Evangélicos e pesquisadores buscam reduzir desinformação em periferias
Duzentos metros separam uma igreja evangélica
(Assembleia de Deus) e um espaço que se tornou também referência na comunidade
do Córrego do Sargento, na zona norte no Recife. São evangélicos os criadores e
a maioria dos participantes do Coletivo Sargento Perifa, entidade que trabalha
a comunicação contra a desinformação no lugar, com site de notícias, redes
sociais e outras ações concretas. Sensibilizados pelas vulnerabilidades, como
falta de escola ou posto de saúde, e também pelas mentiras que subiam o morro,
os integrantes do coletivo descobriram que era necessária união da comunidade,
que tem cerca de 250 famílias.
Um dos criadores do coletivo, o jovem jornalista
Gilberto da Silva, de 24 anos de idade, nasceu e foi criado na comunidade.
Cresceu também frequentando a igreja junto com a família, tanto que colaborava
na comunicação dos religiosos. Foi fazer jornalismo para contar a história do
lugar simples "que ama".
Durante a faculdade, ficava incomodado com o teor
de programas sensacionalistas que divulgavam o Córrego do Sargento apenas como
um lugar de violência ou crimes. "Há sim problemas sociais, mas também tem
outras histórias diferentes na comunidade".
O coletivo conta atualmente com 70 integrantes. Já
foram mais de 50 matérias, além das mais de 1.000 postagens em redes sociais.
Ele classifica como desinformação o processo de
criminalização da periferia. Havia, pois, muito a comunicar. O auge desse
incômodo foi durante a pandemia da covid-19, quando mensagens negacionistas
rodavam a comunidade, como ataques à vacinação.
"Quando chegávamos em nossa comunidade, todo
mundo estava sem máscara como se não tivesse pandemia. A comunicação foi e tem
sido uma articuladora para que outros projetos de comunidade possam
surgir", disse. Como é o caso do trabalho em saúde.
• De
casa em casa
Uma das moradoras voluntárias do coletivo é a
enfermeira Joselma Carvalho, de 52 anos de idade. Ela presta atendimento dentro
da comunidade e auxilia os moradores para tirar dúvidas. "Desde que era
técnica de enfermagem, procuro passar informações corretas e orientar os
moradores para atendimento", disse a profissional de saúde.
Gilberto Silva lembra que a desinformação, que
estava "correndo solta" durante a pandemia, foi a motivação para
criar um conselho de comunicação comunitária para se defenderem. "Os
próprios moradores se chamam de sargentinos, tal é a identificação que a
comunidade tem com o lugar em que moram", disse. Para o coletivo organizar
as ações, realiza, independentemente do IBGE, um censo para buscar informações
sobre a comunidade.
Também é criadora do coletivo a jornalista
Marthiene Oliveira, de 33 anos de idade, que nasceu no bairro da Linha do Tiro,
onde está a comunidade do Córrego do Sargento. Ela acrescenta que o
levantamento busca ouvir os moradores sobre as principais dúvidas do dia a dia,
incluindo as vulnerabilidades. Ela avalia que a igreja também tem um papel
muito importante para a comunidade. "A igreja é um ponto de encontro, de
fé e de reunião da nossa comunidade".
Pelo coletivo e na igreja, conversam sobre os
principais desafios da comunidade, como infraestrutura urbana e educação.
"Como a gente está falando de favela, a gente precisa de letramento
racial. Havia pessoas que não se enxergavam como pretas, vendo como se fosse
algo negativo. A comunidade é preta, 90% pelo menos". A jornalista comunitária
entende que a desinformação é um desafio permanente que precisa ser enfrentado.
• Vítimas
Outro enfrentamento à desinformação é realizado
pelo Coletivo Bereia, no Rio de Janeiro. O projeto nasceu das pesquisas
realizadas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a partir de 2016,
quando se observava a circulação de desinformação em ambientes religiosos,
especificamente cristãos e evangélicos, na área da saúde. O coletivo conta com
17 voluntários e produz cerca de 12 reportagens por mês.
"Com a pesquisa, nós ficamos muito
surpreendidos com os resultados com um alto número de circulação de conteúdo
falso, enganoso, em grupos religiosos. E ficamos alarmados", disse a
editora geral Magali Cunha. Ela é doutora em Ciências da Comunicação e
pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (Iser).
A partir disso, pesquisadores em jornalismo
resolveram criar o projeto, que inspirado em agências de checagem no Brasil,
buscaram se dedicar especificamente à circulação em grupos de igrejas. O Bereia
foi criado em 2019 com trabalho voluntário.
"O trabalho é feito com um respeito muito
grande, justamente identificando que os grupos religiosos são os maiores alvos
da desinformação que circula com mais intensidade. Buscamos fazer prestação de
serviço a esses grupos, para que eles possam perceber como se tornam alvos da
indústria da desinformação", explica a editora e pesquisadora.
• Templo
sem desinformação
De outra forma, a pesquisadora em teologia e
pastora Wall Moraes, de 65 anos de idade, de Brasília, tem atuado também para
reduzir os processos de desinformação. Ela fez parte da criação do programa
Superando a História Única que tem por objetivo dar visibilidade social a
pastoras e pastores com olhar afirmativo e inclusivo. "Esse programa foi
fundamental porque nós recebemos vários retornos de protestantes progressistas
que estavam em regiões onde estavam sendo atacados por suas visões".
Para ela, o principal desafio pós-pandemia é
orientar para o fato que os púlpitos de organizações religiosas não sejam
utilizados com viés político-partidário e também que espalhem desinformações,
levando em conta que pesquisas mostram que pessoas pretas de periferia são mais
afetados e por isso precisam não serem vítimas de mentiras que circulam.
A pesquisadora adianta que um grupo inter-religioso,
do qual ela faz parte, está elaborando uma cartilha de orientação a membros de
qualquer igreja. Esse material abordará temas como a tolerância religiosa e a
conduta para buscar informações de qualidade. A previsão é que o lançamento
seja no dia 30 de novembro.
Fonte: Agencia Brasil
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