseis e ao desmatamento.

Quanto maior a quantidade de dióxido de carbono e outros gases na atmosfera, pior o impacto para a vida na Terra.

Esses gases são responsáveis por absorver a radiação solar refletida pela superfície do planeta, o que faz com que o calor fique retido na atmosfera.

Assim, o mundo fica cada vez mais quente, acelerando mudanças climáticas e aumentando o risco de eventos climáticos extremos, como as ondas de calor intensas vistas agora no Hemisfério Norte, além de incêndios naturais, monções e enchentes.

Com as temperaturas aumentando em toda a Terra, há, segundo os especialistas, duas palavras de ordem: mitigação e adaptação.

A mitigação envolve medidas a longo prazo para proteger o planeta.

Na edição de 2022 da Conferência das Partes, encontro da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP26, quase 200 países assinaram o compromisso de tentar garantir o cumprimento da meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C.

O objetivo do acordo é reduzir as emissões muito rapidamente, diminuindo-as em 50% até 2030, e alcançar emissões líquidas zeradas dos gases de efeito estufa antes da metade do século, seguido pela remoção significativa de dióxido de carbono da atmosfera na segunda metade do século.

"No entanto, não estamos caminhando nessa direção, pois as emissões em 2022 foram as mais altas registradas desde o final do século 18, com a evolução industrial, principalmente crescendo muito nos últimos 50 a 60 anos em todo o mundo", avaliou o climatologista Carlos Nobre, ex-presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e doutor em meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, em uma reportagem da BBC News Brasil publicada em julho.

"Portanto, a situação do clima é extremamente arriscada, mesmo que tenhamos sucesso total no acordo de Paris [acordo prévio que foi aperfeiçoado na COP26]."

 

Fonte: BBC News Brasil

 

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