segunda-feira, 30 de outubro de 2023

3 pontos-chave para entender a segunda fase da ofensiva de Israel e seu impacto em Gaza

"Nossos soldados foram enviados para todas as partes da Faixa de Gaza."

Assim, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, confirmou neste sábado (28/10) que seu país deu início a uma nova fase na guerra contra o Hamas, lançando uma operação terrestre e intensificando seus ataques aéreos contra Gaza.

O caos reina na região desde que o exército israelense iniciou a nova ofensiva entre sexta-feira à noite e sábado de manhã. Centenas de milhares de pessoas tiveram de fugir das suas casas, enquanto o número total de mortos já ultrapassa 8.000, segundo o ministério da saúde local, administrado pelo Hamas.

Os bombardeios mais recentes são descritos os mais intensos desde o início da guerra, em 7 de outubro, quando um ataque do Hamas deixou mais de 1.400 mortos e sequestrou 200 pessoas em Israel.

Centenas de palestinos morreram nas últimas horas, segundo autoridades em Gaza. Além disso, os bombardeios deixam um rastro de prédios destruídos e milhares de casas danificadas.

No sul, onde a maior parte da população se refugiou depois de Israel ter ordenado que abandonassem as suas casas, também foram relatados ataques, embora em menor escala.

“Será uma guerra longa e difícil”, disse Netanyahu em um discurso pela televisão no sábado.

Em paralelo, o ministro da Defesa, Yoav Gallant, garantiu que o país estava estava na “próxima fase da guerra” - no que se espera ser uma incursão terrestre de longo prazo.

Durante o sábado, Gaza também ficou sem telecomunicações internas e externas, dificultando saber o que se passava no território palestino.

Na manhã de domingo (29/10), serviços de internet e telefonia móvel haviam sido parcialmente restaurados.

O Ministro das Comunicações palestino, Ishaq Sider, disse que esforços estão sendo feitos para recuperar o sistema de comunicações em Gaza.

·         1. O que diz Israel sobre sua ofensiva?

Em seu discurso no sábado, depois de se reunir com familiares de alguns dos reféns detidos pelo Hamas em Gaza, Benjamin Netanyahu disse que seu principal objetivo é derrotar o Hamas e libertar os sequestrados.

Netanyahu disse que soldados e comandantes israelenses “foram enviados para todas as partes da Faixa de Gaza" e que a operação em curso por terra é a segunda fase da guerra contra o Hamas, com “objetivos muito claros”.

Ele disse que forças terrestres israelenses entraram no que ele definiu como “aquela fortaleza do mal”, referindo-se a Gaza, para “desmantelar” o Hamas e trazer os reféns para casa, e disse que a batalha será “longa e difícil”.

Netanyahu acrescentou que os militares estão tomando precauções para proteger civis e acusou o Hamas de cometer crimes contra a humanidade ao “usar seu povo como escudos humanos”.

Netanyahu colocou a batalha em um contexto mais amplo e afirmou que se tratava de uma guerra de 3.000 anos pela sobrevivência do povo judeu.

Ele descreveu a intervenção em Gaza como a “segunda guerra de independência” de Israel.

"Vamos lutar e não nos renderemos. Não vamos recuar. [Continuaremos] na superfície e no subsolo", continuou.

Já o ministro da Defesa, Yoav Gallant, referindo-se ao ataque que começou na sexta-feira, disse que "quanto mais os atingirmos [o Hamas], sabemos que mais eles estarão dispostos a chegar a algum tipo de acordo, e seremos capazes de trazer a nossa amados reféns para casa".

Segundo o correspondente diplomático da BBC, Paul Adams, as palavras de Gallant refletem a estratégia do exército israelense, que se baseia em três fases.

Há uma semana, Gallant disse a uma comissão parlamentar de seu país que esta segunda fase tinha o objetivo de “eliminar os focos de resistência” do Hamas.

A primeira fase consistiu em destruir a infraestrutura do grupo, enquanto a terceira seria “libertar Israel da sua responsabilidade" sobre a Faixa de Gaza e "estabelecer novas medidas de segurança para os cidadãos israelenses”.

Neste sábado também foi noticiado que o Hamas se ofereceu para trocar os mais de 220 reféns que mantém em Gaza por prisioneiros palestinos que estão em prisões em Israel.

Netanyahu afirmou que a questão foi discutida com o gabinete de guerra israelita, mas recusou-se a dar detalhes.

·         2. Qual é a situação em Gaza?

Enormes explosões iluminaram o céu na manhã de sábado, quando os militares israelenses disseram que estavam "operando poderosamente em todas as dimensões para alcançar os objetivos da guerra", com "forças terrestres... expandindo suas operações".

Segundo autoridades palestinas, centenas de edifícios foram destruídos por ataques aéreos e de artilharia.

Mas os militares israelenses relataram que seus caças atingiram 150 alvos subterrâneos, incluindo túneis e outras infraestruturas.

Tanques e tropas israelenses também atravessaram a fronteira e entraram em confronto com combatentes do Hamas.

O braço militar do grupo disse que estava combatendo tropas israelenses na cidade de Beit Hanoun, no nordeste, e na região central de Bureij. O Hamas diz que também lançou ataques com foguetes contra Israel.

Na manhã de sábado, Rushdi Abu Alouf, jornalista da BBC baseado na cidade de Khan Younis, no sul de Gaza, descreveu "cenas de caos completo" no terreno.

Ele acrescentou que houve menos ataques nas áreas ao sul da faixa, mas o medo tomou conta de centenas de milhares de pessoas que ali se refugiaram.

Por sua vez, o fotógrafo Shehab Younis publicou um vídeo no Instagram mostrando um homem gravemente ferido sendo retirado às pressas de um prédio para ser transportado na traseira de um caminhão, na ausência de ambulâncias.

Younis disse à BBC em mensagem de voz que a situação era “catastrófica” e que as pessoas não conseguiam entrar em contato com serviços de emergência devido a problemas de conectividade.

William Schomburg, chefe da subdelegação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha em Gaza, disse que os hospitais trabalhavam 24 horas por dia para cuidar das vítimas.

“Pude visitar diferentes hospitais, incluindo o hospital Al-Quds, e as cenas são difíceis de descrever”, disse.

A agência da ONU para os refugiados palestinos (Unrwa), que presta assistência a mais de 600 mil das 1,4 milhões de pessoas que fugiram das suas casas, disse que perdeu a maior parte do contato com as suas equipes durante o que descreveu como a "pior e mais intensa noite" dos bombardeios.

·         3. Qual foi a reação à escalada do conflito?

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, disse estar surpreendido com a escalada do conflito, especialmente depois de um crescente apelo internacional por um cessar-fogo diante da necessidade de ajuda humanitária para Gaza.

"Nos últimos dias me senti encorajado pelo que parecia ser um consenso crescente na comunidade internacional (...) sobre a necessidade de pelo menos uma pausa humanitária nos combates", disse Guterres num comunicado no sábado.

“Infelizmente, em vez da pausa, fui surpreendido por uma escalada sem precedentes de bombardeios e por seus impactos devastadores, minando os referidos objetivos humanitários”, acrescentou.

Na sexta-feira, a ONU aprovou uma resolução apelando por uma “trégua humanitária”, que foi apresentada pela Jordânia em nome dos países árabes e que obteve 120 votos a favor, incluindo Brasil e países como França e Bélgica, 14 contra e 45 abstenções.

Israel rejeitou veementemente a proposta.

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha também apelou pela suspensão dos ataques de Israel, bem como à libertação dos reféns em Gaza.

“Dois milhões de civis ficaram presos em Gaza sem ter para onde ir”, disse a organização. É um “fracasso catastrófico que o mundo não deveria tolerar”, continuou a sua declaração.

“A prioridade absoluta é a preservação da vida, e isso significa permitir entregas sustentadas de ajuda humanitária e acesso a agências de ajuda”, diz a o órgão em declaração pouco usual.

O comitê, guardião das convenções de Genebra, raramente se expressa publicamente sobre o curso de uma guerra e geralmente opta por comunicações privadas com os envolvidos.

No sábado, centenas de milhares de pessoas se reuniram em cidades ao redor do mundo para pedir um cessar-fogo.

Houve protestos em locais como Londres, Paris, Roma, Copenhague e Bagdá.

Em Istambul, na Turquia, o Presidente Recep Tayyip Erdoğan dirigiu-se a centenas de milhares de manifestantes e disse que Israel estava cometendo “crimes de guerra”.

O mandatário também criticou líderes das potências ocidentais por não intervirem por uma pausa nas hostilidades.

Sem mencionar o nome do presidente turco, Netanyahu chamou de “hipócritas” aqueles que acusam o seu exército de cometer crimes de guerra.

“Somos o exército mais moral do mundo”, assegurou.

Israel decidiu retirar os seus diplomatas da Turquia na tarde de sábado.

·         A angústia de familiares de reféns com avanço militar de Israel em Gaza

Familiares de reféns levados de Israel pelo Hamas estão demonstrando preocupação com o avanço militar israelense em Gaza.

O Fórum de Famílias Desaparecidas disse que a noite em que as tropas se deslocaram para o norte de Gaza foi “a pior noite” até agora.

Eles queixaram-se do impacto de uma operação terrestre no bem-estar dos cerca de 200 reféns ao primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que se encontrou com as famílias no sábado (28/10).

Netanyahu prometeu fazer todo o possível para trazê-los de volta para casa e disse que a recuperação dos reféns era parte central dos objetivos militares.

Após a reunião de Netanyahu com as famílias, o Hamas disse que Israel teria de libertar todos os prisioneiros palestinos para garantir a liberdade dos reféns.

Netanyahu disse que a ideia de um acordo de troca envolvendo reféns por prisioneiros foi discutida no gabinete de guerra israelense, mas se recusou a dar detalhes.

Os reféns foram feitos por homens armados do Hamas durante um ataque sem precedentes no sul de Israel, em 7 de Outubro, no qual 1.400 pessoas foram mortas.

As pessoas que estão em cativeiro em Gaza incluem dezenas de crianças e idosos, bem como militares. Pelo menos 135 são estrangeiros ou com dupla nacionalidade, incluindo 54 tailandeses, 15 argentinos e dois britânicos, segundo o governo israelense.

O Hamas – que é considerado grupo terrorista por Israel, Reino Unido e outras potências – libertou até agora quatro reféns após mediação do Qatar e do Egito.

Duas idosas israelenses foram libertadas na segunda-feira e uma americana e a sua filha foram libertadas em 20 de Outubro.

Antes da operação terrestre de sexta-feira à noite havia especulações de que as negociações mediadas pelo Qatar sobre outro acordo de libertação estavam indo bem.

Mas o porta-voz militar israelense Daniel Hagari disse no sábado que havia “um desejo deliberado do Hamas, de fazer exploração cínica, terrorismo psicológico e influenciar a nossa população que se encontra numa situação tão sensível”.

“O mais importante é que quando tivermos as informações, iremos fornecê-las”, acrescentou. “Retornar os reféns para casa é um esforço nacional supremo. E todas as nossas atividades, operacionais e de inteligência, visam atingir esse objetivo.”

A refém libertada Yocheved Lifschitz, uma idosa de 85 anos que foi sequestrada com o marido Oded no kibutz Nir Oz, disse a repórteres em Tel Aviv na terça-feira que ela "passou por um inferno".

Ela descreveu ter sido atingida por paus na viagem para Gaza e ser levada para uma enorme rede de túneis subterrâneos que “pareciam uma teia de aranha”.

Lifschitz afirmou também que a maioria dos reféns estava sendo “bem tratada”.

Na quinta-feira, o porta-voz do braço militar do Hamas Abu Ubaida disse que cerca de 50 reféns foram mortos em ataques aéreos israelenses em Gaza.

Ele não forneceu provas e foi impossível para a BBC verificar a afirmação.

Mas os militares israelitas anunciaram que têm bombardeado os túneis do Hamas, então existe a possibilidade dos reféns terem sido atingidos.

 

·         Gaza sem saída, mesmo para quem tem dupla cidadania

 

Asia Mathkour espera ansiosamente por uma ligação informando que a passagem de fronteira de Rafah, entre a Faixa de Gaza e o Egito, está aberta para os moradores deixarem o enclave palestino. Mãe de duas crianças pequenas, a cidadã palestina-canadense vive com sua família em Gaza desde 2014. Mas, até agora, eles não puderam deixar a zona de conflito.

"Há duas semanas, recebi uma ligação dos canadenses que me disseram que a fronteira de Rafah poderia ser aberta e que deveríamos ir para lá sob nossa própria responsabilidade", disse Mathkour por telefone, de Rafah. Mas sua esperança foi destruída poucas horas depois, ao se deparar com a passagem fechada. "Nós nos sentimos sozinhos, como se ninguém estivesse ajudando."

Mathkour não está sozinha com seus medos e preocupações. Até agora, nenhum país conseguiu retirar seus cidadãos ou residentes com dupla nacionalidade do enclave palestino, que tem sido bombardeado por forças de Israel nas últimas três semanas.

A Embaixada do Brasil na Palestina monitora a situação de 34 pessoas que pediram ajuda para deixar Gaza, sendo 24 brasileiros, sete palestinos em processo de imigração e três palestinos que darão início à imigração. O governo brasileiro tem articulado com autoridades egípcias e israelenses a repatriação dessas 34 pessoas, por meio da passagem de Rafah.

Já autoridades da Alemanha disseram que há algumas centenas de alemães-palestinos em Gaza, a maioria com dupla nacionalidade, sem fornecer números específicos.

Na última quarta-feira, a Casa Branca disse que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, renovou as discussões com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, para garantir a passagem segura de estrangeiros e de palestinos com dupla cidadania.

·         Ninguém sai, quase nada entra

Mas a passagem de Rafah, agora a única rota de saída do território desde que Israel impôs um bloqueio total a Gaza, continua fechada.

Nos últimos dias, apenas alguns caminhões que transportavam ajuda humanitária urgentemente necessária foram autorizados a entrar na Faixa de Gaza vindos do Egito. E na noite de sexta-feira, as forças israelenses intensificaram seus ataques aéreos e expandiram suas operações terrestres.

Israel fechou todos seus pontos de passagem com Gaza após os ataques terroristas do grupo fundamentalista islâmico Hamas em 7 de outubro, que mataram mais de 1.400 israelenses nas comunidades do sul próximas à Faixa de Gaza. Pelo menos 229 pessoas foram sequestradas e estão sendo mantidas como reféns no enclave sitiado.

Em retaliação, Israel tem bombardeado Gaza com ataques aéreos e de artilharia. Segundo as autoridades locais, a ofensiva israelense já matou mais de 8 mil pessoas em três semanas.

O Hamas é classificado como uma organização terrorista pela União Europeia, Estados Unidos, Alemanha e outros países.

·         "Bombardeio ininterrupto"

Mathkour e sua família moravam em uma área ao norte da Cidade de Gaza, perto da fronteira israelense. Quando a guerra começou, a família se mudou rapidamente para um hotel no centro da Cidade de Gaza, uma área considerada relativamente segura em combates anteriores.

Mas, desta vez, os militares israelenses ordenaram a evacuação dos hotéis – bem como de todo o território no norte de Gaza, que inclui a Cidade de Gaza, orientando os palestinos que vivem nessa região a se dirigirem ao sul do enclave.

Como dezenas de milhares de outros residentes, Mathkour e sua família foram para a cidade de Rafah, no extremo sul – mas nem ali se sentem mais seguros.

"A noite passada foi um inferno. Foi a pior de todas as noites que já vivemos desde que chegamos a Rafah", disse Mathkour na sexta-feira. "Foram bombardeios ininterruptos a partir dos tanques, e alguns bombardeios próximos sacudiram a casa inteira. Imagine como estávamos apavorados."

Por outro lado, Mathkour também teme a difícil escolha que terá que fazer se a passagem fronteiriça for aberta. Somente aqueles com dupla cidadania e seus parentes mais próximos estarão nas listas de evacuação, e muitos de seus amigos e vizinhos não terão essa opção.

"Também me sinto mal porque as pessoas se voltam para mim e me fazem perguntas, porque tenho dupla nacionalidade", diz. "Mas e os outros? Por que o mundo não está olhando para eles?"

·         "Nosso foco, mente e espírito estão em Gaza"

A um mundo de distância, na Cidade Velha de Jerusalém Oriental, anexada por Israel, o chef palestino Izzeldin Bukhari teme por seus parentes em Gaza, entre eles sua irmã.

"Estamos todos muito preocupados com o que está acontecendo em Gaza. Nosso foco, mente e espírito estão em Gaza", disse. "Sete da manhã é realmente um momento assustador, porque esperamos notícias da minha família. É muito desgastante, exaustivo. Não tem como tirar isso da cabeça."

A maior parte da família de sua mãe vive em Gaza, mas ele não consegue visitá-los há mais de 16 anos. Israel e, em parte, o Egito mantiveram um fechamento rígido do território governado pelo Hamas, e, para os palestinos de Jerusalém Oriental ou da Cisjordânia ocupada, tem sido difícil obter permissão das autoridades israelenses para entrar em Gaza.

A família de Bukhari morava em Rimal, um bairro de luxo no centro da Cidade de Gaza, que, segundo informações, foi duramente atingido neste conflito. "Minha tia foi morta em Rimal, ela tentou sair três vezes, mas houve muitos ataques, então eles tiveram que voltar para casa", disse Bukhari. "As pessoas se movem de um lugar para outro, esperando que haja um abrigo melhor."

A maioria de seus parentes se deslocou para o sul da Faixa de Gaza. Mas manter contato tornou-se cada vez mais difícil, pois as redes de comunicação ficaram fracas devido à falta de eletricidade e aos danos generalizados à infraestrutura.

"Minha irmã lá tem vários cartões SIM. Ela continua tentando, e nós também tentamos em horários diferentes do dia. No início da guerra, havia mais comunicação." Agora, afirma Bukhari, há muito menos, mas "temos que continuar tentando".

Na noite de sexta-feira, o exército israelense expandiu sua operação terrestre, e as redes telefônicas e de internet foram amplamente desativadas. Um dia antes, Mathkour dissera que a vida que ela conhecia em Gaza provavelmente se foi para sempre. "Tudo o que esperamos é continuar vivos."

 

Fonte: BBC News Mundo/Deutsche Welle

 

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