segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Execução? Morte de ambientalista, em Camaçari, segue sem solução há quase 10 anos

A abertura de inquérito, pela promotoria de meio ambiente do Ministério Público (MP) de Camaçari, no último mês de maio, recolocou sob os holofotes a poluição ambiental atribuída à Tronox, indústria de pigmentos instalada na orla de Camaçari.

Nos últimos sete meses, A TARDE tem acompanhado histórias de sofrimento e dor de moradores da comunidade de Areias - vizinha à Tronox -, causadas pela exposição aos resíduos da empresa. Relatos de pessoas que desafiaram o medo.

Muitas, no entanto, se recusam a falar sobre os efeitos nocivos da fábrica. Temem represálias. Carregam na memória a lembrança viva de Ivo Bacana, assassinado após denunciar a empresa, de quem falaremos mais adiante.

O inquérito instaurado pelo MP tinha o objetivo de comprovar o cumprimento de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado em dezembro de 2012 e revelou que não são apenas os moradores de Areias que têm receio de confrontar a Tronox.

Uma grande sombra paira sobre o empreendimento e os órgãos que seriam responsáveis por fiscalizá-lo. Mesmo com laudos da secretaria de saúde de Camaçari, comprovando a alta incidência de câncer na unidade de saúde de Areias - afetada diretamente pelo despejo de metais pesados no subsolo, que contamina o lençol freático, e pela fumaça tóxica expelida pelas chaminés da Tronox -, pouco ou nada se viu de mobilização desses órgãos.

Uma convocação da empresa, proposta pelo deputado estadual Matheus Ferreira (MDB) há quase dois meses aguarda votação na comissão de Meio Ambiente, que simplesmente não atinge quórum para realizar sequer uma sessão, como denuncia o presidente do colegiado, deputado Leandro de Jesus (PL). Vereadores eleitos pela comunidade de Areias também não demonstram interesse em debater os danos causados pela empresa na Câmara de Camaçari.

O Inema, órgão responsável pela concessão de licenças ambientais e por monitorar o cumprimento do referido TAC, comunicou ao MP que só tem condições de remeter os laudos referentes a esse monitoramento em março do ano que vem, apesar de todas as renovações concedidas ao longo de mais de 10 anos.

•        Você já ouviu falar de Ivo Bacana?

O músico Carlos Cardoso, que teve uma perna amputada em decorrência de um câncer nos ossos, é uma das vozes que ousam denunciar os desmandos da Tronox. Ele acredita ter sido vítima de anos de consumo de água de cisterna, comum entre os moradores de Areias. Água extraída do subsolo contaminado com metais pesados.

Como ele, outros tantos, homens, mulheres, crianças, pais, filhos (as) e companheiros (as) perdidos para a leucemia e outros tipos de câncer, além dos inúmeros casos de doenças respiratórias e de pele. E outras histórias são mantidas em silêncio, pelo medo de represálias. Um medo que tem nome e sobrenome. Ivo Barreto do Couto Filho.

A simples menção às denúncias de contaminação do lençol freático e das doenças decorrentes dessa poluição, provoca a indagação indignada. “Você já ouviu falar de Ivo bacana?” Ivo, empresário e mergulhador, virou símbolo da comunidade e da luta contra a poluição ambiental provocada pela Tronox.

Em 19 de março de 2014, ele esteve na Assembleia Legislativa para denunciar, junto à comissão do Meio Ambiente, a poluição causada pela Cristal, um dos nomes usados nos últimos 50 anos pela indústria, que também já foi chamada de Tibrás e Millenium.

Ivo coletou, por conta própria, amostras do fundo do mar, para comprovar a presença de metais pesados. No mesmo dia em que falou na Assembleia, Ivo foi assassinado, durante um assalto ao estacionamento de sua propriedade, no bairro de Nazaré, em Salvador.

Relato da irmã de Ivo, publicado no jornal A TARDE de 21 de março de 2014, um dia após o sepultamento, afirma que o assassino chegou a pé ao estacionamento, onde também se encontravam a esposa, um manobrista e um sobrinho do ambientalista. Após coletarem os celulares de todos, o autor do assassinato teria dito para Ivo: “é você mesmo que que eu quero”.

Horas antes, Ivo esteve na redação de A TARDE, para sugerir uma matéria sobre a poluição das praias do litoral norte de Salvador. Hoje, toda a família vive longe da capital baiana e não fala sobre o assunto. No dia do enterro, a mãe de Ivo, D. Beloína Couto, comparou a morte do filho com a de outros ambientalistas.

“Ele morreu assim como Chico Mendes, a missionária Dorothy (Stang) e o ambientalista de Itapuã (Antônio Reis, do grupo Nativo). Não foi o primeiro e nem será o último a ser assassinado por se voltar contra os interesses econômicos”.

O presidente da comissão de Meio Ambiente à época, Leur Lomanto Jr., disse que as denúncias não eram novas e que iria convocar a empresa, a secretaria de Meio Ambiente e o Inema para uma audiência pública. A delegada Mariana Ouais, que iniciou as investigações, afirmou não poder descartar a hipótese de latrocínio.

Ouais e outro delegado, José Alves Bezerra Jr., participaram de uma audiência realizada na Câmara de vereadores de Salvador, três meses após o crime. O encontro foi promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal e conduzido pelo então deputado federal pelo Rio de Janeiro, Jean Wyllys, juntamente com os deputados federais Amauri Teixeira, pela Bahia, e padre Luiz Couto, da Paraíba, além do, à época, vereador pelo PSOL, Hilton Coelho, hoje deputado estadual.

A TARDE entrou em contato com a assessoria da Polícia Civil que informou ter remetido o inquérito ao Ministério Público. A assessoria do MP, por sua vez, informa que o inquérito foi devolvido sucessivas vezes, a mais recente na última semana, para realização de diligências pendentes. Quase 10 anos após o crime, ninguém foi denunciado.

 

Fonte: A Tarde

 

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