O papel das universidades no combate à desinformação
O biólogo Atila Iamarino tinha uma decisão
importante a tomar no fim de 2016: aceitar um convite para retornar aos Estados
Unidos, onde fizera parte de seu pós-doutorado, e seguir investindo na carreira
de pesquisador acadêmico; ou permanecer no Brasil e abraçar de vez o desafio de
fazer divulgação científica nas redes sociais, como já vinha fazendo desde 2013
no canal Nerdologia, no YouTube — que àquela altura já tinha mais de um milhão
de assinantes. Optou pelo segundo caminho, porque queria “continuar falando com
as pessoas”, e logo consolidou seu lugar como a voz mais influente da
divulgação científica na internet brasileira.
Na maior parte do tempo, era um trabalho divertido,
que misturava pesquisas acadêmicas com cultura pop para explicar descobertas
fantásticas e conceitos complexos da ciência para o público leigo na internet.
Até que a covid-19 apareceu, trazendo com ela uma pandemia de medo, mortes e
desinformação.
Graduado em biologia e doutor em microbiologia pela
USP, Iamarino logo reconheceu a ameaça que o novo vírus representava. Seu
pós-doutorado, concluído em 2015, fora justamente sobre a evolução genética de
vírus e a maneira como esses organismos se espalham numa população. Em 20 de
março de 2020, três semanas após a confirmação do primeiro caso de covid-19 no
Brasil, ele decidiu fazer uma live no seu canal pessoal do YouTube, alertando
sobre os perigos da pandemia e o grande número de mortes que ela poderia
causar. “O país não tem como parar, mas a circulação de pessoas precisa parar”,
afirma ele, no vídeo. “A nossa vida já, a partir de agora, não é mais a mesma.”
O vídeo viralizou muito mais do que Iamarino
esperava, ultrapassando cinco milhões de visualizações em uma semana. O número
de inscritos no seu canal pessoal saltou de 150 mil para mais de um milhão. Dez
dias depois da live, Iamarino trocou o microfone da sua casa pela cadeira
giratória do Roda Viva, na TV Cultura, um dos programas de entrevista de maior
prestígio da televisão brasileira. A entrevista também viralizou, ultrapassando
um milhão de visualizações no YouTube em menos de 24 horas e tornando-se um dos
programas de maior audiência do Roda Viva na internet (com 5,8 milhões de
reproduções). De garoto-propaganda da divulgação científica na internet,
Iamarino, então com 36 anos, foi alçado ao status de autoridade científica da
pandemia — um protagonismo que ele “não estava preparado para ter, não esperava
ter, e não gostaria de ter”, nas palavras do próprio biólogo.
“Foi aterrorizante”, lembra Iamarino, em entrevista
ao Jornal da USP. A expectativa inicial com a live, segundo ele, era falar com
um número muito menor de pessoas (seu público habitual no YouTube), sem
qualquer pretensão de servir como referência para a tomada de decisões por
parte do poder público ou das autoridades sanitárias. Mas “foi o que acabou
acontecendo”, segundo ele, em função de um grande “vácuo de informações” que
existia naquele momento. “Tirando a imprensa, não tinha quem falasse sobre o
que estava acontecendo.”
Quem deveria cumprir esse papel de referência
científica numa pandemia, segundo Iamarino, eram as autoridades sanitárias e as
instituições públicas de pesquisa — o que acabou não acontecendo em grande
escala no Brasil, segundo ele, em função do negacionismo do governo federal e
da falta de empenho na comunicação por parte das instituições de pesquisa. As
universidades públicas foram vitais para o enfrentamento da pandemia, diz ele,
produzindo conhecimento, gerando dados e desenvolvendo tecnologias que ajudaram
a salvar vidas e combater o vírus; mas deixaram a desejar na comunicação com a
sociedade e no combate à desinformação. “As universidades precisam entender a comunicação
e a divulgação nos meios digitais como algo fundamental na atividade delas”,
aponta Iamarino. “Tão importante quanto publicação acadêmica, formação de
alunos e outras prioridades.”
Iamarino não está sozinho nessa avaliação. Várias
fontes ouvidas para esta série de reportagens do Jornal da USP cobraram uma
atuação mais enérgica e mais estruturada das universidades na promoção da
divulgação científica e no combate à desinformação. Ao longo da pandemia,
muitos pesquisadores se alistaram voluntariamente nesse front de comunicação
digital, divulgando estudos, esclarecendo dúvidas e desconstruindo mentiras por
conta própria nas redes sociais, ou por meio de entrevistas à imprensa. Mas
foram poucas as iniciativas de caráter institucional.
“A maioria das ações partiu de professores e
alunos, não das universidades em si”, avalia a comunicadora Laura Marise de
Freitas, do grupo Nunca vi 1 cientista, que trabalha com divulgação científica
nas redes sociais. “Dentro do que eu vi, por parte das três universidades
estaduais paulistas, não houve nada a altura do que a gente esperaria de
instituições desse porte.”
Assim como Iamarino, Freitas começou a fazer
divulgação científica como hobby, na pós-graduação, e acabou virando
comunicadora profissional. Graduou-se em farmácia-bioquímica pela Universidade
Estadual Paulista (Unesp), fez mestrado e doutorado em Biociências e
biotecnologia na mesma instituição, e fechou o pacote com um pós-doutorado no
Instituto de Química (IQ) da USP, de 2018 a 2021. Desde então, desembarcou da
carreira acadêmica passou a fazer divulgação científica em tempo integral ao
lado da bióloga Ana Cláudia Bonassa, que também fez pós-doutorado no IQ-USP.
A fagulha que despertou seu interesse pela
divulgação científica foi gerada no mestrado, em 2013, quando Freitas atuou
como voluntária num projeto social de assistência à saúde de gestantes chamado
Bebê a Bordo, em Araraquara, no interior paulista. “Lá eu comecei a perceber
que precisava aprender a conversar com as pessoas; que não dava para eu falar
com elas da mesma forma que eu falava na faculdade”, relembra ela. No
doutorado, em 2018, Freitas participou do FameLab, uma competição internacional
de divulgação científica, onde conheceu Bonassa e recebeu o treinamento que
precisava para montar o projeto que deu origem ao Nunca vi 1 cientista.
A comunicação, segundo ela, é uma ferramenta
fundamental para derrubar os muros que separam o universo acadêmico da
sociedade e, por consequência, levantar muralhas contra o avanço da
desinformação — notícias falsas, pseudociências, falsas curas, teorias da
conspiração e outras falácias do tipo. “Ter uma proximidade maior das
universidades com a população também é importante para combater esse tipo de
conteúdo, porque você começa a criar pequenos ecossistemas de pessoas
informadas, que ajudam a barrar o espalhamento da desinformação”, avalia
Freitas. “Sinto que falta muito essa proximidade, ainda. Eu vejo algumas
faculdades fazendo projetos de extensão, mas que acabam sendo mais voltados
para gerar pontos no currículo do que, realmente, criar essa comunidade com as
pessoas de fora da academia.”
Construir esse tipo de comunidade extra-muros é
algo que leva tempo e que exige muita expertise sobre o funcionamento das
diferentes plataformas digitais, ressalta Iamarino. Não é um vínculo que se
constrói do dia para noite nem de forma passiva, simplesmente se colocando à
disposição da imprensa ou disponibilizando informações on-line, na esperança de
que as pessoas encontrem e consumam esse conteúdo por conta própria. “As instituições
precisam entender que o papel delas nessas novas mídias têm que ser muito mais
ativo do que era anteriormente”, diz Iamarino. Diferentemente do que ocorre com
as mídias tradicionais (TVs, rádios e jornais), que procuram fontes na
universidade para serem entrevistadas, “nas redes sociais é você quem tem que
procurar o público ativamente”, completa ele. “A régua (do sucesso) não é ter
docentes fazendo iniciativas legais de divulgação e produzindo material para o
público. Isso é o mínimo que a gente tem que fazer. A régua deveria ser ter uma
máquina de informação tão grande quanto a da desinformação.”
“A gente não pode entender o combate à
desinformação como um trabalho voluntário, que é o que a gente tem feito”, diz
a professora Ana Arnt, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Formada
em biologia, com mestrado e doutorado em educação, ela coordena desde 2018 o
Blogs de Ciência da Unicamp, uma plataforma de divulgação científica para
alunos e professores da instituição, criada em 2015. Durante a pandemia, o
projeto publicou mais de 300 textos e mais de 500 peças (fios, vídeos,
carrosséis) sobre a covid-19 para divulgação em redes sociais, além de outras
iniciativas.
Incentivar a divulgação científica é uma
necessidade básica, ressalta Arnt, mas que está longe de ser suficiente para
combater a desinformação que se espalha em escala industrial pela sociedade.
Segundo ela, as universidades precisam investir de forma muito mais consistente
e perene, não só em projetos de divulgação como na formação de comunicadores e
na pesquisa científica sobre desinformação.
“A divulgação científica é um paliativo. Tu não
vais combater a desinformação sem compreender, efetivamente, como funcionam os
algoritmos, como a desinformação se espalha, quem está financiando essa
desinformação”, destaca a pesquisadora, que também foi uma das organizadoras da
iniciativa Todos pelas vacinas, que teve grande repercussão nas redes sociais
durante a pandemia. “É óbvio que eu vou continuar produzindo conteúdo de
divulgação científica; mas o que a gente está fazendo é apagar incêndio com
paninho molhado.”
“Não adianta aumentar o número de pessoas fazendo
divulgação científica se a gente não cuidar também dessas outras questões”,
reforça Freitas. A quantidade de desinformação circulando nas redes é tão
grande que a maior parte do conteúdo que ela e Bonassa produzem é para
desconstruir mentiras que, se deixadas de lado, podem colocar em risco a saúde
das pessoas.“Eu queria não ter esse conteúdo para ter que desmentir; acho que
esse é o pronto principal.”
Enquanto redes profissionais de desinformação
gastam (e ganham) cifras volumosas com o impulsionamento de canais e a
propagação de conteúdos mentirosos na internet, pesquisadores dependem de
editais de pequeno porte para financiar pesquisas e projetos capazes de fazer
frente a esse fenômeno. “Não se combate desinformação com 10 mil, 20 mil reais
no bolso, entende? Os editais têm que ter valores que possibilitem o
funcionamento de projetos de médio e longo prazo”, aponta Arnt.
Ponto positivo: desde o início da pandemia, a
comunicação foi colocada como um eixo central de ação da Unicamp no
enfrentamento da emergência sanitária, aponta Arnt. “Isso me deixou bem
impressionada.” Nesse momento há um edital de R$ 1 milhão aberto pelas pró-reitorias
de extensão das três universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp)
para financiar projetos de “difusão de conhecimento científicos e culturais” nas três instituições. Cada
projeto poderá receber até R$ 100 mil.
• Terreno
fértil
O terreno disponível para cultivar essa relação de
confiança entre academia e sociedade é fértil. Pesquisas conduzidas ao longo
dos últimos 20 anos pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE),
vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), mostram que
os brasileiros têm uma visão bastante positiva da ciência e colocam os
pesquisadores de universidades públicas entre as três fontes mais confiáveis de
informação, ao lado de médicos e jornalistas. Por outro lado, há pouco
conhecimento sobre a ciência produzida no próprio Brasil, e apenas metade da
população acha que os cientistas brasileiros “explicam com clareza as suas
pesquisas”, segundo o levantamento mais recente sobre o tema tipo, divulgado em
dezembro de 2022 pelo Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e
Tecnologia (INCT-CPCT).
O esforço adicional de comunicação feito durante a
pandemia parece ter surtido efeito, apesar das limitações. Na pesquisa de 2022
do INCT-CPCT, mais de 25% dos entrevistados foram capazes de citar o nome de
uma instituição de pesquisa brasileira, comparado a apenas 9%, no levantamento
anterior do CGEE, de 2019. “Isso pode indicar o importante papel de comunicação
com a sociedade assumido pelas instituições durante a pandemia de covid-19”,
ponderam os autores, no resumo executivo do estudo. As instituições de pesquisa
mais lembradas na enquete foram o Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz); seguidas (de longe) pelas universidades USP, Unicamp e UFRJ.
Uma pesquisa de opinião realizada em janeiro de
2022 pelo Centro de Estudos SoU_Ciência, em parceria com o Instituto de
Pesquisa IDEIA, traz indicadores ainda mais positivos. Mais de um quarto (28%)
das cerca de 1,5 mil pessoas ouvidas na enquete indicaram os cientistas de
instituições públicas de pesquisa como a fonte mais confiável de informações
sobre “assuntos importantes” para a sociedade, bem a frente de médicos e
jornalistas — que lideravam esse ranking em pesquisas anteriores.
Resta saber se as instituições serão capazes de
manter (e ampliar) essa projeção que conquistaram na pandemia, para continuar
defendendo a ciência e combatendo a desinformação — não apenas a desinformação
científica, mas de todos os tipos. Porque a pandemia de covid-19 pode ter
acabado, mas a pandemia de desinformação que potencializou seus efeitos* segue
firme e forte nas redes sociais, infectando o debate público sobre os mais
diferentes temas: política, educação, saúde, economia, cultura, religião, meio
ambiente, direitos humanos, segurança pública, guerras.
“Estamos vivendo uma época em que desinformação é
poder”, diz o jornalista Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicação e
Artes (ECA) e superintendente de Comunicação Social da USP. “Antes se dizia
que, quando uma guerra começa, a primeira vítima é a verdade. Hoje, o que
vivemos é uma situação inversa, em que as guerras começam porque a verdade é
vitimada; porque não se viabilizam as formas de entendimento sobre o que se
passa nos fatos.”
Nesse contexto, as universidades, como detentoras
de conhecimento, não podem ser furtar da responsabilidade de compartilhar e
disseminar esse conhecimento em prol do debate público. “A sociedade espera
isso e depende da universidade para isso”, afirma Bucci. “Nós estamos ainda
engatinhando porque não descobrimos a dimensão dessa função para a qual nós
somos requisitados; mas a universidade tem de ter olhos para combater a
desinformação, especialmente no Brasil.”
“As universidades têm obrigação de estar presentes;
de não se omitirem no debate da sociedade”, reforça o pró-reitor de Pesquisa e
Inovação da USP, Paulo Nussenzveig. Isso inclui, segundo ele, a
responsabilidade de pesquisar a própria desinformação, com a
interdisciplinaridade acadêmica necessária para entender suas complexidades e
combatê-la da forma mais eficaz possível. “Não tem nenhuma receita de bolo
simples. O que a gente faz na universidade é estudar as coisas”, diz.
“Precisamos de pessoas com formação tecnológica, mas também de pessoas que
estudem os seres humanos, a sociologia, a antropologia; porque parte desse
fenômeno é inerente ao nosso convívio em sociedade.”
O Jornal da USP é o principal veículo de
comunicação da USP, integrando conteúdo jornalístico, produzido por uma equipe
interna de profissionais, com artigos de opinião e comunicados institucionais,
produzidos pelo corpo docente da universidade. Criado em 1985 como uma
publicação impressa semanal, e 100% digital desde 2016, o Jornal publica uma
média de 4,4 mil textos por ano (370 por mês), além de servir como plataforma
para a divulgação de vídeos, podcasts e reportagens da Rádio USP.
Em 2019, o conteúdo do jornal foi acessado 17
milhões de vezes (pageviews), por quase 7 milhões de pessoas. Em 2020, esse
número saltou para quase 26 milhões de acessos e 11 milhões de usuários,
refletindo a enorme demanda por informações científicas no primeiro ano da
pandemia. Em 2021, considerando também a audiência de todas as suas redes
sociais, o conteúdo do Jornal atingiu quase 160 milhões de pessoas.
• Aprendizado
fundamental
“As universidades têm um papel na divulgação do
conhecimento que é fundamental”, diz o médico infectologista Esper Kallás,
professor da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), diretor do Centro de
Pesquisas Clínicas do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP e, desde janeiro de
2023, diretor do Instituto Butantan.
Especialista em testes clínicos e doenças
infecciosas, Kallás foi uma das principais fontes de informação científica
confiável para a imprensa durante a pandemia. A demanda foi gigantesca. Em meio
ao caos gerado pela doença (o HC foi a unidade hospitalar que mais recebeu
pacientes graves de covid no Brasil), ele era constantemente instado a
esclarecer dúvidas, fazer prognósticos e desconstruir mentiras que se
espalhavam como fogo de palha na internet a todo momento. “Foi uma interação bastante
tormentosa”, relembra ele.
Kallás avalia que não faltaram posicionamentos por
parte das instituições, mas reconhece que faltou efetividade na comunicação da
ciência com a sociedade. “Muitos de nós não estávamos preparados para nos
comunicar com a população, especialmente nas mídias sociais”, que exigem uma
linguagem muito diferenciada daquela que médicos e cientistas estão acostumados
a usar, avalia ele.
“Nas universidades e nas instituições de pesquisa,
há uma percepção muito clara de que precisamos melhorar essa linguagem. Dizer
que estamos preparados para isso, acho que não dá para dizer. Mas há esforços
em curso”, destaca Kallás. “Lá no Butantan temos um grupo de mídia social que é
muito atuante e estamos produzindo algumas coisas bem interessantes; tentando
divulgar informações científicas de qualidade e fáceis de serem compreendidas
pela população.”
A comunicação do Instituto Butantan na pandemia foi
marcada por um componente ousado de cultura pop: um remix da música Bum Bum Tam
Tam, do funkeiro MC Fioti, que aproveitava a rima da letra com o nome do
instituto para incentivar as pessoas a se vacinarem. Muita gente séria da
comunidade médica e acadêmica torceu o nariz, mas os números não deixam dúvida
sobre o alcance da iniciativa. Lançado em janeiro de 2021, o videoclipe da
música — com direito a funcionários do Butantan dançando de máscara no teto e
nas escadarias do instituto — teve enorme repercussão e foi visto quase 15
milhões de vezes no YouTube.
No embalo do funk e da produção da Coronavac (a
primeira vacina contra a covid produzida e aplicada no Brasil), o instituto fez
bombar sua presença nas redes sociais. Entre dezembro de 2019 e julho de 2022 —
período em que o Butantan era dirigido pelo médico Dimas Covas, da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto da USP — o número de seguidores do instituto cresceu
vertiginosamente em todas as plataformas. No Instagram, por exemplo, passou de
8,5 mil para mais de 1 milhão. No YouTube, subiu da casa dos 3 mil para cerca
de 83 mil assinantes.
O número médio de visualizações por vídeo, porém,
ainda é baixo; comprovando que produzir conteúdo de qualidade é apenas o
primeiro passo num longo caminho de combate à desinformação nas redes sociais.
Um outro passo, cada vez mais difícil de ser dado, é o da geração de
engajamento — ou seja, fazer com que as pessoas consumam, compartilhem e
interajam com esses conteúdos, em vez de qualquer outra coisa que os algoritmos
das plataformas estejam colocando como isca de cliques na frente delas.
“O clique vem do interesse das pessoas”, pontua
Iamarino. “E esse clique está ficando cada vez mais difícil de se alcançar, por
conta da intermediação dos algoritmos, da abundância de informação e da atenção
das pessoas, que está cada vez mais curta.”
O Butantan foi a instituição de pesquisa brasileira
mais lembrada pelo público em ambas as enquetes sobre percepção pública da
ciência de 2022, tanto do INCT-CPCT quanto do SOU Ciência; sendo que em
pesquisas anteriores ele aparecia em terceiro ou quarto lugar. Ainda assim, de
um total de 2.065 pessoas entrevistadas na enquete do INCT-CPCT, apenas 249
(12%) citaram o nome do instituto. A Fiocruz, segunda colocada, recebeu 125
menções; e a USP, 43.
• Negacionismo
acadêmico
Uma das questões mais espinhosas nesse cenário, do
ponto de vista institucional, é como lidar com docentes que se aproveitam de
suas credenciais acadêmicas para disseminar desinformação por meio de suas
redes sociais ou da imprensa. Alguns dos mais influentes propagadores de
desinformação científica sobre máscaras e vacinas na pandemia, por exemplo,
eram professores de universidades públicas renomadas (incluindo a USP); e não
são poucos os que criticam essas instituições por não terem agido de uma forma
mais enérgica com relação a isso. Não apenas na pandemia, quando essa
desinformação tinha o potencial de colocar a vida das pessoas em risco, mas
também nas discussões correntes sobre outros temas, como mudanças climáticas e
democracia.
“A reputação dessas instituições tem muito peso no
público em geral, então é importante que elas assumam posições fortes contra
esse tipo de coisa”, diz o físico Leandro Tessler, professor do Instituto de
Física Gleb Wataghin (IFGW) e membro do Grupo de Estudo da Desinformação em
Redes Sociais (EDReS) da Unicamp. “Não que elas devam censurar esses
professores; não é isso que estou dizendo. Mas elas precisam adotar posições
firmes e claras no sentido de desautorizar esses malucos.”
“Eles não foram contestados; esse é o ponto”, diz a
professora Ana Arnt, do Instituto de Biologia da Unicamp. “A gente não deveria
negociar espaço de fala para pessoas que intencionalmente agem contra a vida
humana”, completa ela, referindo-se à propagação de informações falsas na
pandemia. Se um pesquisador pode ser penalizado academicamente por fraudar
dados numa publicação científica, diz ela, por que não aplicar o mesmo rigor
àqueles que fraudam ou distorcem dados científicos num debate público?
Mesmo que essa atividade ocorra fora do ambiente da
universidade, e que o docente não use explicitamente o nome da instituição em
suas postagens ou entrevistas, é quase inevitável que suas credenciais
acadêmicas sejam usadas para aplicar um verniz de credibilidade científica ao
que está sendo dito. Não há uma resposta pronta sobre o que as instituições
podem ou devem fazer com relação a isso. A discussão esbarra em questionamentos
sobre os limites da liberdade de cátedra e da liberdade de expressão.
“Em tese, se uma pessoa representando a
universidade insiste em veicular para a sociedade algo que comprovadamente não
tem sustentação em pesquisas e no que a ciência domina até esse momento, essa
pessoa pode vir a ter uma questão a ser resolvida com a universidade. Mas o
trabalho de esclarecimento e de combater a desinformação não pode, não deve, se
confundir com o debate sobre a conduta de cada pessoa”, diz o superintendente
de Comunicação da USP, Eugênio Bucci. “Essa atuação necessária da universidade
só será bem sucedida se ela não se confundir com medidas disciplinares, com
enquadramentos ou chamamentos hierárquicos sobre quem quer que seja. O
trabalho, nesse caso, é apenas o de esclarecer.”
Fonte: Por Herton Escobar, no Jornal da USP
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