Descoberta de hidrogênio subterrâneo poderá criar nova 'corrida do ouro'
no mundo
No início deste ano, o professor Jacques Pironon
estava à procura de metano na Bacia de Lorraine, no nordeste de França, quando
sua equipe fez uma descoberta inesperada.
A cerca de 3.000 metros de profundidade, eles
encontraram um grande depósito de hidrogênio.
"É o que chamamos de sorte", diz Pironon,
diretor de pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) da
França, na Universidade de Lorraine.
Não muito tempo atrás, tal descoberta teria apenas
despertado interesse acadêmico. Hoje em dia, ela gera um frenesi.
Isso porque muitos pensam que o hidrogênio será um
combustível essencial nos próximos anos. Argumenta-se que esta poderá ser a
chave para levar a economia global a zerar suas emissões de gases poluentes,
uma vez que o hidrogênio não produz CO2 quando utilizado como combustível ou em
processos industriais.
Mas a grande desvantagem do hidrogênio é que, neste
momento, a maioria das formas de produção não são nada verdes.
De acordo com o Carbon Trust, menos de 1% da atual
produção global de hidrogênio é livre de emissões.
Existe o hidrogênio cinza — produzido pela divisão
do metano em dióxido de carbono e hidrogênio (H2). O hidrogênio azul é
produzido da mesma forma, mas o CO2 produzido é capturado e armazenado.
O hidrogênio negro é produzido pela queima parcial
do carvão.
O hidrogênio verde — este raro 1% — é criado
através da eletrólise da água em oxigênio e hidrogênio.
Mas o hidrogênio verde é relativamente caro e
escasso, então qualquer outro tipo de fornecimento do gás sem emissões seria
bem-vindo.
Conhecidos como hidrogênio natural, hidrogênio
dourado ou hidrogênio branco, os depósitos naturais podem ser uma fonte
importante.
Eles são produzidos de várias maneiras, mas o
processo principal envolve a interação da água subterrânea com minerais ricos
em ferro, como a olivina. Isso faz com que a água seja dividida em oxigênio,
que se liga ao ferro, e ao hidrogênio.
A descoberta francesa não representa a primeira vez
em que hidrogênio natural foi encontrado — já existe um pequeno poço em
Bourakébougou, no oeste do Mali, e acredita-se também que existam grandes
depósitos nos EUA, Austrália, Rússia e vários países europeus.
• Descoberta
francesa
Acredita-se, no entanto, que a descoberta na França
represente o maior depósito natural do gás já encontrado. O professor Pironon
estima que poderão existir 250 milhões de toneladas de hidrogênio, o suficiente
para cobrir a atual procura global por mais de dois anos.
Deve haver muitos outros depósitos de hidrogênio a
serem descobertos em todo o mundo — o Serviço Geológico dos EUA (USGS) estima
milhares ou talvez bilhões de megatoneladas.
Nem tudo isto será facilmente explorável, adverte o
geólogo pesquisador do USGS, Geoffrey Ellis, que modelou a quantidade de
hidrogênio geológico.
"Este é o modelo global, e a grande maioria
será inacessível — profundo demais ou longe demais do litoral, ou em
acumulações que são muito pequenas para que o seu acesso se torne algum dia
economicamente viável", ele diz.
Mas o USGS estima que existam provavelmente cerca
de 100.000 megatoneladas de hidrogênio acessível – e isso poderá representar
centenas de anos de fornecimento.
As técnicas para extraí-lo, diz Ellis,
"deveriam ser semelhantes às do gás natural. A tecnologia já existe".
Embora a unidade de Bourakébougou, no Mali, seja
atualmente a única instalação que produz comercialmente hidrogênio branco - ela
só recolhe cerca de cinco toneladas por ano - há movimentos para explorar as
reservas de forma mais ampla.
No início deste ano, a empresa de investimento
Breakthrough Energy Ventures de Bill Gates investiu US$ 91 milhões (R$ 450
milhões) na start-up norte-americana Koloma, que pretende explorar reservas de
hidrogênio branco nos EUA.
Já a empresa de prospecção Getech está à procura de
potenciais depósitos em Marrocos, Moçambique, África do Sul e Togo.
Uma área importante é o sul da Austrália, que em
2021 adicionou o hidrogênio à lista de substâncias regulamentadas permitidas
para exploração sob a Lei do Petróleo e Geotérmica de 2000, abrindo caminho
para a exploração.
"Desde fevereiro de 2021, seis empresas
diferentes solicitaram e obtiveram 18 licenças de exploração de hidrogênio
dourado", diz Suren Thurairajah, sócio de clima e sustentabilidade da
Deloitte Austrália.
"A área licenciada é de 570.000 quilômetros
quadrados, o que representa 32% do sul da Austrália."
Mais recentemente, uma empresa chamada Gold
Hydrogen anunciou a descoberta de um grande campo de hidrogênio natural na
região, que espera colocar em produção no próximo ano ou no ano seguinte.
Até agora, os principais investidores no setor da
energia permanecem contidos.
"Acho que as grandes empresas de petróleo
estão muito interessadas, mas atualmente estão observando lateralmente,
assumindo uma postura de esperar para ver. Estão deixando as start-ups
assumirem o risco - pelo menos neste ponto, este é um empreendimento altamente
arriscado", diz Ellis.
"Assim que tivermos mais dados de produção de
alguns destes poços, certamente veremos as principais empresas de petróleo e
gás se movendo nesta direção."
Um problema, diz ele, é que atualmente há falta de
mercado para o hidrogênio nos EUA, reduzindo o incentivo à exploração.
De acordo com o grupo industrial Hydrogen Council,
a Europa é líder global em propostas de projetos de hidrogênio, representando
35% dos investimentos globais, com a América Latina e a América do Norte
representando cada uma cerca de 15% dos investimentos.
"Portanto, há uma espécie de problema do ovo e
da galinha: os mercados não se desenvolvem realmente até verem a oferta, e a
oferta não será realmente desenvolvida até que se veja o mercado", diz
Ellis.
Mas ele acrescenta: "Acho que tem a ver com o
quanto esforço colocamos. Se realmente decidirmos que isso é algo que
precisamos resolver rapidamente, acho que poderia acontecer".
Fonte: BBC News Mundo
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