terça-feira, 31 de outubro de 2023

Tânia Maria de Oliveira: 30 de outubro de 2022 - um ano da eleição de Lula

Há exato um ano o Brasil elegeu Luiz Inácio Lula da Silva Presidente do Brasil pela terceira vez e o país voltou a respirar democracia.

A disputa eleitoral mais acirrada e de resultado mais apertado da História pós redemocratização do país simbolizou o fim de quatro anos em que a figura de Jair Bolsonaro esteve à frente da Nação e impôs uma forma do fazer político desdenhando dos valores democráticos, das instituições, da saúde pública.

Tornou o comando do país algo caricato, sem responsabilidade e voltado a interesses privados e espúrios; atacou chefes dos demais poderes e tratou adversários políticos como inimigos; promoveu passeios de jet-ski e motociatas enquanto as famílias brasileiras enterravam seus mais de 700 mil mortos na pandemia de Covid-19; promoveu a destruição da cultura, da ciência, da preservação ambiental, da transparência e dos direitos.

As eleições de 2022 ocorreram sob tensão, com as afirmativas constantes de Bolsonaro que não respeitaria o resultado caso não fosse eleito, promovendo ato com representantes diplomáticos de todos os países para questionar a lisura do processo eleitoral e a confiança nas urnas eletrônicas, sistema pelo qual, a propósito, fora eleito.

O uso da máquina pública de forma ilegal para se reeleger foi de descaramento sem parâmetros, como a liberação do empréstimo consignado para beneficiários do auxílio Brasil concentrando-se no mês das eleições, o bloqueio nas estradas feito pela Polícia Rodoviária Federal nos locais de maior número de eleitores de Lula, e a operação de empresários ameaçando trabalhadores de desemprego caso Bolsonaro fosse derrotado.

A síntese da campanha da reeleição estava na tríade “Deus, pátria, família”, e se disseminava com a acusação de que a esquerda não é cristã, não é patriota e que deseja o fim da família. O discurso de ódio estimulado e manipulado o tempo todo em recursos avançados de tecnologia da informação tinha efeito devastador.

Nesse cenário, a derrota do populista autoritário não ocorreria sem tentativa de golpe, como ficou evidenciado em seguida à divulgação do resultado, com os acampamentos de seus seguidores em frente aos quarteis, bloqueios das rodovias por caminhoneiros, depredação e queima de ônibus no dia da diplomação e os atos de destruição das instalações dos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023, já no início do mandato do presidente Lula.

O país que herdamos da gestão de Jair Bolsonaro não permite que tenhamos um jardim de flores em pouco tempo. Foi e segue sendo necessário, ao lado da retomada do crescimento e recuperação da economia com inclusão, erradicar o clima de ódio que foi estimulado, retirar de circulação a quantidade absurda de armas que foram distribuídas, combater os falsos discursos de defesa da família que exclui as diferenças, expor a corrupção praticada.

O que Bolsonaro fez desde seu primeiro dia de governo foi agitação ideológica, com o objetivo de radicalizar os apoiadores, enquanto as ações de governo eram solapadas por lobbies privados. Promoveu privilégios, sonegação, preconceitos, sigilos, violência e ignorância.

Não existe uma só marca construtiva do governo Bolsonaro como legado ao Brasil. Ao oposto, deixou um passivo de 400 bilhões, desmonte de diversas políticas, recordes de devastação das áreas de preservação e das florestas. 

Há um ano recebemos a gigantesca tarefa de recolocar o país no caminho para o qual fora sempre destinado: da democracia, do desenvolvimento, da inclusão socioeconômica, de um meio ambiente sustentável.

Para isso é preciso não perder de vista tudo aquilo que tornou Bolsonaro possível, como lição para que não se repita. Criar antídotos contra as fakes news com habilidade e tolerância.

Há um ano o povo brasileiro gritou NÃO a tudo que Bolsonaro representa. É preciso fazer valer esse desejo garantindo que a ameaça não retorne. Lembrando que ele foi tornado inelegível, mas possui uma quantidade bem grande de seguidores fiéis e toda a família envolvida na política. E que a bancada de extrema-direita eleita ao parlamento em 2022 foi muito expressiva. Muito mesmo.

O bolsonarismo – maior que Bolsonaro e que não se encerrou com a queda dele  – na corrosão da democracia é tanto sintoma quanto causa. Por isso mesmo é tarefa tanto do governo Lula como de todos que reconhecem o risco que não podemos mais correr, da sociedade organizada e movimentos sociais, fazer o enfrentamento por meio de políticas públicas e embates públicos, em todos os espaços e territórios, criando os anticorpos para tornar o país imune a novos aventureiros e ditadores.

 

Ø  Xadrez de como Lula pode virar o jogo político. Por Luís Nassif

 

Há necessidade urgente de Lula convocar um think tank, com as melhores cabeças de cada área para montar seu plano de desenvolvimento.

·         Peça 1 – a decepção com o início do Lula 3

Não há como não concordar com dois pontos centrais de análise:

# 1. Lula assumiu o governo sitiado pelo Congresso, pelo mercado, pelo bolsonarismo e pelas Forças Armadas.

# 2. Montou uma estratégia inicial de contemporização, na esperança de juntar força política para poder impor sua agenda.

Até aí, tudo bem. Ocorre que ficou prisioneiro da agenda inicial. No Congresso, tem uma posição extraordinariamente apática em relação ao Centrão. Na economia, uma submissão ampla aos dogmas de mercado. O Ministério está descoordenado, incapaz de produzir uma pauta positiva – com exceção da Saúde.

Fez todas as apostas em um trabalho de conquistar o mercado e Roberto Campos Neto – que é um agente explícito de boicote ao governo -, sem avaliar o cenário futuro, os impactos da queda lentíssima da Selic, impedindo a recuperação da economia, e do discurso único, mercadista, comprometendo a imagem do governo.

Por outro lado, há uma enorme demanda do arco democrático – aquele que se uniu para derrotar o bolsonarismo – por uma agenda positiva, inclusiva, que fique acima das quizílias ideológicas e partidárias e das masturbações econométricas da Faria Lima.

Essa agenda positiva tem que contemplar os seguintes pontos de consenso:

# 1. Uma ação efetiva pela novo desenvolvimentismo, com prioridade para o pequeno empresário e agricultor. Mas também pela defesa intransigente das empresas e dos empregos nas negociações com parceiros comerciais.

# 2. Uma política efetiva de redução da desigualdade e da miséria.

# 3. A consolidação final da democracia, contra a Hidra de Lerna do bolso-militarismo.

·         Peça 2 – os recados e a estratégia de comunicação

Nos últimos dias, Lula deu dois recados relevantes. 

O primeiro é que sua suposta apatia inicial seria consequência das dores que sentia com seus problemas de coluna – resolvidos agora, depois da cirurgia. O segundo, uma condenação dessa discussão bizantina sobre déficit público.

Vamos dividir o tema entre a razão e o mercado.

Lula está coberto de razão quando diz que 0,25% a mais de déficit não vai acabar com o país. O mercado já precificou um déficit de 0,8% para o próximo ano. E a situação brasileira está muito, mas muito longe de qualquer ideia de descontrole fiscal. Os terroristas fiscais continuam levantando a bandeira do descontrole porque contam com a ignorância cavalar da cobertura jornalística.

A maneira de acabar com a síndrome do déficit zero é parar de falar nele. Ao explicitá-la, Lula provocou os seguintes efeitos:

# 1. Deixou em maus lençóis o Ministro Fernando Haddad e todos aqueles que endossaram o arcabouço fiscal – que, afinal, havia sido avalizado pelo próprio Lula.

# 2. Abriu espaço para o terrorismo do mercado. Ignore-se o terrorismo da mídia, o uso desmedido da palavra “gastança”, os editoriais falando em descontrole. São bordões ideológicos primários, discutidos com tanta profundidade quanto os campeonatos de futebol. O que aconteceu é que havia um vencimento dos fundos multimercados e a maioria estava apostando na melhoria do mercado, coisa de +0,73%, +0,10%. +0.04%. Com a declaração de Lula, a aposta caiu alguns décimos levando prejuízo. É um mero cassino, sem nenhuma ligação com o mundo real. Mas bastou para ampliar a gritaria da mídia e do pior time de editorialistas que a velha mídia teve em muitas décadas.

·         Peça 3 – as estratégias legitimadoras

Lula só conseguirá enfrentar o Centrão se tiver um projeto legitimador. E por tal, entenda-se um projeto abrangente, mobilizador, lógico, que conquiste corações e mentes do centro democrático e crie uma expectativa de futuro.

O primeiro passo será consolidar o Ministério. E isso passa por tratar de reabilitar rapidamente seu principal Ministro, Fernando Haddad, tirando-o do discurso único do déficit zero e envolvendo-o na montagem do plano. Haddad conhece como ninguém o funcionamento da máquina, passou por funções em várias áreas, das finanças municipais ao Ministério da Educação, e é um planejador emérito. Precisa apenas casar sua capacidade de gestão com a intuição política de Lula.

O segundo passo é se valer de todas as formas de democracia participativa. Há muitas ideias circulando que permitem projetos de ação articulada de federações empresariais, centrais sindicais, movimento cooperativista, movimentos sociais, estrutura de ciência e tecnologia, rede de associações comerciais.

Enfim, temos um país com enorme potencial para montar uma grande orquestra. Há instrumentistas de toda ordem, uma ópera clara – a nova economia em torno da digitalização e da economia verde -, e o único maestro capaz de conduzir a orquestra, Lula. E há uma tradição de eventos mobilizadores, o Conselhão, as Conferências Municipais e Nacionais. Precisa apenas o roteiro, a partitura, a definição de papéis de cada instrumento.

·         Peça 4 – a construção da estratégia

Lula não recuperará a iniciativa rapidamente, e apenas com discursos. Nem meramente repetindo as iniciativas meritórias do Bolsa Família, Minha Casa e Minha Vida e PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Os três são programas relevantes, com impacto positivo para a economia e para o social.

Mas  não basta. O jogo político exige a construção da utopia. Tem-se hoje um país com a auto-estima jogada no bueiro, sem lideranças empresariais visíveis, sem lideranças sindicais e políticas, sem partidos políticos, sem mobilização das chamadas forças progressistas, com Judiciário e Legislativo desconjuntados, praticando ativismo político, com toda a esperança democrática nos ombros de uma pessoa – Lula. E ainda bem que o país ainda pode contar com o ativo político de Lula, contra a Hidra de Lerna bolsonarista.

Ao mesmo tempo, há um mundo novo a caminho, com a digitalização, as expectativas que se abrem no campo da transição energética, nas mudanças na geopolítica mundial.

Há a necessidade urgente de Lula convocar um think tank, com as melhores cabeças de cada área, para montar seu plano de desenvolvimento. Não basta apenas juntar lideranças empresariais para discutir mudanças legais e burocráticas. Elas têm que ser acção para a ação, para serem instrumentos de mobilização de seus associados, em cada canto do país.

E, a partir daí, Lula iniciar sua ofensiva contra o Centrão e o lixo amontoado nesses anos de dissipação política.

 

Fonte: Jornal GGN

 

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