Antes amigável, Senado agora manda recados para o governo
A rejeição da indicação de Igor Roque para o
comando da Defensoria Pública da União (DPU) pelo Senado acendeu um alerta nos
articuladores políticos do governo Lula (PT).
O Senado, antes considerado amigável e sensível aos
pedidos do Planalto, tem demonstrado sinais de insatisfação.
Parlamentares independentes e de oposição ouvidos
pelo g1 avaliam que o descontentamento é fruto do posicionamento do governo em
pautas controversas, como a do marco temporal para demarcação de terras
indígenas.
A proposta foi aprovada pelo Congresso, mas o
trecho sobre o marco temporal defendido por ruralistas acabou vetado por Lula.
Em 2022, quando foi eleita, a atual composição do
Legislativo já dava indicativos de que Lula teria problemas para construir uma
base fiel às pautas prioritárias no governo.
No começo da gestão, o presidente tentou, na
formação de ministérios, construir uma frente ampla de partidos que refletisse
apoio na Câmara e no Senado. Nove siglas passaram a ocupar a Esplanada: PT,
MDB, PSB, PSD, União Brasil, PDT, PSOL, PCdoB e Rede.
À época, a avaliação foi de que o Senado havia sido
especialmente privilegiado. A distribuição dos comandos das pastas da
Agricultura (Carlos Fávaro), de Minas e Energia (Alexandre Silveira) e do
Desenvolvimento Regional (Waldez Góes) atenderam a pedidos da Casa.
Em razão disso, nos primeiros meses deste ano, o
governo enfrentou pouca resistência no Senado, enquanto a Câmara era maior
preocupação da articulação política de Lula.
Passados dez meses, porém, a situação mudou. A
busca por um alinhamento com a Câmara – que levou à nomeação dos deputados
Silvio Costa Filho (Republicanos) e André Fufuca (PP) para o comando de
ministérios – tem sido vista como um dos principais elementos do desgaste na
relação entre senadores e o Planalto.
• Situação
'não é tranquila' no Senado, diz oposicionista
O líder do PL no Senado, senador Carlos Portinho
(RJ), afirma que a situação do governo "não é tranquila" na Casa.
Portinho avalia também que a derrubada da indicação de Lula para a DPU foi
apenas mais um "alerta".
Indicado em maio para o cargo de defensor
público-geral federal, Igor Roque recebeu 38 votos contrários a sua nomeação,
com 35 votos favoráveis e 1 abstenção. Eram necessários, no mínimo, 41 votos a
favor.
"Isso deve, sim, acender o sinal de alerta do
governo no Senado. A situação do governo no Senado não é tranquila, nunca
foi", diz.
Integrantes da base governista ouvidos pelo g1
concordam com a avaliação, mas afirmam que, no Senado, há disposição e mais
facilidade para construir acordos. Pontua também que eventuais insatisfações
com pedidos, como a liberação de emendas parlamentares, já são negociadas.
Na última sexta-feira (27), em café com
jornalistas, Lula chegou a se responsabilizar pela rejeição da indicação de
Roque.
“O fato de eles [senadores] não terem aprovado o
Igor para a Defensoria Pública, possivelmente, eu tenho culpa porque estava
hospitalizado. Não pude conversar com ninguém a respeito dele, não pude sequer
avaliar se ele fosse ser votado ou não, sabe? Lamento profundamente”, disse.
“Não sei com quantos senadores ele [Igor Roque]
conversou, não sei se ele conversou com os líderes do governo, mas estou
dizendo para você: possivelmente eu tenha culpa de ter sido internado dia 29 e
não ter falado com nenhum senador a respeito dele”, completou Lula.
• Ofensiva
contra o STF
A oposição a Lula tem afirmado que a predominância
da discussão de pautas contra o Supremo Tribunal Federal (STF) representa outro
sinal de desgaste ao Planalto.
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe
Rodrigues (sem partido-AP), já defendeu que o debate em torno desse tipo de
proposta não deve ser priorizado.
O parlamentar afirmou ainda que o Senado deveria
focar, na reta final de 2023, na discussão da Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) da reforma tributária.
O calendário deste ano para as pautas prioritárias
do Planalto no Senado começa a ficar apertado. Além da reforma tributária, o
governo quer avançar em outros dois textos até o início do recesso parlamentar,
em 23 de dezembro:
• projeto
que prevê a taxação das offshores (investimentos no exterior) e dos fundos
exclusivos (fundos de investimento personalizados para pessoas de alta renda)
• projeto
que regulamenta e tributa o mercado de apostas esportivas e apostas online
As propostas são consideradas essenciais para
equipe econômica, que trabalha para aumentar a arrecadação em 2024 e zerar o
déficit nas contas públicas
Também estão no horizonte a aprovação de três leis
orçamentárias: PPA (Plano Plurianual), LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e
a LOA (Lei Orçamentária Anual).
Apesar de o governo dar destaque à pauta econômica,
a oposição diz acreditar que há clima para avançar em propostas que representam
"respostas” ao STF.
Deputados de oposição ao governo dizem que o
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tem sinalizado que há
disposição para discutir e votar, até o fim deste ano, pautas da ofensiva
contra o Supremo.
A sinalização foi suficiente para a oposição
desmontar um movimento de obstrução que travava o avanço dos trabalhos na
Câmara.
Segundo oposicionistas, entre os projetos, estão
duas PECs que alteram o funcionamento do STF. A primeira, já aprovada pela
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, restringe decisões
individuais na Corte. Já a segunda altera o tempo de mandato de ministros do
Supremo.
Também estavam na lista a PEC apresentada por
Pacheco que proíbe o porte e o consumo de qualquer tipo de droga, independente
da quantidade. E o projeto que convoca plebiscito sobre a descriminalização do
aborto. Os dois temas são analisados também pelo STF.
“Para PECs e projetos que versam sobre questões
econômicas, do agro e alguns outros temas, a gente [oposição] consegue ter
maioria, ou o governo não consegue alcançar o quórum mínimo”, afirma o senador
Carlos Portinho.
• Planalto
está atento à votação da PEC que limita poderes do STF
Após o susto com a rejeição ao nome de Igor Roque
para a chefia da Defensoria Pública da União (DPU), o governo irá acompanhar e
monitorar de perto a tramitação da emenda constitucional que tira poderes dos
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A PEC do senador Oriovisto
Guimarães (Podemos-PR) limita decisões monocráticas e pedido de vistas dos
integrantes da Corte.
A previsão é que o texto seja votado no plenário em
8 de novembro, após decorridas as cinco sessões de prazo necessárias para ir a
voto. O governo não acredita que a oposição tenha voto suficiente para aprovar
uma mudança desse tamanho no funcionamento do tribunal.
Para ser aprovada, uma PEC necessita ser aprovada
em dois turnos, com pelo menos 49 votos favoráveis. As decisões monocráticas
são aquelas tomadas por um único ministro e que podem suspender a eficácia de
uma lei e derrubar até mesmo um ato de um presidente da República, do Senado ou
da Câmara.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) não acredita na
aprovação da emenda e disse que o governo vai aguardar sua tramitação e
conferir a disposição do plenário. "Não temos nem certeza se essa proposta
será votada, mas vamos acompanhar", disse Carvalho.
O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), disse
que não sabe como o governo está pretendendo encaminhar a votação, mas afirmou
ser contrário ao seu conteúdo. "É algo completamente extemporâneo. O
Supremo acabou de fazer várias reformas regimentais, que até vão na linha do
que os senadores estão querendo. Além disso, estamos saindo de um período de
quatro anos (governo Bolsonaro) de confrontação do Executivo com o STF.
Transferir esse embate para o Senado me parece algo ruim. E seria colocar água
no moinho da extrema direita, que tem no tribunal um adversário", disse
Costa ao Correio.
A inclusão dessa PEC na pauta foi razão de uma
divergência entre o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e a
presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR). A petista acusou Pacheco de
estar "fazendo um serviço para a extrema direita" e que sua
iniciativa de pautar o tema se deu de "maneira açodada".
• Derrota
na indicação à DPU traz alerta no governo sobre clima no Senado
Repercute ainda no governo a derrotaimposta ao
Palácio do Planalto na última quarta-feira (25/10) na votação, no Senado, da
indicação de Igor Albuquerque Roque para a chefia da Defensoria Pública da
União (DPU). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o indicou, reconheceu em
entrevista que tem responsabilidade sobre esse revés. O resultado pegou os
governistas de surpresa, até porque o nome do defensor público foi aprovado na
sabatina da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) com folga, no placar
favorável de 20 a 1, há pouco mais de três meses.
Os bolsonaristas votaram em peso contra o nome de
Roque no plenário, sob o argumento de que o defensor teria alguma
responsabilidade num seminário organizado pela DPU que discutiu a saúde da
mulher, no qual o aborto foi mencionado como uma questão de política pública.
Não houve brado ali em defesa da extensão das permissões da interrupção de uma
gravidez a não ser as previstas em lei, que são os casos de estupro, de risco à
saúde da gestante e de diagnóstico de anencefalia.
Durante sua fala na sabatina, Igor Roque nem tocou
nesse assunto. Ao contrário, fez uma referência a um tema que agrada a
seguidores de Jair Bolsonaro. Ele defendeu o direito à ampla defesa dos
"patriotas" que participaram dos atos de vandalismo do 8 de janeiro.
"Destaco a atuação da DPU com os presos nos
atos antidemocráticos em janeiro. Todos têm direito a uma defesa
independentemente do pensamento ideológico. A despeito da gravidade desses atos
contra o Estado Democrático de Direito, a DPU entende que esse mesmo Estado
deve se fazer presente na defesa das garantias e direitos fundamentais, sem
qualquer tipo de discriminação", afirmou Igor Roque, que disse não haver
incoerência nesse papel dos defensores públicos que defendem esses
bolsonaristas.
"Para ainstituição, que preza a dignidade
humana e a defesa dos direitos humanos, não há qualquer incoerência em repudiar
os atos antidemocráticos do 8 de janeiro e ao mesmo tempo trabalhar na defesa
dos direitos de pessoas vulnerabilizadas que estão respondendo por esses atos
na justiça. Todos e todas têm direito a ampla defesa e ao devido processo
legal."
A indicação de Roque teve como relator o senador
Humberto Costa (PE), líder do PT na Casa, que o apresentou como alguém com
"todas as credenciais" para assumir a DPU. Ambos são pernambucanos.
O defensor prosseguiu, durante a sabatina, falando
sobre seu envolvimento e sua disposição de trabalhar contra as desigualdades
sociais."Atendemos pessoas vulneráveis que precisam de remédio, da mãe
aflita que não consegue dar aos filhos a atenção à saúde necessária e o pão de
cada dia. As pessoas com deficiência, que precisam dos benefícios
previdenciários, a inclusão social, quem sofre com questões de moradia, os que
estão em situação de prisão, os indígenas, os ribeirinhos, quilombolas, as
pessoas LGBTQIA+. E a nossa população negra, que sofre diariamente com o peso
do racismo", afirmou Roque aos senadores.
Sentado próximo a ele na CCJ, o senador Jader
Barbalho (MDB-PA) ganhou um elogio de Roque, mas o parlamentar paraense foi um
dos ausentes na votação do plenário que sacramentou a derrota do defensor.
O também defensor público federal Gustavo Ribeiro,
que atua perante o Supremo Tribunal Federal (STF), lamentou que a DPU esteja
sem um defensor-geral efetivo desde janeiro.
"Essa falta de definição, de alguém para
planejar. O que pesa, na verdade, é que o interino fica com dificuldade em
tomar grandes decisões. De fazer um planejamento para seu trabalho. Tinha um
nome (Daniel Pereira, indicado por Bolsonaro no fim de 2022), mas foi retirado.
Depois, veio outro, o do Igor (indicado por Lula em 19 de maio), só sabatinado
(11 de de julho) e votado (25 de outubro) depois de algum tempo. Aprovado e
depois rejeitado", lembrou Ribeiro.
>> Mea-culpa
Lula reconheceu não ter trabalhado pela aprovação
do nome de Roque e atribui sua falta de empenho a sua cirurgia.
"O fato de não terem aprovado o Igor,
possivelmente eu teria culpa, porque eu estava hospitalizado, não pude
conversar com ninguém a esse respeito e nem sequer avaliar se ele poderia ser
trocado ou não. Eu lamento profundamente. Eu não sei com quantos senadores ele
conversou e se ele conversou com os líderes do governo", disse o
presidente.
Na quarta, Roque acompanhava a votação do fundo do
plenário, cercado por alguns assessores do Palácio. Com o correr da sessão,
parlamentares do PT identificaram uma mobilização para não conduzi-lo ao
comando da Defensoria. Só os votos dos bolsonaristas não seriam suficientes
para se atingir esse propósito. A ausência de aliados de Lula no plenário,
somada a um movimento de um grupo silencioso que desejava o tal recado para o
Planalto, foi a razão da derrota.
Não compareceu para votar, além de Barbalho, a
Professora Dorinha Seabra (União-TO), que é vice-líder do governo.
Senadores da oposição, como Carlos Portinho
(PL-RJ), foram para as redes dizer que a derrota era um recado para Lula e que
a possível indicação do ministro da Justiça, Flávio Dino, para o Supremo
correrá riscos.
"Derrubamos o indicado do Lula para a DPU.
Recado dado. Gesto forte! Tenho dito: se colocar o Dino pro STF vai passar
vergonha!", postou Portinho.
O governo não entendeu assim. Os assessores do
Planalto disseram, após a sessão, que são "coisas distintas".
Acreditam que o nome de Dino será aprovado, mas não com a votação de Cristiano
Zanin, que amealhou 58 votos, incluídos até alguns de senadores ligados a
Bolsonaro.
Fonte: g1/Correio Braziliense
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