Israel não tem solução para Gaza depois da guerra, alertam
especialistas
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu,
prometeu “mudar o Médio Oriente”. O presidente americano Joe Biden disse que
“não há como voltar atrás”. Mas a medida que as forças israelenses intensificam
os seus ataques à Faixa de Gaza e emitem novos e urgentes avisos aos palestinianos
irem para o sul, para onde vai a guerra e o que vem a seguir?
Israel continua dizendo que pretende destruir o
Hamas “militar e politicamente”.
Mas, para além da aplicação de um poderio militar
implacável e esmagador, não está claro como esta ambição sem precedentes será
alcançada.
“Você não pode tomar uma atitude tão drástica sem
um plano para o dia seguinte”, afirma Michael Milshtein, chefe do grupo de
estudos palestinos do Centro Moshe Dayan, da Universidade de Tel Aviv.
Ex-membro da inteligência militar de Israel,
Milshtein, teme que não tenha existido esse planejamento.
Diplomatas europeus dizem que estão conduzindo
discussões intensas com Israel sobre o futuro, mas que até agora nada está
claro.
"Você pode esboçar algumas ideias no papel,
mas torná-las reais exige semanas, meses de diplomacia”, disse um deles, que
pediu anonimato.
Planos militares existem - desde a destruição da
capacidade militar do Hamas até a tomada de boa parte da Faixa de Gaza. Mas
fontes ouvidas pela BBC com longa experiência em crises do tipo dizem que o
planejamento não vai além disso.
“Não creio que exista uma solução viável e
funcional para Gaza para o momento seguinte ao da evacuação das nossas forças”,
afirma Haim Tomer, ex-membro do Mossad, o serviço secreto de Israel.
Os israelenses são praticamente unânimes sobre o
desejo de derrotar o Hamas e não permitir mais que eles governem Gaza.
Mas o Hamas, diz Milshtein, é uma ideia - não algo
que Israel possa simplesmente apagar.
Ele faz um paralelo com o Iraque em 2003, quando as
forças lideradas pelos EUA tentaram remover todos os vestígios do regime de
Saddam Hussein. O plano foi um desastre, diz.
Deixou centenas de milhares de funcionários
públicos iraquianos e membros das forças armadas sem trabalho, lançando as
sementes para uma insurreição devastadora.
Veteranos americanos desse conflito estão em
Israel, conversando com os militares israelenses sobre as suas experiências em
lugares como Falluja e Mosul.
“Espero que expliquem que cometeram alguns erros
enormes no Iraque”, diz Milshtein.
"Israel não pode ter a ilusão de erradicar o
partido no poder ou mudar a opinião das pessoas. Isso não vai acontecer."
Os palestinos concordam.
“O Hamas é uma organização popular de base”, diz
Mustafa Barghouti, presidente da Iniciativa Nacional Palestina. “Se quiserem
remover o Hamas, terão de fazer uma limpeza étnica em toda Gaza.”
Essa ideia - de que Israel pretende forçar centenas
de milhares de palestinianos a sair da Faixa de Gaza e a entrar no Egito - está
despertando os medos palestinianos mais profundos.
Para uma população já constituída em grande parte
por refugiados - que fugiram ou foram expulsos das suas casas quando Israel foi
fundado - a ideia de outro êxodo em massa evoca memórias dos acontecimentos
traumáticos de 1948.
“Fugir significa uma passagem só de ida”, diz Diana
Buttu, ex-porta-voz da Organização para a Libertação da Palestina (OLP).
Giora Eiland, ex-chefe do Conselho de Segurança
Nacional de Israel, diz que a única forma do país concretizar as suas ambições
militares em Gaza sem matar muitos palestinianos inocentes é a evacuação dos
civis.
O pedido de Joe Biden de financiamento ao Congresso
para apoiar Israel e Ucrânia é outro fator que gera temor entre os palestinos.
Até agora, Israel não disse oficialmente que quer que
os palestinianos atravessem a fronteira. As Forças de Defesa de Israel (IDF)
disseram repetidamente aos civis que se deslocassem para “áreas seguras” mal
definidas no sul.
Mas o presidente do Egito, Abdel Fattah el-Sissi,
alertou que a guerra de Israel em Gaza pode ser “uma tentativa de forçar os
habitantes civis a migrar para o Egipto”.
Supondo que ainda existam palestinos em Gaza quando
a guerra acabar, quem irá governá-los?
“Essa é a pergunta de um milhão de dólares”, diz
Milshtein.
Israel, diz ele, deveria apoiar a criação de uma
nova administração, dirigida pelos habitantes de Gaza, com a adesão dos líderes
locais e o apoio dos EUA, do Egito e talvez da Arábia Saudita. A nova
administração deveria também incluir líderes do Fatah, o grupo palestino que
hoje controla Autoridade Palestina (ANP) na Cisjordân ia e que o Hamas expulsou
de Gaza.
Hoje, no entanto, a ANP e seu presidente Mahmud
Abbas são impopulares entre os palestinianos na Faixa de Gaza.
Diana Buttu diz que a ANP pode até querer regressar
a Gaza, mas não “nas costas de um tanque israelense”.
A veterana palestina Hanan Ashrawi, que foi membro
da ANP na década de 1990, irrita-se com a ideia de que estrangeiros, incluindo
Israel, tentarão mais uma vez determinar como os palestinianos conduzem suas
vidas.
“As pessoas pensam que é um tabuleiro de xadrez e
que podem mover alguns peões aqui e ali e dar um xeque-mate no final. Isso não
vai acontecer”, diz ela.
Entre aqueles que já lidaram com guerras em Gaza
antes, há uma profunda apreensão e uma sensação de que quase tudo já foi
tentado antes.
O ex-oficial do Mossad Haim Tomer diz que
suspenderia as operações militares por um mês, num esforço para retirar os
reféns primeiro.
Em 2012, após uma ronda anterior de combates em
Gaza, ele acompanhou o diretor da Mossad ao Cairo para conversas que resultaram
num cessar-fogo. Os representantes do Hamas, diz ele, estavam presentes, com as
autoridades egípcias fazendo o meio campo. Um mecanismo semelhante deveria ser
utilizado novamente, diz ele, mesmo que Israel tivesse que libertar
prisioneiros.
"Não me importo se libertarmos alguns milhares
de prisioneiros do Hamas. Quero ver os reféns voltando para casa."
Israel, diz ele, poderia então decidir se retoma as
operações militares em grande escala ou optaria por um cessar-fogo de longo
prazo.
Ø O que está acontecendo agora entre Israel e Gaza?
Homens armados do Hamas lançaram um ataque sem
precedentes contra Israel a partir da Faixa de Gaza, em 7 de outubro, matando
mais de 1.400 pessoas e fazendo 230 reféns.
Desde então, Israel tem disparado bombardeios
em série contra Gaza. O Ministério da Saúde palestino, administrado
pelo Hamas, afirma que mais de 8.000 pessoas foram mortas.
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu disse no
sábado (28/10) que Israel
entrou na segunda fase da guerra com o Hamas, dizendo
que suas forças militares entraram por terra no que ele chamou de "aquela
fortaleza do mal" - descrevendo Gaza - para "desmantelar" o
Hamas e trazer reféns para casa.
“Esta será uma guerra longa e difícil”, disse
Netanyahu.
O porta-voz militar israelense, Daniel Hagari,
disse na sexta-feira (27/10) que as forças terrestres estavam "expandindo
as operações" em Gaza e que os militares estavam "trabalhando
poderosamente em todas as dimensões" para alcançar seus objetivos.
Relatos sugerem um intenso bombardeio aéreo de Gaza
por parte de Israel, mais pesado do que nas noites anteriores.
Comunicações via Internet e telefone celular foram
interrompidas em Gaza por mais de 24h.
O ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant,
declarou no sábado (28/1): “As diretrizes para as forças são claras: a operação
continuará até novo aviso”.
O braço militar do Hamas, as Brigadas Izzedine
al-Qassam, disse estar pronto para enfrentar a “agressão com força total”.
Ao longo da noite de sexta-feira, fortes explosões
iluminaram o céu sobre Gaza.
Ao mesmo tempo, o apagão nas redes palestinas de
telefonia móvel e de internet dificultou o acesso das ambulâncias aos feridos.
Rushdi Abu Alouf, da BBC, que está na cidade de
Khan Younis, no sul, descreveu cenas de "caos total" no local no
sábado, com pânico entre as centenas de milhares de pessoas deslocadas que se
abrigavam lá depois de terem sido instruídas por Israel a deixar suas casas no
norte.
Ele disse que os ataques israelenses foram mais
intensos no norte, oeste e leste da Faixa. O repórter de uma estação de rádio
no norte disse que o bombardeio foi "como um terremoto".
O Hospital Indonésio na cidade de Bait Lahia, no
norte do país, teria sido atingido, enquanto pessoas na Cidade de Gaza disseram
que os ataques atingiram várias estradas perto do Hospital Al-Shifa, o maior do
território.
Os militares israelenses concentraram dezenas de
milhares de soldados ao longo da cerca do perímetro do território, juntamente
com tanques e artilharia. Cerca de 300 mil reservistas foram acionados,
juntamente com a sua força permanente de 160 mil pessoas.
Acredita-se que o Hamas conte com cerca de 25 mil
pessoas na sua ala militar. O grupo também controla um vasto labirinto de
túneis subterrâneos em Gaza, cuja extensão pode chegar a 500 km.
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Qual é a situação
humanitária em Gaza?
No sábado, milhares de habitantes de Gaza invadiram
centros de distribuição e armazéns da agência da ONU para os refugiados
palestinos (UNRWA) “levando farinha de trigo e outros itens básicos de
sobrevivência, como suprimentos de higiene”.
“Este é um sinal preocupante de que a ordem civil
está a começar a ruir depois de três semanas de guerra e de um cerco apertado a
Gaza”, disse a ONU em comunicado à imprensa.
“As pessoas estão assustadas, frustradas e
desesperadas”, disse. “As tensões e o medo são agravados pelos cortes nos
telefones e nas linhas de comunicação pela Internet.”
O secretário-geral da ONU, António Guterres,
repetiu o apelo a um cessar-fogo imediato para facilitar a entrega de ajuda.
"Fui encorajado nos últimos dias pelo que
parecia ser um consenso crescente na comunidade internacional... sobre a
necessidade de pelo menos uma pausa humanitária nos combates", disse ele
no domingo.
Mas ele acrescentou que ficou surpreso com a
intensidade da escalada de bombardeios de Israel – uma medida que ele disse
“minar os referidos objetivos humanitários”.
Os hospitais de Gaza, que a Organização Mundial de
Saúde afirma que mal funcionam devido à escassez de electricidade e de
fornecimentos, estão sendo avisados para que evacuem imediatamente, e alguns já
foram atingidos por ataques aéreos de Israel.
A Cruz Vermelha palestina diz ter recebido avisos
das autoridades israelenses para evacuar o hospital al-Quds, no norte de Gaza.
O correspondente Rushdi Abu Alouf foi informado de
que o Hospital Indonésio em Beit Lahia foi atingido.
Também ocorreram explosões em estradas próximas ao
hospital Shifa, na cidade de Gaza, o maior do território.
Os militares de Israel disseram que a principal
base de operações do Hamas fica sob o hospital, uma afirmação que o grupo
rejeitou.
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Caminhões na fronteira
com o Egito
Cerca de 500 caminhões atravessavam Gaza por dia
antes do início da guerra. Mas nos últimos dias, entraram em média apenas 12
caminhões por dia com alimentos, água e medicamentos.
O diretor da UNRWA, Thomas White, diz que a ajuda
vinda do Egito para a região é “insuficiente”.
Até agora, pouco mais de 80 caminhões que
transportam ajuda humanitária foram autorizados a entrar em Gaza. No sábado
(28/10), não houve comboio devido ao apagão nas telecomunicações.
Também não houve remessas de combustível,
necessário para gerar eletricidade para hospitais, abrigos, padarias, estações
de tratamento e bombeamento de água e sistema de esgoto.
Israel se recusa a permitir entregas de combustível
porque afirma que este poderia ser utilizado para fins militares pelo Hamas.
Afirma também que o Hamas está acumulando centenas de milhares de litros de
combustível que se recusa a entregar às agências humanitárias.
A cidade de Khan Younis, no sul, que normalmente
abriga 400 mil pessoas, viu sua população aumentar para cerca de 1,2 milhões
desde que os militares israelenses ordenaram que as pessoas que saíssem das
zonas do norte "para sua própria segurança".
Muitas famílias dividem cômodos ou dormem em
tendas.
No entanto, Israel continua a realizar ataques
contra o que afirma serem alvos militares do Hamas em Khan Younis e em outros
locais do sul de Gaza.
O chefe humanitário regional da ONU disse: “Nenhum
lugar é seguro em Gaza”.
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O que é o Hamas e o que
ele quer?
O Hamas é um grupo palestino que governa a Faixa de
Gaza desde 2007. O grupo jurou a destruição de Israel e quer substituí-lo por
um Estado islâmico.
O Hamas travou várias guerras com Israel desde que
assumiu o poder. Disparou – ou permitiu que outros grupos disparassem –
milhares de foguetes contra Israel e realizou outros ataques mortais.
Em resposta, Israel atacou repetidamente o Hamas
com ataques aéreos. Em 2008 e 2014, também enviou tropas para Gaza.
Juntamente com o Egito, Israel bloqueia a Faixa de
Gaza desde 2007 pelo que descreve como razões de segurança.
O Hamas – ou em alguns casos o seu braço militar,
as Brigadas Izzedine al-Qassam – foi designado como grupo terrorista por
Israel, pelos Estados Unidos, pela União Europeia e pelo Reino Unido, assim
como por outras potências.
O Irã apoia o grupo, fornecendo financiamento,
armas e treinamento.
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Qual foi o ataque do
Hamas a Israel?
No dia 7 de outubro, centenas de homens armados do
Hamas atravessaram a Faixa de Gaza para o sul de Israel, rompendo a cerca
fortificada do perímetro, seguindo pelo mar e usando parapentes.
Foi o ataque transfronteiriço mais grave que Israel
enfrentou em mais de uma geração.
Os homens armados mataram 1.400 pessoas, a maioria
civis, numa série de ataques a postos militares, kibutzim e a um festival de
música, e levaram reféns para Gaza.
Dados os recursos dos serviços de segurança de
Israel, foi surpreendente que o ataque do Hamas não tenha sido previsto, diz o
correspondente de segurança da BBC, Frank Gardner.
Este ano foi o mais mortal de que há registo para
os palestinos que vivem na Cisjordânia ocupada por Israel, o que pode ter
motivado o Hamas a atacar Israel.
O Hamas também poderia ter procurado obter uma
vitória de propaganda significativa para aumentar a sua popularidade entre os
palestinos comuns.
Acredita-se que a captura de reféns israelenses
tenha como objetivo pressionar Israel a libertar alguns dos cerca de 4.500
palestinos detidos em prisões israelenses.
Os militares israelenses afirmam que 229 pessoas
ainda estão detidas em Gaza.
Esse número inclui, segundo os israelenses, 20
crianças e pelo menos 10 pessoas com mais de 60 anos. Soldados também foram
feitos reféns.
Até agora, o Hamas devolveu quatro reféns, com o
Catar atuando como mediador para sua libertação.
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O que é a Faixa de Gaza e
quem mora lá?
A Faixa de Gaza é um território de 41 km de comprimento
e 10 km de largura, localizada entre Israel, o Egito e o Mar Mediterrâneo.
Originalmente ocupada pelo Egito, Gaza foi
capturada por Israel durante a Guerra dos Seis Dias de 1967.
Israel retirou as suas tropas e cerca de 7.000
colonos do território em 2005.
É o lar de 2,23 milhões de pessoas e tem uma das
maiores densidades populacionais do mundo.
Pouco mais de 75% da população de Gaza – cerca de
1,7 milhões de pessoas – são refugiados registrados ou descendentes de
refugiados, segundo a ONU. Mais de 500 mil deles vivem em oito acampamentos
lotados.
Israel controla o espaço aéreo sobre Gaza e a sua
costa e tem controlado rigorosamente o movimento de pessoas e mercadorias.
·
O que é a Palestina?
A Cisjordânia e Gaza, que são conhecidas como
territórios palestinos, bem como Jerusalém Oriental e Israel, fizeram parte de
uma terra conhecida como Palestina desde a época romana até meados do século
XX.
Essas também eram as terras dos reinos judaicos na
Bíblia e são vistas por muitos judeus como sua pátria. Israel foi declarado
Estado em 1948.
Os palestinos também usam o nome Palestina como um
termo genérico para Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental.
O presidente palestino é Mahmoud Abbas, também
conhecido como Abu Mazen. Ele está na Cisjordânia, que está sob ocupação
israelense.
Abbas é o líder da Autoridade Palestina (AP) desde
2005 e representa o partido político Fatah, um grande rival do Hamas.
Fonte: BBC News Mundo
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