Marcus Pestana: O cenário que nos espera e o Brasil com que se sonha
Minha geração do movimento estudantil acreditou que
conquistada a agenda democrática – anistia, Constituinte, eleições diretas e
liberdade política – a desigualdade social e os desafios brasileiros seriam
naturalmente enfrentados e construiríamos o Brasil dos sonhos.
Outro dia, fui tomado por um baixo astral incrível
ao ler um artigo do economista Samuel Pessoa, na revista Conjuntura Econômica
do IBRE/FGV, onde ele informava que no PISA – programa internacional de
avaliação do ensino – os 10% de alunos vietnamitas com o pior desempenho
estavam na frente dos 10% com melhor desempenho entre os brasileiros. É
inevitável, diante de um fato dessa gravidade, sentir na boca um certo gosto
amargo de fracasso geracional. Afinal, educação é tudo.
O Brasil de 1900 a 1980 só cresceu abaixo do Japão.
Com desigualdades, mas em ritmo acelerado. A partir daí foram crises e mais
crises. É verdade que o Plano Real derrotou a hiperinflação, o SUS se
consolidou, a democracia resistiu e uma sólida rede de proteção social foi
erguida. Mas há um oceano a nos separar do Brasil dos nossos sonhos.
A equação central é econômica. Sem geração de
emprego e renda não há política social que seja eficiente. O tripé
macroeconômico está bem resolvido nos planos monetário e cambial. Hoje temos um
sistema de metas inflacionárias sólido, Banco Central com autonomia
operacional, inicio de movimentos de aumento da competição bancária e
revoluções na ponta, como a do PIX. Ainda assim, nossa taxa real de juros é
ainda muito alta.
No front cambial não temos os riscos de
estrangulamento externo. O câmbio é flutuante, as reservas cambiais são abundantes,
a balança comercial é fortemente superavitária e o fluxo de investimentos banca
o déficit nas transações correntes. Mas todo cuidado é pouco. O cenário externo
é extremamente preocupante. Taxas de juros altíssimas nos EUA, China sem o
crescimento vigoroso de outrora, guerras na Ucrânia e no Oriente Médio,
Argentina em situação caótica.
O grande problema é o desequilíbrio fiscal que se
sair do controle levará ao círculo vicioso que trava o desenvolvimento. O
Brasil produz déficits primários desde 2014. Há um buraco a ser corrigido no
Orçamento de 2024. É verdade que a política fiscal não deve ser um samba de uma
nota só. Julgo que o Congresso acertou ao priorizar o emprego e prorrogar a
desoneração da folha salarial.
Há ainda um plano subjetivo ligado à formação de
expectativas e ao ambiente de negócios. O Brasil precisa trabalhar cada vez
mais segurança jurídica e estabilidade institucional. Sem isso, adeus
desenvolvimento sustentado.
Mas o grande desafio está nas políticas sociais. E
aí, é preciso um choque de ousadia, inovação e competência. Como aceitar os
sofríveis níveis de desempenho de nossos estudantes? Como dormir tranquilo
diante das cenas inacreditáveis nascidas da ousadia do crime organizado? Como
banalizar o fato de quase metade da população não ter coleta de esgoto? Como
ficar passivo diante da destruição de nossas florestas?
Os indicadores de 2023 não são ruins. No entanto,
tudo o que não podemos é dormir em berço esplendidos e nos contentarmos com
resultados ainda frágeis. Em tempos de polarização política radical é preciso
cada vez mais construir consensos progressivos e ação eficaz em torno da agenda
brasileira de desenvolvimento.
Ø Lula rasga a fantasia que nunca esteve muito disposto a vestir
Foi na saideira, quando assessores do presidente já
pediam para encerrar a entrevista, que Lula decidiu falar sobre a meta fiscal.
Mais especificamente sobre a sua má vontade com o objetivo de chegar ao déficit
zero em 2024.
O presidente não tergiversou sobre o motivo: ele
não quer cortar gastos. De acordo com o raciocínio de Lula, há de se pensar no
melhor para o país. E falar em controle de despesas é coisa do “mercado
ganancioso”.
O problema é que a tal meta foi estabelecida pelo
seu ministro da Fazenda com aval presidencial. Uma forma de acalmar
investidores, trazer alguma perspectiva de esforço para controlar a trajetória
da dívida pública e abrir espaço para o início da queda dos juros — principal
problema a ser enfrentado, de acordo com diversas declarações do mesmo Lula ao
longo do ano.
Há sempre duas formas de se abordar o ajuste
fiscal. Pelo lado das despesas, cortando gastos até que eles encontrem o
patamar das receitas. Ou pelo lado das receitas, aumentando as arrecadação de
forma que ela dê conta dos gastos programados.
Como Lula nunca quis realmente controlar despesa
alguma, restou ao seu ministro da Fazenda bolar um plano altamente dependente
do aumento das receitas para tirar as contas do país do vermelho. Era preciso
conciliar a vida real da economia ao desejo do seu campo político — e do seu
chefe.
E aí veio o enrosco. Para colocar o projeto de pé,
seria preciso aprovar um caminhão de leis complexas no Congresso. Para
conseguir passar essas propostas, o governo teria de aumentar o seu apoio no
Legislativo. Para ter base, Lula teria de acenar com cargos. Ele assim o fez e
o Centrão então veio, prometendo ajudar em votações — mas nem todas — e
cobrando pela liberação de emendas e recursos — leia-se mais gastos. Não nos
esqueçamos que, ano que vem, é tempo de eleição.
Fernando Haddad e seu time já tinham feito as
contas. Não ia dar para entregar o tal déficit zero. No mínimo, seria um
trabalho dos mais duros pelas resistências e prazo curto para que tudo fosse
votado. O prognóstico era ruim, mas a ideia era perder lutando.
Haddad pretendia usar a promessa da meta e o
compromisso do governo em persegui-la para pressionar o parlamento a correr.
Foi com esse espírito que o ministro esteve com Arthur Lira na última semana,
pedindo pressa em votações e sugerindo atalhos para que as novas regras começassem
a valer já no início do ano que vem.
A estratégia da equipe econômica ao longo do ano
foi enviar projetos em série ao Congresso, buscando janelas para aprovar o que
fosse possível. A jogada é manjada em Brasília: mira-se no aparentemente
inalcançável para que se saia com, ao menos, alguma coisa em mãos. Mas, a dois
meses do fim do ano, Haddad e seu time anteviam tempos duros e trabalham numa
forma de atenuar o discurso, já que a meta de déficit zero parecia cada vez
mais improvável. Aí veio Lula deixando claro que, em essência, nunca acreditou
no plano do seu ministro.
É que, se o plano de passar projetos e elevar a
arrecadação não desse certo, seria preciso bloquear despesas já no início do
ano que vem — o chamado contingenciamento. Não precisava ser analista político
dos mais astutos para antever que a ambiciosa agenda de mudanças na tributação
poderia empacar no Congresso.
Antes mesmo de Haddad tentar a última investida, no
entanto, Lula tratou de desarmar qualquer possível pressão em cima dos parlamentares.
Se nem o presidente acha que é fundamental zerar o déficit, por que o
Legislativo deve se preocupar?
Investidores, banqueiros e analistas poderiam
levantar o cartaz do “eu já sabia”. O mercado nunca achou crível zerar o
déficit público no ano que vem. Mas viu que o resultado ao fim pode ser pior do
que se imaginava. É como gostava de dizer meu avô: de onde menos não se espera…
aí que não sai nada mesmo.
·
Haddad evita comentar meta fiscal após falas de
Lula sobre deficit zero
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, evitou
responder sobre uma nova projeção da meta fiscal para 2024. Em coletiva de
imprensa na manhã desta segunda-feira (30/10), Haddad foi indagado por
jornalistas sobre declarações do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que o governo poderia não cumprir a meta de
zerar o saldo das contas públicas em 2024 e
preferiu não responder objetivamente.
“A minha meta está mantida”, disse Haddad,
referindo-se ao propósito dele de manter o equilíbrio fiscal, mas não se
referindo à meta de
zerar o deficit fiscal em 2024. O ministro
informou que Lula pediu uma reunião com as lideranças políticas no Congresso
para conversarem sobre a situação fiscal do país. Somente depois dessa reunião,
o governo vai anunciar novas medidas que busquem o equilíbrio fiscal.
Ao explicar as declarações do presidente, Haddad
disse que Lula teve como base uma apresentação que ele mesmo havia mostrado,
demonstrando as razões porque a arrecadação não cresce, mesmo com a elevação do
Produto Interno Bruto (PIB).
“Não há, da parte do presidente, nenhum
descompromisso. Muito pelo contrário, se ele não estivesse preocupado com a
situação fiscal, não estaria pedindo apoio da área econômica para orientação
das lideranças do Congresso", disse Haddad a jornalistas.
O ministro citou a Lei Complementar 160/2017, que permitiu abater da base de
cálculo Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social
sobre Lucro Líquido (CSLL) os incentivos ficais dados pelos estados. A
estimativa para este ano, segundo Haddad, é que o governo deixa de arrecadar R$
200 bilhões por conta desse incentivo.
O ministro citou também uma decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF), também de 2017, que retirou ICMS da base de cálculo do
PIS/Cofins recolhido pelas empresas. “Estamos falando de muitas dezenas de
bilhões de reais”, disse ele, alegando que todas essas medidas provocaram uma
“erosão” na arrecadação dos tributos federais.
Ø GOVERNO CORRE O RISCO DE ENCERRAR O ANO CERCADO POR GREVES
Movimentos sindicais e associações ligadas ao
serviço público federal cogitam iniciar paralisações e greves a partir de
novembro em decorrência da dificuldade do governo em oferecer propostas que
atendam às demandas de reestruturação de carreiras e reajustes
salariais. As categorias mobilizadas incluem tanto servidores de órgãos
econômicos, como Banco
Central (BC) e Receita
Federal , quanto na segurança pública, com
movimentações entre funcionários da Polícia Federal (PF).
“O governo pausou a mesa de negociação da Polícia
Federal, os policiais estão indignados. Não existe mesa de negociação com
a Receita Federal e o diálogo por lá é difícil. Com o Banco Central, eles
tinham prometido uma reunião até o dia 23 de outubro e não cumpriram”, relatou
o presidente do Sindicato Nacional dos
Funcionários do Banco Central (Sinal),
Fábio Faiad. Os três setores correm risco de encerrar o ano de 2023 em
greve.
Os funcionários do BC são aqueles que se encontram
em uma etapa mais profunda de protestos contra o governo contra a demora para
uma reestruturação da carreira. Desde o mês de julho, os servidores
ligados ao Sinal se encontram na operação-padrão (também conhecida como
operação-tartaruga). Em setembro, aprofundaremos a prática, concentrando
esforços no atraso para a implementação de novos mecanismos de transferência
via PIX e na construção do Drex, moeda virtual equiparada ao Real.
Eles desativaram a criação de um sistema de
retribuição por produtividade, a exigência de ensino superior para a carga de
técnico e a transformação da carga de analista na carga de auditor. “Sem a
reestruturação completa da carreira, os representantes preveem um desmantelamento
da carreira de Especialista do BC, situação que vem se agudizando na última
década, com reajustes abaixo da inflação e com as crescentes assimetrias em
relação a carreiras congêneres”, alertou Faiad.
Na Receita Federal, o Sindicato
Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco) iniciou na quinta-feira (26) uma agenda de
protestos, que seguirão acontecendo em diferentes pontos do país até o dia 20
de novembro. “No dia 20, caso os pleitos da categoria não sejam atendidos,
a greve será deflagrada”, alertou em nota o sindicato. Assim como no BC,
os auditores da Receita se encontram na operação-padrão.
A pauta do Sindifisco é mais específica, e tem como
item principal a aplicação dos recursos do Fundo Especial de Desenvolvimento e
Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (Fundaf), criado em julho pelo
Ministério da Fazenda para, por meio de parte dos recursos obtidos no Conselho
de Administração de Recursos Fiscais, garantir bônus de eficiência aos
auditores fiscais.
Na PF, tanto policiais quanto servidores
administrativos reivindicam a restrição da carreira, uma pauta elevada ainda na
transição entre o antigo e o atual governo. Uma reunião estava prevista
para acontecer junto com o Ministério da Gestão e Inovação no último dia 17,
mas foi cancelada pelo próprio governo, que não conseguiu elaborar uma proposta
a tempo.
Em resposta, a Associação Nacional dos Delegados
de Polícia Federal (ADPF) e a Federação Nacional dos
Policiais Federais (Fenapef) deram início a uma agenda de
protestos, prevista para culminar em uma paralisação geral no dia 16. Apesar de
não ter estabelecido um calendário de greve, a possibilidade segue em aberto,
conforme declaração
de Luciano Leiro, presidente da ADPF .
Uma mesa de negociação geral do governo com os
sindicatos do serviço público está prevista para acontecer no dia 16 de
novembro. Faiad conta que há um pouco de otimismo quanto ao saldo da
reunião. “Há uma situação meio de pé de guerra. A polícia está brava,
a Receita está brava e com greve já agendada”, ressaltou.
Fonte: Congresso em Foco/Agencia Estado
Nenhum comentário:
Postar um comentário