'Show de horrores': milícias e facções se favorecem
com facilitação de armas no Brasil, diz deputado
O armamento no Brasil é
tema de destaque há anos e divide opiniões entre os brasileiros. Se na gestão
do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) flexibilizações ocorreram para a posse e o
porte de armas, agora, no terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT),
vários decretos foram derrubados.
A nova crise na segurança
do Rio de Janeiro, cujo estopim ocorreu na segunda-feira (23) — quando 35
ônibus e 1 trem foram queimados por milicianos — reavivou o debate do
abrandamento do acesso a armamentos, desencadeado por decretos emitidos por
Jair Bolsonaro.
Os jornalistas Thaiana de
Oliveira e Maurício Bastos, do podcast Jabuticaba Sem Caroço, entrevistaram os
deputados federais Silvia Waiãpi (PL-AP) e o pastor Henrique Vieira (Psol-RJ),
que possuem posicionamentos divergentes em relação a tal questão.
O presidente Luiz Inácio
Lula da Silva assinou, em 21 de julho, um decreto sobre o "controle
responsável de armas". No entanto, dias depois, 53 congressistas assinaram
o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 189/2023, que veta o decreto
presidencial.
O projeto, em tramitação
na Câmara dos Deputados, também facilitaria a compra de equipamentos como o
colete à prova de balas, por exemplo.
A deputada Silvia Waiãpi
avalia que, apesar das divergências entre parlamentares que querem vetar o
decreto de Lula por inteiro, ou parcialmente, ela acredita que o PDL deve
passar "com facilidade" ainda este ano, por terem maioria na Casa
legislativa. Antes, no entanto, passará pelo Senado Federal.
Em relação ao
desarmamento, ela avalia que bandidos "têm consciência de que o cidadão de
bem está desarmado", o que facilitaria crimes.
"Existem muitas
políticas impostas à sociedade. Por exemplo, além do desarmamento da sociedade de
bem, que é controlada, que precisa passar por […] teste, avaliação psicológica
e investigação, tanto da Polícia Federal quanto também pelo Exército
Brasileiro, hoje nós temos uma população desarmada e uma tentativa de
desencarceramento daqueles que estão cumprindo pena."
Representante do governo
federal na Comissão de Segurança, o deputado federal e pastor Henrique Vieira
entende que as políticas atuais revertem direções da gestão Bolsonaro, a fim de
criar até mesmo um "desestímulo" à compra de armas e munições.
"A política do
governo anterior foi de completa irresponsabilidade, descontrole,
flexibilidade, liberação, estímulo à compra de armas e munições numa lógica
armamentista."
Ele entende que a
violência no Brasil possui vários fatores e que é difícil encontrar uma solução
rápida e simples. "A violência no nosso país é um fenômeno multicausal,
então nenhuma variável sozinha vai dar conta desse problema. O controle sobre
armas e munições é parte da solução."
- Violência em vários territórios
Para Waiãpi, em
territórios como a fronteira do Brasil com o Paraguai, por meio de Mato Grosso
do Sul, há profissionais de segurança contratados por comerciantes para
manterem a segurança de suas lojas.
O entendimento da
parlamentar é que a legislação paraguaia é mais flexível e seria um caminho
possível de ser seguido. "Deveria ser mais facilitado, até porque [nos]
cursos de segurança eles têm uma fiscalização para que […] possam começar a
funcionar."
"Os cursos são
autorizados também pela Polícia Federal e, obviamente, existe esse controle
ainda maior, principalmente no Brasil."
Waiãpi reconhece que a
segurança pública envolve fatores diversos e que a liberação de armas não
resolverá todos os problemas. Ela defende que as forças de segurança pública
devem receber fortalecimento e, juridicamente, criminosos devem ficar mais
tempo presos.
Para Henrique Vieira,
estados como o Rio de Janeiro têm muita violência associada a facções
criminosas e milícias.
"A gente tem que
entender a gravidade disso e se solidarizar com tantas pessoas que vivem em
áreas controladas e tantas famílias destruídas por conta dessa violência."
Para ele, além das
políticas relacionadas ao armamento, é preciso repensar a lógica proibicionista
de drogas no Brasil, já que o crime de tráfico é o que mais prende em solo
brasileiro. "Falo em trabalho integrado, em investigação, prevenção e
mediação de conflitos em inteligência."
"Qualquer observação
precisa começar desse lugar de profunda empatia, de não normatizar,
naturalizar, se acomodar e se acostumar com isso. A mera lógica da
ostensividade e da letalidade das próprias forças de segurança não resolveu nem
resolverá o problema. Nós vivemos um ciclo interminável de violência […] e,
infelizmente, muitas vezes uma violência conduzida, operada pelo próprio Estado."
"Se você pensar
ainda mais amplamente, tem a ver com redução de desigualdade, garantia de
direitos, educação pública e tem a ver com discutir o futuro e o presente da
nossa juventude."
- O que o porte de arma pode causar?
Para Henrique Vieira,
organizações criminosas, como milícias e facções, se beneficiam da liberação de
armas e munições: "Com desvios e roubos, até mesmo por meio de
compras."
"O fato é que, na
nossa compreensão, a política do governo anterior beneficiou organizações
criminosas com mais armas disponíveis, mais transferência do mercado legal para
o mercado ilegal. Ou seja, por desvio, por roubo, por corrupção. É assim que
acontece, e os estudos demonstram."
Waiãpi, por outro lado,
opina que a violência não aumentaria como um todo com um acesso maior às armas.
"O cidadão que vai ter uma arma passará por um processo de treinamento
para poder ter a arma. Ele vai passar por uma avaliação psicológica e avaliação
da polícia geral e do Exército brasileiro."
"A posse da arma,
sim, deixará uma população mais segura. Agora, um traficante que possui arma,
ele passou pela avaliação do crime, e não pelas forças de segurança."
Ela comenta que houve
decréscimo no número de homicídios em território brasileiro durante os anos da
gestão Bolsonaro, que teve redução de burocracias e ampliação do acesso a
armas. "Mas de pessoas que obviamente vão passar por um treinamento, ter
[…] liberação psicológica, investigação da Polícia Federal sobre elas."
"Não é assim:
qualquer um chega e compra uma arma, como quem vai ao supermercado pra comprar
uma garrafa d'água. Não, existe um treinamento e existem critérios. Facilitar
significa promover cursos, promover que instituições [podem] dar esse
treinamento."
Em relação a uma eventual
manipulação de certificados que atestem a permissão de atiradores utilizarem
armas, Waiãpi afirma que a área de inteligência policial deverá atuar de forma
a investigar e detectar problemas.
"Os municípios não
estão tendo controle sobre as questões da violência pública, sobre as questões
de combate ao crime organizado", diz a deputada, exemplificando que
cidadãos israelenses armados tinham a possibilidade de reagir a crimes contra
eles durante a guerra entre Israel e Hamas.
- Como fica a lei de armas no Brasil?
Integrante da Comissão de
Segurança Pública e militar reservista, a deputada Silvia Waiãpi avalia que o
projeto para derrubar o decreto de Lula, votado em julho, teve pedido de
suspensão pelos parlamentares da Câmara dos Deputados, mas que está emperrado
devido a divergências dentro do próprio Partido Liberal (PL).
Deputados como Alberto
Fraga (PL-DF), que também já fez parte da Polícia Militar do Distrito Federal
(PMDF), têm divergências em relação ao PDL e defendem o veto apenas à proposta
que facilita a pistola de calibre 9mm para a população em geral.
Para Vieira, a comissão
possui ampla maioria de pessoas vinculadas ao bolsonarismo e à indústria
armamentista, e o "debate é frágil". "É um show de horrores
glorificar mais armas, 'Tem que matar', 'Que bom que morreu', 'Quantos CPFs
foram cancelados essa semana?'."
"É um palco de
respostas fáceis para problemas complexos. Portanto, respostas recheadas de
sensacionalismo e espetacularização da violência. E de um certo sarcasmo diante
da letalidade do próprio Estado."
O deputado e pastor
acredita que os apoiadores do PDL têm ampla vantagem, mas que a oposição deverá
ser feita. "Não dá para desprezar o tamanho da bancada da bala no
Congresso, os mecanismos de pressão que eles têm. Não sou ingênuo, sei da força
que eles têm, mas o governo Lula foi eleito e tem uma concepção muito bem
desenhada sobre a política de armas", finaliza.
Ø
Lula quer Forças Armadas
em aeroportos e portos do Rio, mas descarta intervenção: 'Não deu em nada'
A cidade do Rio de
Janeiro vive o caos com pelo menos 35 ônibus, dois carros de passeio, caminhões
e um trem sendo queimados por milicianos na zona oeste da cidade. Lula quer
atuação das Forças Armadas, mas sem intervenção federal.
Os ataques que
aconteceram durante a tarde de segunda-feira (23) foram uma resposta à morte de
Mateus Resende, sobrinho do miliciano Zinho, chefe da milícia na região, e
filho do miliciano Ecko, assassinado em 2021. Os 35 ônibus queimados foram um
recorde de tal ação na cidade e geraram um prejuízo de R$ 37 milhões.
Nesta manhã (24), o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que vai conversar com o ministro
da Defesa, José Múcio, para intensificar a atuação da Aeronáutica e da Marinha
em portos e aeroportos cariocas para combater o crime organizado.
"Já conversei com o
governador [Cláudio] Castro, do Rio de Janeiro. Ontem [23], eu conversei com o
Flávio Dino, hoje [24] vou conversar com o ministro da Defesa, na perspectiva
de fazer com que a aeronáutica possa ter uma intervenção maior nos aeroportos
do Rio de Janeiro, que a Marinha possa ter uma intervenção maior nos portos,
para ver se a gente consegue combater mais o crime organizado, o narcotráfico,
o tráfico de armas, ou seja, vamos ter que agir um pouco mais", afirmou
Lula segundo a Folha de São Pualo.
No entanto, o presidente
destacou que não planeja fazer uma intervenção federal ou qualquer operação
mais ambiciosa que possa tirar a "autoridade" do governador do Rio,
Cláudio Castro.
"Não queremos
pirotecnia. Não queremos fazer uma intervenção como já foi feito e não deu em
nada. Não queremos tirar a autoridade do governador do Rio", disse.
O petista ainda relembrou
uma ideia antiga que tinha de criar o Ministério da Segurança Pública e não
descartou levar a pasta adiante.
"Eu, quando fiz a
campanha, eu ia criar o Ministério da Segurança Pública, ainda estou pensando
em criar, pensando quais são as condições que você vai criar, como é que vai
interagir com a questão de segurança do estado, porque o problema da segurança
é estadual."
De acordo com a mídia,
Cláudio Castro pediu a Lula o envio das Forças Armadas para o estado e o
Ministério da Defesa acredita que será possível atender ao pedido do governador
para o emprego pontual das forças no combate ao tráfico de drogas.
A Força Nacional e
Polícia Rodoviária Federal (PRF) já atuam patrulhando rodovias do estado desde
hoje (24). Castro se reuniu ontem (23) com o ministro da Justiça, Flávio Dino,
e o secretário-executivo da pasta, Ricardo Cappelli para discutir as ações
tomadas por forças federais.
Ainda segundo a mídia, o
governador tenta dar uma resposta à crescente onda de violência registrada no
Rio nas últimas semanas.
Na visão do governador,
os ataques na capital carioca foram uma reação desproporcional da milícia e
demonstram que as forças de segurança do estado estão no caminho certo.
"Essa reação
demonstra um desespero e esse desespero também é porque nós estamos no caminho
certo da prisão dessas lideranças", afirmou Castro durante fala à imprensa
hoje (24) segundo a CNN.
O governador acredita que
a polícia carioca esteve muito próxima de prender Zinho, que desde 2021 é o
líder do principal grupo miliciano que atua no Rio. Os ataques de segunda-feira
(23) foram praticados por um grupo de milicianos em represália à morte de
Matheus da Silva Resende, de 24 anos, vice-líder da quadrilha.
Ø
Intervenção federal no RJ
não está em pauta, afirma secretário-executivo do Ministério da Justiça
A Zona Oeste da cidade do
Rio de Janeiro viveu verdadeiras cenas de terror na última segunda-feira (23).
A morte do sobrinho de um miliciano resultou na queima de mais de 30 ônibus e 1
trem, entre outros tipos de danos.
Durante um balanço
realizado nesta terça-feira (24), um dia após o ocorrido, o
secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo
Cappelli, sinalizou que, no momento, uma intervenção federal não está na pauta
da pasta. "Neste momento apostamos no SUSP [Sistema Único de Segurança
Pública]. Apostamos no fortalecimento das relações interfederativas. Cada
estado tem o seu papel. O policiamento ostensivo é responsabilidade do estado."
Ao analisar os ataques
criminosos, Cappelli classificou de "muito grave" a situação no
município.
''Situação muito grave,
facções criminosas desafiando o Estado Democrático de Direito, paralisando uma
parte da cidade, colocando fogo no transporte público. É uma clara ameaça à
autoridade do Estado, uma situação inaceitável'', disse Cappelli.
As declarações foram
dadas após o secretário participar da abertura do 17º Encontro Nacional de
Repressão a Drogas, Armas, Crimes contra o Patrimônio e Facções Criminosas
(Siren), no hotel Vila Galé, no Centro do Rio. O encontro reúne, até
sexta-feira (27), policiais federais de todo o país, representantes das Forças
Armadas e do setor de segurança de embaixadas.
Segundo Cappelli, ainda é
cedo para reformular o planejamento feito para a atuação de forças federais no
estado.
"A gente está
completando uma semana do início do nosso reforço no Rio de Janeiro, então é
cedo para rever um planejamento que ainda está em curso. A gente vai fazer a
primeira reunião de monitoramento. Esta semana acabam de chegar os homens da
Polícia Federal, com tecnologia e equipamentos. Está cedo ainda. Não tem uma
semana. Claro que o que aconteceu ontem é gravíssimo, e isso a gente leva em
conta no planejamento que está construindo e que vai avaliar hoje",
frisou.
Os moradores e
transeuntes que precisaram passar pela Zona Oeste do Rio de Janeiro na última
segunda-feira sofreram um pouco mais do que o normal. Após o assassinato de um
miliciano, pessoas não identificadas atearam fogo em 35 ônibus e 1 trem da
região.
Além da queima de
veículos de transporte público, vias foram interditadas.
- Terrorismo
Durante uma coletiva
realizada no mesmo dia, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL),
afirmou que os presos pelos ataques responderão como terroristas. "Eles
estão presos por ações terroristas e, por isso, estarão sendo enviados para
presídios federais", afirmou.
Morte de sobrinho de
miliciano
Matheus Rezende, sobrinho
do miliciano Zinho, foi atingido por disparos durante confronto com a Polícia
Civil na comunidade Três Pontes, na Zona Oeste.
O confronto envolveu
policiais da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) e do Departamento-Geral
de Polícia Especializada (DGPE). Agentes da Polinter também foram ao local.
Segundo a polícia,
Matheus era apontado como o segundo na hierarquia da milícia da região.
Faustão, como é conhecido, é o terceiro da família a morrer em confrontos com a
Polícia Civil do Rio.
Em 2017, Carlos Alexandre
da Silva Braga, o Carlinhos Três Pontes, morreu em operação da Delegacia de
Homicídios da Capital. Em junho de 2021, foi a vez do miliciano Wellington da
Silva Braga, de 34 anos, conhecido como Ecko. Ambos eram irmãos de Zinho, que
assumiu o comando da organização criminosa quando o último morreu.
Fonte: Sputnik Brasil
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