Tânia Maria de Oliveira: 30 de outubro de 2022 - um ano da eleição de
Lula
Há exato um ano o Brasil elegeu Luiz Inácio Lula da
Silva Presidente do Brasil pela terceira vez e o país voltou a respirar
democracia.
A disputa eleitoral mais acirrada e de resultado
mais apertado da História pós redemocratização do país simbolizou o fim de
quatro anos em que a figura de Jair Bolsonaro esteve à frente da Nação e impôs
uma forma do fazer político desdenhando dos valores democráticos, das
instituições, da saúde pública.
Tornou o comando do país algo caricato, sem
responsabilidade e voltado a interesses privados e espúrios; atacou chefes dos
demais poderes e tratou adversários políticos como inimigos; promoveu passeios
de jet-ski e motociatas enquanto as famílias brasileiras
enterravam seus mais de 700 mil mortos na pandemia de Covid-19; promoveu a
destruição da cultura, da ciência, da preservação ambiental, da transparência e
dos direitos.
As eleições de 2022 ocorreram sob tensão, com as
afirmativas constantes de Bolsonaro que não respeitaria o resultado caso não
fosse eleito, promovendo ato com representantes diplomáticos de todos os países
para questionar a lisura do processo eleitoral e a confiança nas urnas
eletrônicas, sistema pelo qual, a propósito, fora eleito.
O uso da máquina pública de forma ilegal para se
reeleger foi de descaramento sem parâmetros, como a liberação do empréstimo
consignado para beneficiários do auxílio Brasil concentrando-se no mês das
eleições, o bloqueio nas estradas feito pela Polícia Rodoviária Federal nos
locais de maior número de eleitores de Lula, e a operação de empresários
ameaçando trabalhadores de desemprego caso Bolsonaro fosse derrotado.
A síntese da campanha da reeleição estava na tríade
“Deus, pátria, família”, e se disseminava com a acusação de que a esquerda não
é cristã, não é patriota e que deseja o fim da família. O discurso de ódio
estimulado e manipulado o tempo todo em recursos avançados de tecnologia da
informação tinha efeito devastador.
Nesse cenário, a derrota do populista autoritário
não ocorreria sem tentativa de golpe, como ficou evidenciado em seguida à
divulgação do resultado, com os acampamentos de seus seguidores em frente aos
quarteis, bloqueios das rodovias por caminhoneiros, depredação e queima de ônibus
no dia da diplomação e os atos de destruição das instalações dos Três Poderes
no dia 8 de janeiro de 2023, já no início do mandato do presidente Lula.
O país que herdamos da gestão de Jair Bolsonaro não
permite que tenhamos um jardim de flores em pouco tempo. Foi e segue sendo
necessário, ao lado da retomada do crescimento e recuperação da economia com
inclusão, erradicar o clima de ódio que foi estimulado, retirar de circulação a
quantidade absurda de armas que foram distribuídas, combater os falsos
discursos de defesa da família que exclui as diferenças, expor a corrupção
praticada.
O que Bolsonaro fez desde seu primeiro dia de
governo foi agitação ideológica, com o objetivo de radicalizar os apoiadores,
enquanto as ações de governo eram solapadas por lobbies privados.
Promoveu privilégios, sonegação, preconceitos, sigilos, violência e ignorância.
Não existe uma só marca construtiva do governo
Bolsonaro como legado ao Brasil. Ao oposto, deixou um passivo de 400 bilhões,
desmonte de diversas políticas, recordes de devastação das áreas de preservação
e das florestas.
Há um ano recebemos a gigantesca tarefa de
recolocar o país no caminho para o qual fora sempre destinado: da democracia,
do desenvolvimento, da inclusão socioeconômica, de um meio ambiente
sustentável.
Para isso é preciso não perder de vista tudo aquilo
que tornou Bolsonaro possível, como lição para que não se repita. Criar
antídotos contra as fakes news com habilidade e tolerância.
Há um ano o povo brasileiro gritou NÃO a tudo que
Bolsonaro representa. É preciso fazer valer esse desejo garantindo que a ameaça
não retorne. Lembrando que ele foi tornado inelegível, mas possui uma
quantidade bem grande de seguidores fiéis e toda a família envolvida na
política. E que a bancada de extrema-direita eleita ao parlamento em 2022 foi
muito expressiva. Muito mesmo.
O bolsonarismo – maior que Bolsonaro e que não se
encerrou com a queda dele – na corrosão da democracia é tanto sintoma
quanto causa. Por isso mesmo é tarefa tanto do governo Lula como de todos que
reconhecem o risco que não podemos mais correr, da sociedade organizada e
movimentos sociais, fazer o enfrentamento por meio de políticas públicas e
embates públicos, em todos os espaços e territórios, criando os anticorpos para
tornar o país imune a novos aventureiros e ditadores.
Ø Xadrez de como Lula pode
virar o jogo político. Por Luís Nassif
Há necessidade urgente de Lula convocar um think
tank, com as melhores cabeças de cada área para montar seu plano de
desenvolvimento.
·
Peça 1 – a decepção com o início do Lula 3
Não há como não concordar com dois pontos centrais
de análise:
# 1. Lula assumiu o governo sitiado pelo Congresso,
pelo mercado, pelo bolsonarismo e pelas Forças Armadas.
# 2. Montou uma estratégia inicial de
contemporização, na esperança de juntar força política para poder impor sua
agenda.
Até aí, tudo bem. Ocorre que ficou prisioneiro da
agenda inicial. No Congresso, tem uma posição extraordinariamente apática em
relação ao Centrão. Na economia, uma submissão ampla aos dogmas de mercado. O
Ministério está descoordenado, incapaz de produzir uma pauta positiva – com
exceção da Saúde.
Fez todas as apostas em um trabalho de conquistar o
mercado e Roberto Campos Neto – que é um agente explícito de boicote ao governo
-, sem avaliar o cenário futuro, os impactos da queda lentíssima da Selic,
impedindo a recuperação da economia, e do discurso único, mercadista,
comprometendo a imagem do governo.
Por outro lado, há uma enorme demanda do arco
democrático – aquele que se uniu para derrotar o bolsonarismo – por uma agenda
positiva, inclusiva, que fique acima das quizílias ideológicas e partidárias e
das masturbações econométricas da Faria Lima.
Essa agenda positiva tem que contemplar os
seguintes pontos de consenso:
# 1. Uma ação efetiva pela novo desenvolvimentismo,
com prioridade para o pequeno empresário e agricultor. Mas também pela defesa
intransigente das empresas e dos empregos nas negociações com parceiros
comerciais.
# 2. Uma política efetiva de redução da
desigualdade e da miséria.
# 3. A consolidação final da democracia, contra a
Hidra de Lerna do bolso-militarismo.
·
Peça 2 – os recados e a estratégia de comunicação
Nos últimos dias, Lula deu dois recados
relevantes.
O primeiro é que sua suposta apatia inicial seria
consequência das dores que sentia com seus problemas de coluna – resolvidos
agora, depois da cirurgia. O segundo, uma condenação dessa discussão bizantina
sobre déficit público.
Vamos dividir o tema entre a razão e o mercado.
Lula está coberto de razão quando diz que 0,25% a mais
de déficit não vai acabar com o país. O mercado já precificou um déficit de
0,8% para o próximo ano. E a situação brasileira está muito, mas muito longe de
qualquer ideia de descontrole fiscal. Os terroristas fiscais continuam
levantando a bandeira do descontrole porque contam com a ignorância cavalar da
cobertura jornalística.
A maneira de acabar com a síndrome do déficit zero
é parar de falar nele. Ao explicitá-la, Lula provocou os seguintes efeitos:
# 1. Deixou em maus lençóis o Ministro Fernando Haddad
e todos aqueles que endossaram o arcabouço fiscal – que, afinal, havia sido
avalizado pelo próprio Lula.
# 2. Abriu espaço para o terrorismo do mercado.
Ignore-se o terrorismo da mídia, o uso desmedido da palavra “gastança”, os
editoriais falando em descontrole. São bordões ideológicos primários,
discutidos com tanta profundidade quanto os campeonatos de futebol. O que
aconteceu é que havia um vencimento dos fundos multimercados e a maioria estava
apostando na melhoria do mercado, coisa de +0,73%, +0,10%. +0.04%. Com a
declaração de Lula, a aposta caiu alguns décimos levando prejuízo. É um mero
cassino, sem nenhuma ligação com o mundo real. Mas bastou para ampliar a
gritaria da mídia e do pior time de editorialistas que a velha mídia teve em
muitas décadas.
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Peça 3 – as estratégias legitimadoras
Lula só conseguirá enfrentar o Centrão se tiver um
projeto legitimador. E por tal, entenda-se um projeto abrangente, mobilizador,
lógico, que conquiste corações e mentes do centro democrático e crie uma
expectativa de futuro.
O primeiro passo será consolidar o Ministério. E
isso passa por tratar de reabilitar rapidamente seu principal Ministro,
Fernando Haddad, tirando-o do discurso único do déficit zero e envolvendo-o na
montagem do plano. Haddad conhece como ninguém o funcionamento da máquina,
passou por funções em várias áreas, das finanças municipais ao Ministério da
Educação, e é um planejador emérito. Precisa apenas casar sua capacidade de
gestão com a intuição política de Lula.
O segundo passo é se valer de todas as formas de
democracia participativa. Há muitas ideias circulando que permitem projetos de
ação articulada de federações empresariais, centrais sindicais, movimento
cooperativista, movimentos sociais, estrutura de ciência e tecnologia, rede de
associações comerciais.
Enfim, temos um país com enorme potencial para
montar uma grande orquestra. Há instrumentistas de toda ordem, uma ópera clara
– a nova economia em torno da digitalização e da economia verde -, e o único
maestro capaz de conduzir a orquestra, Lula. E há uma tradição de eventos
mobilizadores, o Conselhão, as Conferências Municipais e Nacionais. Precisa
apenas o roteiro, a partitura, a definição de papéis de cada instrumento.
·
Peça 4 – a construção da estratégia
Lula não recuperará a iniciativa rapidamente, e
apenas com discursos. Nem meramente repetindo as iniciativas meritórias do
Bolsa Família, Minha Casa e Minha Vida e PAC (Programa de Aceleração do
Crescimento). Os três são programas relevantes, com impacto positivo para a
economia e para o social.
Mas não basta. O jogo político exige a
construção da utopia. Tem-se hoje um país com a auto-estima jogada no bueiro,
sem lideranças empresariais visíveis, sem lideranças sindicais e políticas, sem
partidos políticos, sem mobilização das chamadas forças progressistas, com
Judiciário e Legislativo desconjuntados, praticando ativismo político, com toda
a esperança democrática nos ombros de uma pessoa – Lula. E ainda bem que o país
ainda pode contar com o ativo político de Lula, contra a Hidra de Lerna
bolsonarista.
Ao mesmo tempo, há um mundo novo a caminho, com a
digitalização, as expectativas que se abrem no campo da transição energética,
nas mudanças na geopolítica mundial.
Há a necessidade urgente de Lula convocar um think
tank, com as melhores cabeças de cada área, para montar seu plano de
desenvolvimento. Não basta apenas juntar lideranças empresariais para discutir
mudanças legais e burocráticas. Elas têm que ser acção para a ação, para serem
instrumentos de mobilização de seus associados, em cada canto do país.
E, a partir daí, Lula iniciar sua ofensiva contra o
Centrão e o lixo amontoado nesses anos de dissipação política.
Fonte: Jornal GGN
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