terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Analistas preveem desaceleração da economia brasileira em 2024

Após as previsões serem constantemente revisadas para cima ao longo do ano, devido ao grande número de surpresas favoráveis na atividade econômica, o Produto Interno Bruto (PIB) deverá encerrar 2023 com avanço de 3%, bem acima das estimativas iniciais de analistas do mercado, em torno de 1%. Contudo, o consenso entre especialistas é de que a atividade está em processo de desaceleração e que o indicador de riquezas produzidas pelo país crescerá menos em 2024.

As projeções de analistas ouvidos pelo Correio para o avanço do PIB em 2024 variam entre 1,3% e 2%. Vale lembrar que, apesar de o Brasil crescer, neste ano, em linha com a média global, em 2024, pelas estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI) a taxa de crescimento do país, estimada em 1,5%, deve ficar abaixo da média mundial e dos países da região.

De acordo com especialistas, os estímulos fiscais do governo, que injetou cerca de R$ 200 bilhões na economia por meio de aumentos de gastos com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, ampliando, por exemplo, o Bolsa Família dos R$ 35 bilhões, em 2019, para cerca de R$ 150 bilhões neste ano, explicam boa parte dos erros dos economistas nas previsões. Além disso, a safra agrícola recorde também contribuiu para a expansão de 1% nos dois primeiros trimestres do ano.

Em 2024, porém, as restrições fiscais serão maiores, e a agricultura, após avançar dois dígitos neste ano, não deverá ajudar tanto. Analistas também destacam que, apesar de o desempenho do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ter surpreendido positivamente, à frente da equipe econômica, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e parlamentares continuam sinalizando e aprovando mais gastos sem apontar receitas recorrentes. Logo, mesmo com Haddad demonstrando otimismo com as vitórias colecionadas no Congresso Nacional — com a aprovação da agenda econômica, incluindo a reforma tributária sobre o consumo —, a questão fiscal será o maior desafio para o governo no próximo ano.

•        Agronegócio

Além disso, especialistas alertam para o fato de que muitos integrantes do partido do chefe do Executivo ainda acreditam na tese controversa de que mais endividamento ajuda o crescimento econômico — o que é um risco para a estabilidade econômica e para a próprio processo de crescimento. Economistas ressaltam que o PIB do terceiro trimestre de 2023 não foi negativo devido a ajustes feitos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e que a variação de apenas 0,1% na margem (em relação ao trimestre anterior) não é motivo de comemoração.

Outra certeza entre os analistas é de que o PIB do quarto trimestre de 2023 será negativo, confirmando a tendência de desaceleração em curso. "Em 2024, o PIB deverá começar o ano em queda, porque o clima não tem ajudado o plantio da próxima safra e, portanto, a atividade vai ser mais fraca", destaca a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre). Ela prevê avanço de 2,9% no PIB deste ano e, para 2024, a estimativa dela é uma das mais conservadoras, de 1,4%.

"O agronegócio foi bom para o país neste ano, mas a próxima safra não vai ter o mesmo desempenho, e o carrego estatístico para o PIB de 2024 será de apenas 0,3%. A atividade poderá até acelerar um pouco na margem, mas a expectativa de crescimento global é mais baixa e os estímulos fiscais deste ano não devem se repetir. E, se a regra do novo arcabouço fiscal funcionar para valer, o ápice da expansão fiscal terá ocorrido neste ano — com exceção de 2020, por conta da pandemia", alerta.

Marco Caruso, economista-chefe do PicPay, lembra que, neste ano, o lado externo também ajudou o PIB de 2023, especialmente com as exportações, que vão possibilitar que a balança comercial registre superavit recorde de US$ 90 bilhões. Mas ele lembra que os investimentos, como os gastos com máquinas e equipamentos, que ajudam o crescimento sustentado de longo prazo, não crescem, o que é preocupante e faz com que até mesmo a construção civil dê sinais de desaceleração.

"O investimento insuficiente está puxando a economia para baixo e, por isso, estamos com previsão menor que a do consenso do mercado em 2024", alerta Caruso, que prevê avanço de 1,3% do PIB. "Há ventos contrários para a economia no ano que vem, o impulso fiscal deste ano não vai se repetir, e a receita do governo tende a ser mais fraca", afirma.

Para Caruso, como a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 11,75% ao ano, deverá continuar em patamares acima da taxa neutra — de 4,5% a 5,5%, dependendo das análises —, a política monetária seguirá contracionista, e, portanto, o freio de mão do PIB continuará puxado. "O ano de 2023 foi de fracasso das previsões, mas o que mais explica os erros é a resiliência da atividade. O mercado passou o tempo inteiro achando que o ajuste monetário sincronizado levaria o mundo para baixo, mas não foi o que aconteceu", afirma.

•        Emprego

"O ano de 2024 será bem mais desafiador do que 2023. Este ano teve a ajuda da supersafra do agronegócio, mas, no próximo, o cenário base prevê desaceleração", destaca Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryo Asset. De acordo com ele, é preciso lembrar que a melhora do mercado de trabalho, com a redução do desemprego para patamares em torno de 8%, tem um fator de preocupação, que é o fato de muitas pessoas não estarem mais procurando emprego devido aos auxílios do governo.

"É preciso olhar para a taxa de desemprego com cuidado e fazer o ajuste sazonal, pois, pela metodologia do IBGE, há menos gente procurando emprego. Isso afeta a taxa de desocupação, e ela está mais baixa do que deveria devido à contração da economia provocada pela política monetária restritiva", alerta. "Existem fatores que ninguém ainda sabe explicar, mas as suspeitas são de que uma boa parcela da população se aposentou depois da pandemia, ou mesmo morreu", complementa.

 

       Alta da dívida pública pode frear expansão do PIB brasileiro

 

Professor doutor de Economia da Universidade de São Paulo (USP), Simão Silber acredita que a economia externa deverá contribuir para uma expansão menor do PIB brasileiro no ano que vem. "O crescimento global não deve chegar a 2%, e esse é um número muito baixo para o padrão médio de 3,8% dos últimos 20 anos. O governo não tem instrumental para fazer o PIB crescer de forma mais robusta e, se o presidente Lula fizer o que está falando, vamos ver crescimento menor ainda, porque não é fazendo mais dívida que o crescimento virá", alerta o economista, comentando declarações recentes do chefe do Executivo.

"Acredito que, se houver um mínimo de bom senso e capacidade de persuasão de Fernando Haddad, será possível evitar o crescimento dos gastos de forma desordenada", acrescenta Silber. "A média do crescimento mundial está abaixo do padrão, e 2024 não será um ano bom para economia global. Ela continuará com altos e baixos devido a vários vilões — os efeitos da pandemia de covid-19, a guerra no Leste Europeu e fatores macroeconômicos adversos", explica.

Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos, ressalta que existem fatores de preocupação em 2024 que precisam estar no radar do debate econômico, como a eleição municipal, que vai determinar o jogo político para 2026, com um orçamento no mesmo patamar da corrida eleitoral de 2022, perto de R$ 5 bilhões. "Devemos ter eleições bastante acirradas e com viés expansionista", aposta.

•        Fator positivo

Por outro lado, Margato, aponta como um lado positivo para o próximo ano a possibilidade de os Estados Unidos começarem a cortar os juros de forma antecipada, o que poderá ajudar a valorização de ativos de mercados emergentes, como o Brasil. A última decisão do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos) deixou os agentes da Bolsa de Valores de São Paulo (B3) animados, tanto que o Índice Bovespa (IBovespa) bateu recordes e chegou a encostar em 133 mil pontos nos últimos dias.

"A parte fiscal é o principal risco interno em 2024. Neste momento, é menor do que a gente tinha há um ou dos meses, porque Haddad aprovou muita coisa no Congresso. Mas é a velha história: vãos os anéis e ficam os dedos", destaca Luís Otávio de Souza Leal, economista-chefe da G5 Partners, em referência ao limite de R$ 23 bilhões para o contingenciamento no próximo ano imposto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

De acordo com Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco, ainda é possível ser "moderadamente otimista" com relação ao crescimento da economia no ano que vem. Um dos motivos é a expectativa de melhora do ambiente internacional, à medida que o Fed reduzir as taxas de juros. "Isso ajudaria bastante os países emergentes e, em paralelo, a queda forte do preço do barril do petróleo pode contribuir para retirar riscos de inflação do cenário", explica. Na avaliação dele, a queda das taxas de juros no Brasil também pode sustentar a demanda doméstica, contribuindo para o crescimento do PIB mais perto de 2%, ou até mesmo acima disso.

Honorato acredita que existe espaço para corte dos juros para até 9% em 2024, com a inflação em torno de 4%. "Mas o fiscal vai ser um problema se ele provocar desvalorização da moeda. Por enquanto, não estamos com esse risco no radar, porque, apesar de a dívida pública brasileira ainda ser elevada, com o novo arcabouço fiscal, ela deve crescer menos do que a média dos países do G20 (grupo das 19 maiores economias desenvolvidas e em desenvolvimento mais a União Europeia)", afirma.

 

       Crédito rotativo: Febraban diz que limite para juros não resolve problema

 

Após o Conselho Monetário Nacional (CMN) regulamentar o teto de juros de 100% ao ano no rotativo do cartão de crédito, na quinta-feira, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou que a medida disciplinou pontos cruciais para a correta aplicação da lei que limita os encargos da modalidade. No entanto, reforçou que as causas dos elevados juros do rotativo não foram estruturalmente solucionadas e que as discussões sobre o assunto devem prosseguir.

"A Febraban reforça sua posição de que as causas dos elevados juros do rotativo não foram estruturalmente solucionadas, o que impacta diretamente os consumidores que precisam dessa linha de crédito", declarou a Febraban em nota.

A entidade entende "como temporária a solução atual e, por não resolver a causa-raiz, os juros se manterão ainda em patamar elevado, prejudicando o comércio e aqueles que mais precisam de crédito para consumir", destaca a nota.

A limitação dos juros do rotativo a 100% ao ano pode ter efeito limitado. Isso porque atualmente, quando uma pessoa fica mais de um mês sem quitar a fatura, ele é, obrigatoriamente, transferida para uma linha de crédito parcelado, mais barata.

A Febraban pontuou que, passada essa primeira fase de implementação da lei do rotativo, vai prosseguir com os debates com a sociedade, os legisladores e os reguladores. "Vamos buscar soluções para o reequilíbrio do principal instrumento de financiamento do consumo no Brasil, com maior transparência e uma efetiva e sustentável redução dos juros que beneficia especialmente a população de renda mais baixa", diz o comunicado.

•        Retrocesso

Para o consultor Roberto Luis Troster, que já foi economista-chefe da Febraban, a norma aprovada pelo CMN é "um retrocesso". Ele não economizou críticas à decisão e aos termos do debate que tem sido travado sobre o assunto. "A controvérsia em si é um absurdo: uma lei do Congresso para limitar o quanto uma dívida pode aumentar; um lado pedindo para colocar um teto no prazo, o que aumenta o custo da dívida; taxas que são absurdas para qualquer parâmetro conhecido; e a falta de racionalidade no debate", desabafou.

De acordo com ele, o Brasil tem um dos sistemas financeiros mais sofisticados do mundo em tecnologia, mas um dos piores, institucionalmente. "As taxas são altas porque a inadimplência é alta, e a inadimplência é alta porque as instituições emprestam mal. Emprestam mal porque não conseguiram tirar o entulho inflacionário do sistema", afirmou Troster.

Outras entidades ligadas ao setor também se manifestaram sobre a norma baixada pelo CMN, mas de maneira favorável. Segundo a Associação Brasileira de Internet (Abranet) a regulamentação "promove mais transparência das instituições, incentivando práticas de crédito responsável, bem como o melhor entendimento das faturas do cartão". Já a Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos (Abipag) declarou que enaltece a iniciativa do CMN e do BC de disciplinar em atos normativos o novo regime aplicável a operações de crédito relativas ao crédito rotativo e parcelamento de fatura de cartões de crédito".

 

Fonte: Correio Braziliense

 

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