quarta-feira, 25 de outubro de 2023

'Show de horrores': milícias e facções se favorecem com facilitação de armas no Brasil, diz deputado

O armamento no Brasil é tema de destaque há anos e divide opiniões entre os brasileiros. Se na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) flexibilizações ocorreram para a posse e o porte de armas, agora, no terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vários decretos foram derrubados.

A nova crise na segurança do Rio de Janeiro, cujo estopim ocorreu na segunda-feira (23) — quando 35 ônibus e 1 trem foram queimados por milicianos — reavivou o debate do abrandamento do acesso a armamentos, desencadeado por decretos emitidos por Jair Bolsonaro.

Os jornalistas Thaiana de Oliveira e Maurício Bastos, do podcast Jabuticaba Sem Caroço, entrevistaram os deputados federais Silvia Waiãpi (PL-AP) e o pastor Henrique Vieira (Psol-RJ), que possuem posicionamentos divergentes em relação a tal questão.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, em 21 de julho, um decreto sobre o "controle responsável de armas". No entanto, dias depois, 53 congressistas assinaram o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 189/2023, que veta o decreto presidencial.

O projeto, em tramitação na Câmara dos Deputados, também facilitaria a compra de equipamentos como o colete à prova de balas, por exemplo.

A deputada Silvia Waiãpi avalia que, apesar das divergências entre parlamentares que querem vetar o decreto de Lula por inteiro, ou parcialmente, ela acredita que o PDL deve passar "com facilidade" ainda este ano, por terem maioria na Casa legislativa. Antes, no entanto, passará pelo Senado Federal.

Em relação ao desarmamento, ela avalia que bandidos "têm consciência de que o cidadão de bem está desarmado", o que facilitaria crimes.

"Existem muitas políticas impostas à sociedade. Por exemplo, além do desarmamento da sociedade de bem, que é controlada, que precisa passar por […] teste, avaliação psicológica e investigação, tanto da Polícia Federal quanto também pelo Exército Brasileiro, hoje nós temos uma população desarmada e uma tentativa de desencarceramento daqueles que estão cumprindo pena."

Representante do governo federal na Comissão de Segurança, o deputado federal e pastor Henrique Vieira entende que as políticas atuais revertem direções da gestão Bolsonaro, a fim de criar até mesmo um "desestímulo" à compra de armas e munições.

"A política do governo anterior foi de completa irresponsabilidade, descontrole, flexibilidade, liberação, estímulo à compra de armas e munições numa lógica armamentista."

Ele entende que a violência no Brasil possui vários fatores e que é difícil encontrar uma solução rápida e simples. "A violência no nosso país é um fenômeno multicausal, então nenhuma variável sozinha vai dar conta desse problema. O controle sobre armas e munições é parte da solução."

  • Violência em vários territórios

Para Waiãpi, em territórios como a fronteira do Brasil com o Paraguai, por meio de Mato Grosso do Sul, há profissionais de segurança contratados por comerciantes para manterem a segurança de suas lojas.

O entendimento da parlamentar é que a legislação paraguaia é mais flexível e seria um caminho possível de ser seguido. "Deveria ser mais facilitado, até porque [nos] cursos de segurança eles têm uma fiscalização para que […] possam começar a funcionar."

"Os cursos são autorizados também pela Polícia Federal e, obviamente, existe esse controle ainda maior, principalmente no Brasil."

Waiãpi reconhece que a segurança pública envolve fatores diversos e que a liberação de armas não resolverá todos os problemas. Ela defende que as forças de segurança pública devem receber fortalecimento e, juridicamente, criminosos devem ficar mais tempo presos.

Para Henrique Vieira, estados como o Rio de Janeiro têm muita violência associada a facções criminosas e milícias.

"A gente tem que entender a gravidade disso e se solidarizar com tantas pessoas que vivem em áreas controladas e tantas famílias destruídas por conta dessa violência."

Para ele, além das políticas relacionadas ao armamento, é preciso repensar a lógica proibicionista de drogas no Brasil, já que o crime de tráfico é o que mais prende em solo brasileiro. "Falo em trabalho integrado, em investigação, prevenção e mediação de conflitos em inteligência."

"Qualquer observação precisa começar desse lugar de profunda empatia, de não normatizar, naturalizar, se acomodar e se acostumar com isso. A mera lógica da ostensividade e da letalidade das próprias forças de segurança não resolveu nem resolverá o problema. Nós vivemos um ciclo interminável de violência […] e, infelizmente, muitas vezes uma violência conduzida, operada pelo próprio Estado."

"Se você pensar ainda mais amplamente, tem a ver com redução de desigualdade, garantia de direitos, educação pública e tem a ver com discutir o futuro e o presente da nossa juventude."

  • O que o porte de arma pode causar?

Para Henrique Vieira, organizações criminosas, como milícias e facções, se beneficiam da liberação de armas e munições: "Com desvios e roubos, até mesmo por meio de compras."

"O fato é que, na nossa compreensão, a política do governo anterior beneficiou organizações criminosas com mais armas disponíveis, mais transferência do mercado legal para o mercado ilegal. Ou seja, por desvio, por roubo, por corrupção. É assim que acontece, e os estudos demonstram."

Waiãpi, por outro lado, opina que a violência não aumentaria como um todo com um acesso maior às armas. "O cidadão que vai ter uma arma passará por um processo de treinamento para poder ter a arma. Ele vai passar por uma avaliação psicológica e avaliação da polícia geral e do Exército brasileiro."

"A posse da arma, sim, deixará uma população mais segura. Agora, um traficante que possui arma, ele passou pela avaliação do crime, e não pelas forças de segurança."

Ela comenta que houve decréscimo no número de homicídios em território brasileiro durante os anos da gestão Bolsonaro, que teve redução de burocracias e ampliação do acesso a armas. "Mas de pessoas que obviamente vão passar por um treinamento, ter […] liberação psicológica, investigação da Polícia Federal sobre elas."

"Não é assim: qualquer um chega e compra uma arma, como quem vai ao supermercado pra comprar uma garrafa d'água. Não, existe um treinamento e existem critérios. Facilitar significa promover cursos, promover que instituições [podem] dar esse treinamento."

Em relação a uma eventual manipulação de certificados que atestem a permissão de atiradores utilizarem armas, Waiãpi afirma que a área de inteligência policial deverá atuar de forma a investigar e detectar problemas.

"Os municípios não estão tendo controle sobre as questões da violência pública, sobre as questões de combate ao crime organizado", diz a deputada, exemplificando que cidadãos israelenses armados tinham a possibilidade de reagir a crimes contra eles durante a guerra entre Israel e Hamas.

  • Como fica a lei de armas no Brasil?

Integrante da Comissão de Segurança Pública e militar reservista, a deputada Silvia Waiãpi avalia que o projeto para derrubar o decreto de Lula, votado em julho, teve pedido de suspensão pelos parlamentares da Câmara dos Deputados, mas que está emperrado devido a divergências dentro do próprio Partido Liberal (PL).

Deputados como Alberto Fraga (PL-DF), que também já fez parte da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), têm divergências em relação ao PDL e defendem o veto apenas à proposta que facilita a pistola de calibre 9mm para a população em geral.

Para Vieira, a comissão possui ampla maioria de pessoas vinculadas ao bolsonarismo e à indústria armamentista, e o "debate é frágil". "É um show de horrores glorificar mais armas, 'Tem que matar', 'Que bom que morreu', 'Quantos CPFs foram cancelados essa semana?'."

"É um palco de respostas fáceis para problemas complexos. Portanto, respostas recheadas de sensacionalismo e espetacularização da violência. E de um certo sarcasmo diante da letalidade do próprio Estado."

O deputado e pastor acredita que os apoiadores do PDL têm ampla vantagem, mas que a oposição deverá ser feita. "Não dá para desprezar o tamanho da bancada da bala no Congresso, os mecanismos de pressão que eles têm. Não sou ingênuo, sei da força que eles têm, mas o governo Lula foi eleito e tem uma concepção muito bem desenhada sobre a política de armas", finaliza.

 

Ø  Lula quer Forças Armadas em aeroportos e portos do Rio, mas descarta intervenção: 'Não deu em nada'

 

A cidade do Rio de Janeiro vive o caos com pelo menos 35 ônibus, dois carros de passeio, caminhões e um trem sendo queimados por milicianos na zona oeste da cidade. Lula quer atuação das Forças Armadas, mas sem intervenção federal.

Os ataques que aconteceram durante a tarde de segunda-feira (23) foram uma resposta à morte de Mateus Resende, sobrinho do miliciano Zinho, chefe da milícia na região, e filho do miliciano Ecko, assassinado em 2021. Os 35 ônibus queimados foram um recorde de tal ação na cidade e geraram um prejuízo de R$ 37 milhões.

Nesta manhã (24), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que vai conversar com o ministro da Defesa, José Múcio, para intensificar a atuação da Aeronáutica e da Marinha em portos e aeroportos cariocas para combater o crime organizado.

"Já conversei com o governador [Cláudio] Castro, do Rio de Janeiro. Ontem [23], eu conversei com o Flávio Dino, hoje [24] vou conversar com o ministro da Defesa, na perspectiva de fazer com que a aeronáutica possa ter uma intervenção maior nos aeroportos do Rio de Janeiro, que a Marinha possa ter uma intervenção maior nos portos, para ver se a gente consegue combater mais o crime organizado, o narcotráfico, o tráfico de armas, ou seja, vamos ter que agir um pouco mais", afirmou Lula segundo a Folha de São Pualo.

No entanto, o presidente destacou que não planeja fazer uma intervenção federal ou qualquer operação mais ambiciosa que possa tirar a "autoridade" do governador do Rio, Cláudio Castro.

"Não queremos pirotecnia. Não queremos fazer uma intervenção como já foi feito e não deu em nada. Não queremos tirar a autoridade do governador do Rio", disse.

O petista ainda relembrou uma ideia antiga que tinha de criar o Ministério da Segurança Pública e não descartou levar a pasta adiante.

"Eu, quando fiz a campanha, eu ia criar o Ministério da Segurança Pública, ainda estou pensando em criar, pensando quais são as condições que você vai criar, como é que vai interagir com a questão de segurança do estado, porque o problema da segurança é estadual."

De acordo com a mídia, Cláudio Castro pediu a Lula o envio das Forças Armadas para o estado e o Ministério da Defesa acredita que será possível atender ao pedido do governador para o emprego pontual das forças no combate ao tráfico de drogas.

A Força Nacional e Polícia Rodoviária Federal (PRF) já atuam patrulhando rodovias do estado desde hoje (24). Castro se reuniu ontem (23) com o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o secretário-executivo da pasta, Ricardo Cappelli para discutir as ações tomadas por forças federais.

Ainda segundo a mídia, o governador tenta dar uma resposta à crescente onda de violência registrada no Rio nas últimas semanas.

Na visão do governador, os ataques na capital carioca foram uma reação desproporcional da milícia e demonstram que as forças de segurança do estado estão no caminho certo.

"Essa reação demonstra um desespero e esse desespero também é porque nós estamos no caminho certo da prisão dessas lideranças", afirmou Castro durante fala à imprensa hoje (24) segundo a CNN.

O governador acredita que a polícia carioca esteve muito próxima de prender Zinho, que desde 2021 é o líder do principal grupo miliciano que atua no Rio. Os ataques de segunda-feira (23) foram praticados por um grupo de milicianos em represália à morte de Matheus da Silva Resende, de 24 anos, vice-líder da quadrilha.

 

Ø  Intervenção federal no RJ não está em pauta, afirma secretário-executivo do Ministério da Justiça

 

A Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro viveu verdadeiras cenas de terror na última segunda-feira (23). A morte do sobrinho de um miliciano resultou na queima de mais de 30 ônibus e 1 trem, entre outros tipos de danos.

Durante um balanço realizado nesta terça-feira (24), um dia após o ocorrido, o secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli, sinalizou que, no momento, uma intervenção federal não está na pauta da pasta. "Neste momento apostamos no SUSP [Sistema Único de Segurança Pública]. Apostamos no fortalecimento das relações interfederativas. Cada estado tem o seu papel. O policiamento ostensivo é responsabilidade do estado."

Ao analisar os ataques criminosos, Cappelli classificou de "muito grave" a situação no município.

''Situação muito grave, facções criminosas desafiando o Estado Democrático de Direito, paralisando uma parte da cidade, colocando fogo no transporte público. É uma clara ameaça à autoridade do Estado, uma situação inaceitável'', disse Cappelli.

As declarações foram dadas após o secretário participar da abertura do 17º Encontro Nacional de Repressão a Drogas, Armas, Crimes contra o Patrimônio e Facções Criminosas (Siren), no hotel Vila Galé, no Centro do Rio. O encontro reúne, até sexta-feira (27), policiais federais de todo o país, representantes das Forças Armadas e do setor de segurança de embaixadas.

Segundo Cappelli, ainda é cedo para reformular o planejamento feito para a atuação de forças federais no estado.

"A gente está completando uma semana do início do nosso reforço no Rio de Janeiro, então é cedo para rever um planejamento que ainda está em curso. A gente vai fazer a primeira reunião de monitoramento. Esta semana acabam de chegar os homens da Polícia Federal, com tecnologia e equipamentos. Está cedo ainda. Não tem uma semana. Claro que o que aconteceu ontem é gravíssimo, e isso a gente leva em conta no planejamento que está construindo e que vai avaliar hoje", frisou.

Os moradores e transeuntes que precisaram passar pela Zona Oeste do Rio de Janeiro na última segunda-feira sofreram um pouco mais do que o normal. Após o assassinato de um miliciano, pessoas não identificadas atearam fogo em 35 ônibus e 1 trem da região.

Além da queima de veículos de transporte público, vias foram interditadas.

  • Terrorismo

Durante uma coletiva realizada no mesmo dia, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), afirmou que os presos pelos ataques responderão como terroristas. "Eles estão presos por ações terroristas e, por isso, estarão sendo enviados para presídios federais", afirmou.

Morte de sobrinho de miliciano

Matheus Rezende, sobrinho do miliciano Zinho, foi atingido por disparos durante confronto com a Polícia Civil na comunidade Três Pontes, na Zona Oeste.

O confronto envolveu policiais da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) e do Departamento-Geral de Polícia Especializada (DGPE). Agentes da Polinter também foram ao local.

Segundo a polícia, Matheus era apontado como o segundo na hierarquia da milícia da região. Faustão, como é conhecido, é o terceiro da família a morrer em confrontos com a Polícia Civil do Rio.

Em 2017, Carlos Alexandre da Silva Braga, o Carlinhos Três Pontes, morreu em operação da Delegacia de Homicídios da Capital. Em junho de 2021, foi a vez do miliciano Wellington da Silva Braga, de 34 anos, conhecido como Ecko. Ambos eram irmãos de Zinho, que assumiu o comando da organização criminosa quando o último morreu.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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