terça-feira, 31 de outubro de 2023

Antes amigável, Senado agora manda recados para o governo

A rejeição da indicação de Igor Roque para o comando da Defensoria Pública da União (DPU) pelo Senado acendeu um alerta nos articuladores políticos do governo Lula (PT).

O Senado, antes considerado amigável e sensível aos pedidos do Planalto, tem demonstrado sinais de insatisfação.

Parlamentares independentes e de oposição ouvidos pelo g1 avaliam que o descontentamento é fruto do posicionamento do governo em pautas controversas, como a do marco temporal para demarcação de terras indígenas.

A proposta foi aprovada pelo Congresso, mas o trecho sobre o marco temporal defendido por ruralistas acabou vetado por Lula.

Em 2022, quando foi eleita, a atual composição do Legislativo já dava indicativos de que Lula teria problemas para construir uma base fiel às pautas prioritárias no governo.

No começo da gestão, o presidente tentou, na formação de ministérios, construir uma frente ampla de partidos que refletisse apoio na Câmara e no Senado. Nove siglas passaram a ocupar a Esplanada: PT, MDB, PSB, PSD, União Brasil, PDT, PSOL, PCdoB e Rede.

À época, a avaliação foi de que o Senado havia sido especialmente privilegiado. A distribuição dos comandos das pastas da Agricultura (Carlos Fávaro), de Minas e Energia (Alexandre Silveira) e do Desenvolvimento Regional (Waldez Góes) atenderam a pedidos da Casa.

Em razão disso, nos primeiros meses deste ano, o governo enfrentou pouca resistência no Senado, enquanto a Câmara era maior preocupação da articulação política de Lula.

Passados dez meses, porém, a situação mudou. A busca por um alinhamento com a Câmara – que levou à nomeação dos deputados Silvio Costa Filho (Republicanos) e André Fufuca (PP) para o comando de ministérios – tem sido vista como um dos principais elementos do desgaste na relação entre senadores e o Planalto.

•        Situação 'não é tranquila' no Senado, diz oposicionista

O líder do PL no Senado, senador Carlos Portinho (RJ), afirma que a situação do governo "não é tranquila" na Casa. Portinho avalia também que a derrubada da indicação de Lula para a DPU foi apenas mais um "alerta".

Indicado em maio para o cargo de defensor público-geral federal, Igor Roque recebeu 38 votos contrários a sua nomeação, com 35 votos favoráveis e 1 abstenção. Eram necessários, no mínimo, 41 votos a favor.

"Isso deve, sim, acender o sinal de alerta do governo no Senado. A situação do governo no Senado não é tranquila, nunca foi", diz.

Integrantes da base governista ouvidos pelo g1 concordam com a avaliação, mas afirmam que, no Senado, há disposição e mais facilidade para construir acordos. Pontua também que eventuais insatisfações com pedidos, como a liberação de emendas parlamentares, já são negociadas.

Na última sexta-feira (27), em café com jornalistas, Lula chegou a se responsabilizar pela rejeição da indicação de Roque.

“O fato de eles [senadores] não terem aprovado o Igor para a Defensoria Pública, possivelmente, eu tenho culpa porque estava hospitalizado. Não pude conversar com ninguém a respeito dele, não pude sequer avaliar se ele fosse ser votado ou não, sabe? Lamento profundamente”, disse.

“Não sei com quantos senadores ele [Igor Roque] conversou, não sei se ele conversou com os líderes do governo, mas estou dizendo para você: possivelmente eu tenha culpa de ter sido internado dia 29 e não ter falado com nenhum senador a respeito dele”, completou Lula.

•        Ofensiva contra o STF

A oposição a Lula tem afirmado que a predominância da discussão de pautas contra o Supremo Tribunal Federal (STF) representa outro sinal de desgaste ao Planalto.

O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), já defendeu que o debate em torno desse tipo de proposta não deve ser priorizado.

O parlamentar afirmou ainda que o Senado deveria focar, na reta final de 2023, na discussão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária.

O calendário deste ano para as pautas prioritárias do Planalto no Senado começa a ficar apertado. Além da reforma tributária, o governo quer avançar em outros dois textos até o início do recesso parlamentar, em 23 de dezembro:

•        projeto que prevê a taxação das offshores (investimentos no exterior) e dos fundos exclusivos (fundos de investimento personalizados para pessoas de alta renda)

•        projeto que regulamenta e tributa o mercado de apostas esportivas e apostas online

As propostas são consideradas essenciais para equipe econômica, que trabalha para aumentar a arrecadação em 2024 e zerar o déficit nas contas públicas

Também estão no horizonte a aprovação de três leis orçamentárias: PPA (Plano Plurianual), LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e a LOA (Lei Orçamentária Anual).

Apesar de o governo dar destaque à pauta econômica, a oposição diz acreditar que há clima para avançar em propostas que representam "respostas” ao STF.

Deputados de oposição ao governo dizem que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tem sinalizado que há disposição para discutir e votar, até o fim deste ano, pautas da ofensiva contra o Supremo.

A sinalização foi suficiente para a oposição desmontar um movimento de obstrução que travava o avanço dos trabalhos na Câmara.

Segundo oposicionistas, entre os projetos, estão duas PECs que alteram o funcionamento do STF. A primeira, já aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, restringe decisões individuais na Corte. Já a segunda altera o tempo de mandato de ministros do Supremo.

Também estavam na lista a PEC apresentada por Pacheco que proíbe o porte e o consumo de qualquer tipo de droga, independente da quantidade. E o projeto que convoca plebiscito sobre a descriminalização do aborto. Os dois temas são analisados também pelo STF.

“Para PECs e projetos que versam sobre questões econômicas, do agro e alguns outros temas, a gente [oposição] consegue ter maioria, ou o governo não consegue alcançar o quórum mínimo”, afirma o senador Carlos Portinho.

•        Planalto está atento à votação da PEC que limita poderes do STF

Após o susto com a rejeição ao nome de Igor Roque para a chefia da Defensoria Pública da União (DPU), o governo irá acompanhar e monitorar de perto a tramitação da emenda constitucional que tira poderes dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A PEC do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) limita decisões monocráticas e pedido de vistas dos integrantes da Corte.

A previsão é que o texto seja votado no plenário em 8 de novembro, após decorridas as cinco sessões de prazo necessárias para ir a voto. O governo não acredita que a oposição tenha voto suficiente para aprovar uma mudança desse tamanho no funcionamento do tribunal.

Para ser aprovada, uma PEC necessita ser aprovada em dois turnos, com pelo menos 49 votos favoráveis. As decisões monocráticas são aquelas tomadas por um único ministro e que podem suspender a eficácia de uma lei e derrubar até mesmo um ato de um presidente da República, do Senado ou da Câmara.

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) não acredita na aprovação da emenda e disse que o governo vai aguardar sua tramitação e conferir a disposição do plenário. "Não temos nem certeza se essa proposta será votada, mas vamos acompanhar", disse Carvalho.

O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), disse que não sabe como o governo está pretendendo encaminhar a votação, mas afirmou ser contrário ao seu conteúdo. "É algo completamente extemporâneo. O Supremo acabou de fazer várias reformas regimentais, que até vão na linha do que os senadores estão querendo. Além disso, estamos saindo de um período de quatro anos (governo Bolsonaro) de confrontação do Executivo com o STF. Transferir esse embate para o Senado me parece algo ruim. E seria colocar água no moinho da extrema direita, que tem no tribunal um adversário", disse Costa ao Correio.

A inclusão dessa PEC na pauta foi razão de uma divergência entre o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR). A petista acusou Pacheco de estar "fazendo um serviço para a extrema direita" e que sua iniciativa de pautar o tema se deu de "maneira açodada".

•        Derrota na indicação à DPU traz alerta no governo sobre clima no Senado

Repercute ainda no governo a derrotaimposta ao Palácio do Planalto na última quarta-feira (25/10) na votação, no Senado, da indicação de Igor Albuquerque Roque para a chefia da Defensoria Pública da União (DPU). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o indicou, reconheceu em entrevista que tem responsabilidade sobre esse revés. O resultado pegou os governistas de surpresa, até porque o nome do defensor público foi aprovado na sabatina da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) com folga, no placar favorável de 20 a 1, há pouco mais de três meses.

Os bolsonaristas votaram em peso contra o nome de Roque no plenário, sob o argumento de que o defensor teria alguma responsabilidade num seminário organizado pela DPU que discutiu a saúde da mulher, no qual o aborto foi mencionado como uma questão de política pública. Não houve brado ali em defesa da extensão das permissões da interrupção de uma gravidez a não ser as previstas em lei, que são os casos de estupro, de risco à saúde da gestante e de diagnóstico de anencefalia.

Durante sua fala na sabatina, Igor Roque nem tocou nesse assunto. Ao contrário, fez uma referência a um tema que agrada a seguidores de Jair Bolsonaro. Ele defendeu o direito à ampla defesa dos "patriotas" que participaram dos atos de vandalismo do 8 de janeiro.

"Destaco a atuação da DPU com os presos nos atos antidemocráticos em janeiro. Todos têm direito a uma defesa independentemente do pensamento ideológico. A despeito da gravidade desses atos contra o Estado Democrático de Direito, a DPU entende que esse mesmo Estado deve se fazer presente na defesa das garantias e direitos fundamentais, sem qualquer tipo de discriminação", afirmou Igor Roque, que disse não haver incoerência nesse papel dos defensores públicos que defendem esses bolsonaristas.

"Para ainstituição, que preza a dignidade humana e a defesa dos direitos humanos, não há qualquer incoerência em repudiar os atos antidemocráticos do 8 de janeiro e ao mesmo tempo trabalhar na defesa dos direitos de pessoas vulnerabilizadas que estão respondendo por esses atos na justiça. Todos e todas têm direito a ampla defesa e ao devido processo legal."

A indicação de Roque teve como relator o senador Humberto Costa (PE), líder do PT na Casa, que o apresentou como alguém com "todas as credenciais" para assumir a DPU. Ambos são pernambucanos.

O defensor prosseguiu, durante a sabatina, falando sobre seu envolvimento e sua disposição de trabalhar contra as desigualdades sociais."Atendemos pessoas vulneráveis que precisam de remédio, da mãe aflita que não consegue dar aos filhos a atenção à saúde necessária e o pão de cada dia. As pessoas com deficiência, que precisam dos benefícios previdenciários, a inclusão social, quem sofre com questões de moradia, os que estão em situação de prisão, os indígenas, os ribeirinhos, quilombolas, as pessoas LGBTQIA+. E a nossa população negra, que sofre diariamente com o peso do racismo", afirmou Roque aos senadores.

Sentado próximo a ele na CCJ, o senador Jader Barbalho (MDB-PA) ganhou um elogio de Roque, mas o parlamentar paraense foi um dos ausentes na votação do plenário que sacramentou a derrota do defensor.

O também defensor público federal Gustavo Ribeiro, que atua perante o Supremo Tribunal Federal (STF), lamentou que a DPU esteja sem um defensor-geral efetivo desde janeiro.

"Essa falta de definição, de alguém para planejar. O que pesa, na verdade, é que o interino fica com dificuldade em tomar grandes decisões. De fazer um planejamento para seu trabalho. Tinha um nome (Daniel Pereira, indicado por Bolsonaro no fim de 2022), mas foi retirado. Depois, veio outro, o do Igor (indicado por Lula em 19 de maio), só sabatinado (11 de de julho) e votado (25 de outubro) depois de algum tempo. Aprovado e depois rejeitado", lembrou Ribeiro.

>> Mea-culpa

Lula reconheceu não ter trabalhado pela aprovação do nome de Roque e atribui sua falta de empenho a sua cirurgia.

"O fato de não terem aprovado o Igor, possivelmente eu teria culpa, porque eu estava hospitalizado, não pude conversar com ninguém a esse respeito e nem sequer avaliar se ele poderia ser trocado ou não. Eu lamento profundamente. Eu não sei com quantos senadores ele conversou e se ele conversou com os líderes do governo", disse o presidente.

Na quarta, Roque acompanhava a votação do fundo do plenário, cercado por alguns assessores do Palácio. Com o correr da sessão, parlamentares do PT identificaram uma mobilização para não conduzi-lo ao comando da Defensoria. Só os votos dos bolsonaristas não seriam suficientes para se atingir esse propósito. A ausência de aliados de Lula no plenário, somada a um movimento de um grupo silencioso que desejava o tal recado para o Planalto, foi a razão da derrota.

Não compareceu para votar, além de Barbalho, a Professora Dorinha Seabra (União-TO), que é vice-líder do governo.

Senadores da oposição, como Carlos Portinho (PL-RJ), foram para as redes dizer que a derrota era um recado para Lula e que a possível indicação do ministro da Justiça, Flávio Dino, para o Supremo correrá riscos.

"Derrubamos o indicado do Lula para a DPU. Recado dado. Gesto forte! Tenho dito: se colocar o Dino pro STF vai passar vergonha!", postou Portinho.

O governo não entendeu assim. Os assessores do Planalto disseram, após a sessão, que são "coisas distintas". Acreditam que o nome de Dino será aprovado, mas não com a votação de Cristiano Zanin, que amealhou 58 votos, incluídos até alguns de senadores ligados a Bolsonaro.

 

Fonte: g1/Correio Braziliense

 

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