7 pontos para entender o crime ambiental da
Braskem em Maceió
Em curso na capital alagoana, o maior crime ambiental em solo urbano do
mundo tem ganhado repercussão nacional e internacional nos últimos dias, após
um novo episódio do terror que vive parte de Maceió, com o resultado da
exploração da petroquímica Braskem desde os anos 70 na cidade com a extração de
sal-gema.
As mais de 200 mil famílias atingidas direta e indiretamente, nos
bairros do Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e parte do Farol têm, nos
últimos cinco anos, vivenciado as complexidades do resultado da mineração no
território, combinado com a omissão do Poder Público que dão materialidade ao
crime que afeta cerca de 20% de Maceió
A denúncia do crime da Braskem voltou a tomar fôlego a partir da ameaça
de uma nova mina de exploração de sal-gema, no bairro do Mutange, colapsar. A
mina que segue em observação e monitoramento, colocou a cidade em alerta e deu
luz as pautas e debates sobre o caso na capital.
Para contribuir no entendimento do crime, sua história e as lutas de
resistência dos maceioenses, destacamos alguns pontos para compreender o que
ocorre agora e a importância do conjunto da sociedade se mobilizar na denúncia
do caso.
1. O que é o sal-gema?
Material utilizado na indústria química para a produção de policloreto
de vinila (PVC), soda cáustica bicarbonato de sódio e ácido clorídrico, o
sal-gema é formado a partir da evaporação de porções de oceano e encontrado em
jazidas subterrâneas, a cerca de mil metros da superfície.
Em Alagoas, o sal-gema é retirado em um processo de dissolução: é cavado
um poço na profundidade onde está o minério e, em seguida, injeta água,
formando uma salmoura. Depois, essa solução é retirada para a superfície para a
extração do sal.
2. A exploração mineral em Maceió
A exploração do minério começou ainda nos anos 70 em Maceió e a partir
do processo de dissolução do sal deixa buracos, com a necessidade de que os
poços sejam preenchidos para manter a estabilidade do solo. A atividade foi
iniciada pela empresa Sal-gema Indústrias Químicas, que foi estatizada e
privatizada novamente em seguida. Já em 96 a empresa passou a se chamar Trikem
e, em 2022, a partir da fusão com outras empresas passou a ser chamada de
Braskem, com controle do Grupo Novonor (antigo Odebrecht), majoritariamente,
além da Petrobrás.
Até então, havia em área urbana 35 poços de extração de sal-gema, os
poços estavam pressurizados e vedados, porém a instabilidade das crateras
causou danos ao solo, que foram visíveis na superfície.Em virtude de uma falha
geológica na região hoje atingida, a instabilidade no solo levou a um tremor de
terra sentido em março de 2018, provocando rachaduras nos bairros.
3. O início dos afundamentos
Os primeiros danos visíveis no solo em Maceió foram registrados após
tremores de terra atingirem Maceió em março de 2018, com abalo sísmico de 2,4
pontos na escala Richter. Esses tremores causaram afundamentos de terra,
erosões e rachaduras em casas, prédios e no asfalto das ruas. Os danos
atingiram os bairros Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e parte do Farol.
Desde então o caso foi se agravando e em 2019 a petroquímica encerrou a
extração na região, como consequência, mais de 60 mil famílias precisaram
desocupar suas casas nos bairros, que passaram a ser bairros fantasmas em
Maceió.
4. Mina 18
A luz amarela acendeu mais recentemente com a ameaça de afundamento de
uma nova mina no bairro do Mutange, a chamada “Mina 18”, que fez a Defesa Civil
colocar a região em alerta máximo e a prefeitura decretar situação de
emergência na região.
O alerta foi emitido no dia 29 de novembro e, desde o início do
monitoramento, afundou 1,69m. De acordo com estudiosos o desabamento não
ocorrerá de forma abrupta, mas exige atenção e acompanhamento dos órgãos
competentes.
5. Omissão do Poder Público
Em julho de 2023, a petroquímica pagou R$ 1,7 bilhão à prefeitura de
Maceió pelos danos causados depois da evacuação dos bairros. O prefeito João
Henrique Caldas, o JHC como é conhecido, é hoje filiado ao Partido Liberal (PL)
e aliado do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). O acordo
fechado com prefeitura dava quitação total à Braskem, incluindo danos futuros e
transfere para a empresa a propriedade de toda a área atingida da mineração de
sal-gema na cidade.
O prefeito divulgou o acordo como uma importante conquista e anunciou
que os recursos iriam para obras estruturantes e para criação do Fundo de
Amparo aos Moradores (FAM). Até o momento, o dinheiro da Braskem foi usado
oficialmente apenas para a compra de um hospital e o “FAM” continua sem fundos.
6. Organização Popular
Desde o início dos primeiros casos de rachadura uma série de
organizações, associações de moradores e população atingida protagonizou a
denúncia, cobrando medidas do poder público e alertando a sociedade para o que
estava ocorrendo nos bairros. A Associação do Movimento Unificado das Vítimas
da Braskem e a Associação dos Empreendedores têm sido os interlocutores das
negociações das dívidas e indenizações justas, aliada a diversas iniciativas de
movimentos populares, partidos e coletivos locais na ampliação da denúncia
através de escrachos, ações e solidariedade e outras atividades.
O último ato unificado, apresentou algumas demandas emergenciais para os
atingidos e atingidas, entre elas: indenizações justas para todas as vítimas da
Braskem; pagamento de aluguel-social para as pessoas que devem sair de suas
casas ameaçadas; permanência da propriedade dos imóveis aos seus atuais
proprietários; e pela discussão consultiva, decisória e urgente do Plano
Diretor da cidade com a população maceioense e os afetados pelo crime
socioambiental.
7. Solidariedade
Pelo agravamento do caso que envolve a cidade, o fato tem recebido
visibilidade e manifestação de solidariedade por todas as partes do mundo.
Essas iniciativas têm ajudado a pautar a opinião pública e fortalecer a luta
das famílias atingidas na região. A mobilização em Maceió convoca toda a
sociedade para se somar na luta contra a mineração e o crime da petroquímica na
capital alagoana.
A partir das últimas manifestações uma série de artistas e
personalidades públicas manifestaram sua posição com o caso.
Essas iniciativas fizeram, por exemplo, a Braskem cancelar sua
participação no debate sobre o papel da indústria na economia de carbono neutro
durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP 28), que ocorre em
Dubai, nos Emirados Árabes.
Chuvas fortes podem
aumentar risco de desabamento causado pela Braskem em Maceió. Por Mariama
Correia
Enquanto todas as atenções estão voltadas para o solo de Maceió, um
pesquisador olha fixamente para o céu. Desde que foi dado o alerta de
afundamento da mina 18 da Braskem, localizada no bairro do Mutange, Humberto Barbosa, professor e coordenador do
Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite da Universidade
Federal de Alagoas (LAPIS/UFAL) monitora com preocupação as imagens que ajudam
a prever as mudanças meteorológicas. É que as chuvas intensas, comuns na região
nesta época do ano, podem ampliar o risco de colapso do solo.
“A grande pergunta que estamos nos fazendo é: quanto de chuva Maceió
suporta para que não aconteça um deslizamento do solo?”, diz. A resposta é
complexa porque envolve muitas variáveis e dados. O cientista e a equipe do
laboratório independente consideram alguns cenários.
A previsão de risco maior para deslizamentos de solo é caso chova 200
milímetros em 10 horas. “Isso é aproximadamente 12% do valor total de chuva
anual na região, que chega em torno de 2 mil milímetros”, explica Barbosa. “Mas
se chover três dias consecutivos intensamente, pode ser outro gatilho para
abalos”, acrescenta.
Chuvas moderadas e fortes podem não fazer a mina colapsar, diz o
pesquisador, mas ele teme que elas causem uma reação em cadeia. “Não sabemos ao
certo quais podem ser as consequências das chuvas em um terreno já degradado
como o da região afetada pela exploração da Braskem. Até porque o desastre que
está acontecendo na cidade não tem precedentes, não há na literatura um
registro semelhante. Maceió é hoje um laboratório – no pior sentido – de
desastres. O que podemos afirmar é que, caso o solo fique encharcado, ele pode
se tornar mais suscetível a afundamentos”, explica.
“Maceió é hoje um laboratório – no pior sentido – de desastres.”
Em 2018, Barbosa lembra que o laboratório – que é uma das principais
referências do país em pesquisas e análise de dados de satélite do país – foi
procurado pela Defesa Civil de Maceió. “Uma pessoa ligou informando que havia
ocorrido um abalo sísmico. A gente tinha registrado chuvas de intensidade média
e alta dias antes. Ou seja, a chuva pode não fazer com que o desabamento
aconteça, mas pode ser mais um gatilho”
O fim do ano é um período de maior incidência dos chamados Vórtices
Ciclônicos, que causam fortes precipitações. Os Vórtices Ciclônicos de Altos
Níveis (VCAN), explica o pesquisador, são sistemas formados por ventos, que
provocam mudanças meteorológicas. Dezembro e janeiro são os meses em que essas
estruturas se formam com maior intensidade na região Nordeste. Os vórtices têm
um centro seco e bordas com convergência de umidade. Quando as bordas se
aproximam de alguma região, elas causam pancadas de chuva intensas.
“Estamos monitorando um VCAN que causou chuvas fortes, de mais de 300
milímetros, no Rio Grande do Norte alguns dias atrás. Estamos agora caçando o
centro dele, vendo o tempo todo como ele se posiciona. Agora está no Sudoeste
da Bahia. Se ele for mais para Leste, o perigo de chuva intensa em Maceió
aumenta. A gente não sabe o que pode acontecer, porque não é possível prever os
movimentos”, diz.
O El Niño também pode intensificar ainda mais as precipitações este ano,
adicionando calor à atmosfera. “Não queremos dar um alarme falso e assustar
ainda mais uma população que já está vulnerável. Mas Maceió tem pouca estrutura
de escoamento, uma drenagem irregular. Tantos anos de intervenção humana, não
só pela exploração da Braskem, mas pela perfuração de poços, tubulações, várias
estruturas associadas ao crescimento urbano, tornaram o terreno da cidade menos
resistente. Por isso, a chuva arrasta o solo mais fácil”, explica. “Esses
riscos deveriam já estar sendo divulgados para a população pelo poder público,
mas não estão sendo”, diz o professor.
A reportagem procurou a Defesa Civil de Maceió e a Braskem para
perguntar sobre medidas para proteger os bairros afetados pela mina de
afundamentos, caso ocorram chuvas fortes, mas não obteve resposta até a
publicação.
• Colapso em Maceió
Na última terça-feira, a Defesa Civil reduziu o estado de alerta máximo
para o colapso da mina 18 para apenas um nível de alerta. De acordo com o
órgão, a velocidade de afundamento do solo caiu para 0,22 cm/hora. Desde o fim
de novembro, o solo no bairro do Mutange já cedeu 1,89 metro. No último dia 29,
famílias foram obrigadas a sair às pressas de suas residências depois que a
Defesa Civil informou que a mina de extração de sal-gema estava afundando com
maior velocidade e corria risco de desabamento.
O afundamento de bairros em Maceió, causado pela exploração de sal-gema
da Braskem, é considerado o maior desastre ambiental urbano do país. Os
primeiros tremores de terra foram registrados em março de 2018. Ruas cederam e
imóveis racharam. Até agora, mais de 20% do território de Maceió foi afetado
pelos tremores. Isso inclui os bairros de Pinheiro, Bebedouro, Bom Parto, Farol
e Mutange, onde muitos locais viraram áreas fantasmas.
A Braskem operava 35 poços de extração de sal-gema em Maceió, desde a
década de 1970. Essas operações foram suspensas em 2019, por causa dos
tremores. Mais de 14 mil imóveis foram afetados pelas operações da Braskem, de
acordo com o Ministério Público Federal e mais de 60 mil pessoas foram
retiradas de suas casas. A Associação dos Empreendedores e Vítimas da Mineração
em Maceió apresentou queixa-crime contra a Braskem, mas o MPF rejeitou a
queixa.
“A Braskem cavou 35 poços sem apresentar o Estudo de Impacto Ambiental.
São vários crimes da Braskem, além do geológico, há um processo de apagamento
das consequências, pensado e premeditado pela empresa, que criou uma série de
acordos para dar uma falsa aparência de legalidade das operações ao longo dos
anos. Houve também omissão do poder público no processo de fiscalização e
acompanhamento da estabilidade das minas”, diz Alexandre Sampaio, presidente da
Associação.
Na terça-feira (5), o Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Alagoas multou
a Braskem em mais de R$ 72 milhões por danos ambientais e pelo risco da mina
18. Em julho, a Braskem fez um acordo para pagamento de R$ 1,7 bilhão à
prefeitura de Maceió, em contrapartida às indenizações e exclusão de cobranças
de impostos sobre os imóveis afetados. Com esse acordo, a empresa passa a ser
proprietária dos terrenos abandonados pelos moradores. A prefeitura avalia
pedir nova indenização.
Fonte: Página do MST/Agencia Pública
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