A solução dos problemas sociais tem sido direcionada:
“É mais neoliberalismo”
A exacerbação das desigualdades sociais no Brasil, manifesta na disparidade de renda, no desemprego e na fome, são consequência da
subordinação brasileira ao imperialismo no contexto do capitalismo financeirizado em curso há quatro décadas no país.
“O Brasil perdeu, como os cepalinos gostam de dizer, a capacidade de
decisão dos centros internos decisórios. Isto é, a capacidade de manipular
a política monetária, fiscal, cambial, com destino ao
desenvolvimento. Isso se perdeu. A exacerbação do desemprego, de alguma
forma, reflete essa incapacidade”, constata Lucas Crivelenti e Castro, autor de Novíssima dependência: a
subordinação brasileira ao imperialismo no contexto do capitalismo
financeirizado (Dialética, 2021), finalista do 64º Prêmio
Jabuti na categoria Ciências Sociais, em 2022.
Apesar da crítica
progressista à financeirização e ao neoliberalismo, “as reformas da equipe econômica do
governo Lula e a Reforma Tributária estão inseridas no contexto neoliberal.
As capacidades colocadas no debate são muito limitantes e seria preciso
verificar quais são, de fato, os interesses sociais que estão postos para a
sociedade”, diz na entrevista a seguir concedida por telefone ao Instituto
Humanitas Unisinos – IHU.
>>>> Confira
a entrevista.
·
Quais são os fatores que
contribuíram para que o capitalismo brasileiro se tornasse dependente? Por que
este continua sendo um problema atual no país?
Lucas Crivelenti e Castro
– O capitalismo brasileiro tem uma perspectiva histórica de ser
dependente, como dizia o historiador marxista Caio Prado Júnior, que reflete sobre a formação do Brasil contemporâneo a partir da
estrutura formada em torno da colonização portuguesa no país. Nesse sentido,
desde o Brasil Colônia o país tem um viés formativo de uma economia
voltada à valorização do capital, que era acumulado no centro do capitalismo
dos países hegemônicos. Naquele período, Portugal mantinha relações
com a Inglaterra, que assumia o papel hegemônico no mundo, e boa parte do
capital extraído no Brasil foi acumulado na Inglaterra.
Florestan Fernandes compreende o processo do capitalismo
dependente como um processo de dupla articulação que tem fases diferentes na
história. Esse processo de dupla articulação nada mais é do que
uma desigualdade econômica no plano interno da economia brasileira e
uma subordinação ao imperialismo. A dupla articulação é renovada e
retroalimentada nas diferentes fases da história brasileira, desde
o Brasil Colônia, no processo de Independência, quando o Brasil passa
por um processo neocolonial de subordinação à Inglaterra, e, posteriormente, no
século XX, ela é novamente renovada no processo de industrialização e no
capitalismo monopolista a partir do governo Juscelino Kubitschek e
da ditadura, quando ocorre a transferência de multinacionais para o país.
Ao longo de todo esse período histórico existe um processo de capitalismo
dependente e subordinação aos países centrais. Essa é a origem da teoria da dependência brasileira, na minha análise.
Existem outras vertentes
teóricas que explicam a dependência, como a teoria marxista da
dependência, nas interpretações de Ruy Mauro Marini e Theotônio dos Santos. Além dessa perspectiva marxista, existe o
viés cepalino desenvolvido por Celso Furtado, que seria uma continuação da teoria
elaborada por Raúl Prebisch, economista argentino que diferenciava o
capitalismo central e o periférico. Também existe a vertente mais complicada,
elaborada por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, segundo
a qual, resumidamente, o país não teria alternativas e teria que se aliar ao
capitalismo central no processo de subordinação. Na teoria deles sobre a
dependência, o eixo central é a aliança ao capitalismo via transferência de
multinacionais porque o processo de desenvolvimento não se daria
no capitalismo periférico.
A minha perspectiva de
análise mescla alguns aspectos da teoria cepalina, outros da abordagem do Theotônio
dos Santos, mas centraliza-se, sobretudo, na teoria elaborada
por Florestan Fernandes, que tem como origem primordial Caio Prado
Júnior.
·
A novíssima dependência
brasileira, segundo sua análise, é a financeirização. Por que a inserção do
Brasil na financeirização foi e é subalterna e quais são os fatores internos e
externos que levaram à dependência em vigor hoje?
Lucas Crivelenti e Castro
– Extraio a expressão “novíssima dependência” da obra de dois
autores, José Luís Fiori e Décio Saes, da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), que analisam, a partir desse termo, a situação
brasileira no contexto de inserção da globalização. Para analisar os
fatores internos e externos dessa dependência, foi preciso analisar o quanto a
classe dirigente local modificou o marco civil regulatório do país para a
execução da política econômica, ou seja, como isso foi realizado ao longo das
décadas de 1990, 2000 e 2010. Esse processo começa com o impulsionamento
da industrialização periférica no contexto da ditadura, feito através
de poupança externa, que nada mais é do que a utilização de capital via capital
estrangeiro direto ou empréstimo de dívida, e que redundou na crise da dívida
externa na década de 1980.
Nesse contexto, a classe
dirigente local permitiu, por meio de modificações nas leis e regulações
internas, a vinculação interna aos empréstimos estrangeiros. Esse contexto muda
na década de 1990. Antes, tinha-se a perspectiva de a dívida externa ser de
contratação de empréstimo. Na década de 1990, após a renegociação da dívida
externa o Brasil emitiu títulos e a dívida externa foi securitizada e
transformada em títulos públicos e, a partir do Plano Real, que é
contemporâneo a esse processo da dívida externa – ambos de 1994 –, o Brasil
insere-se, mais efetivamente, no processo de subordinação do capitalismo via
emissão de títulos públicos.
O Plano
Real nada mais foi do que o atrelamento da nova moeda ao dólar por meio de
um mecanismo denominado ancoragem cambial, que é a emissão de títulos
públicos com taxas de juros elevadíssimas para atrair o capital
externo, dólar principalmente, e a liberalização do setor externo da economia
brasileira, tanto a conta da balança comercial quanto a conta de capital para
assegurar a dupla mobilidade de capitais, isto é, tanto de entrada quanto de
saída. Esse processo foi feito pela classe dirigente local em diferentes
governos. Começou no governo Collor; Fernando Henrique deu um
grande passo nessa direção; e o primeiro governo Lula ratificou
a liberalização da saída de capitais, isto é, foi ele que concluiu esse
processo. É este o sentido das questões internas que explicam a novíssima
dependência.
>> Fatores externos
No plano externo, pode-se
dizer que a novíssima dependência fazia parte da predominância do
discurso neoliberal monetarista de âmbito hegemônico, sobretudo desde
a crise dos 30 anos gloriosos e do fim do regime fordista nos anos 1970, que
atingiu os países subdesenvolvidos de maneira mais consolidada nos anos 1990.
Isso se prolonga e se eleva com bastante intensidade ao longo dos anos 1990,
2000 e 2010. Mesmo com a crise do subprime que se
espalhou pelo mundo em 2008, o processo de relações liberalizadas e de
movimentação de capitais se intensificou. Ou seja, no plano externo a hegemonia
do princípio liberal monetarista surge como a doutrina soberana no pensamento
econômico dos anos 1970 e 1980 e se dissemina sobretudo no centro do
capitalismo, nos países desenvolvidos, e, dos anos 1990 e 2000 em diante, esse
regime de política econômica monetária é disseminado para os países periféricos
e eles se inserem nesse contexto.
·
Além de apresentar a
novíssima dependência como orquestrada pela classe dirigente nacional, você
aponta para a situação do país, evidenciando que “uma parcela da sociedade
permanece à margem com o crescimento exponencial da taxa de desemprego e do
trabalho informal em decorrência da crise econômica que se prolonga desde
2015”. A partir desse diagnóstico, a novíssima dependência pode ser
compreendida como um projeto de país ao qual o Estado brasileiro aderiu?
Lucas Crivelenti e Castro
– Muito boa essa questão. Este é um longo debate na teoria econômica
brasileira. A vertente cepalina defende que essa questão é uma escolha, sim,
porque teria a possibilidade de desenvolvimento. A análise cepalina é
interessante, mas, no contexto atual, ela é um tanto anacrônica pelas
possibilidades de jogo na economia mundial.
O Brasil é um
país independente, muito grande e tem autonomia de recursos naturais. Essa
vantagem brasileira não é aproveitada porque a finalidade e o objetivo
da financeirização foram colocados no centro. Para responder mais
claramente à sua pergunta, eu diria que tivemos poucas possibilidades no
contexto da economia mundial tal como ela ocorreu sobretudo na passagem do
século XIX para o XX em diante, quando se forma o modelo
imperialista de domínio. Mesmo as nações retardatárias de capitalismo
atrasado estão inseridas no contexto do capitalismo monopolista. Falo sobretudo
dos Estados Unidos, da Alemanha e do Japão, que são países
de capitalismo tardio em relação à Inglaterra e à França. Esses
países já aderiram ao sistema hegemônico, enquanto o Brasil ainda
está num sistema de subordinação.
O processo
desenvolvimentista acontece no Brasil e na América Latina a
partir de 1930, em decorrência da crise de 29, que abriu uma janela de
oportunidade de investimentos. Naquele período, tinha-se a visão de que o
Estado precisaria promover o desenvolvimento. Mas, no contexto de subordinação
ao imperialismo, o desenvolvimento será limitado e não será completo. Não há a
possibilidade de chegar ao nível de um país rico e desenvolvido como as nações
hegemônicas. Por meio dessa limitação histórica, há uma escolha, sim, da classe
dirigente local, nos seus diversos segmentos, de promover o que seria possível.
Posteriormente aos anos
80, quando ocorre a crise do desenvolvimentismo e
da industrialização brasileira, a opção pelo capitalismo desenvolvimentista
foi encerrada de alguma forma. Esse projeto sai de cena porque tinha redundado
no desenvolvimento das forças produtivas, mas com uma sociedade amplamente
desigual, haja vista o que foi o milagre econômico no Brasil entre 1968 e 1973.
O Brasil cresceu em média 10% ao ano nesse intervalo, mas
a concentração de renda e as desigualdades cresceram também
exponencialmente. Os anos 1980 foram conhecidos como a década perdida, mas o
Brasil enfrentou a crise da dívida externa e deu início ao processo
de estímulo à exportação para acumular divisas externas via saldos positivos na
balança comercial para pagar os credores da dívida. Em seguida houve o processo
hiperinflacionário, que foi uma década de transição e, quando chegamos aos anos
1990 e 2000, já não existe mais um plano de desenvolvimento. O Plano
Real foi basicamente uma escolha de abertura comercial e financeira. Além
de controle da inflação, era um projeto de vinculação
à globalização e ao neoliberalismo. Encerra-se, portanto,
qualquer projeto desenvolvimentista.
A consequência foi a
exacerbação da precarização do trabalho, da informalidade, dos níveis
de desemprego sobrelevado – chegou a 14%. Isso se vincula, de fato, à
escolha feita de encerrar o viés desenvolvimentista e se inserir na plataforma
de valorização financeira internacional, como a professora Leda Paulani classifica essa inserção subordinada.
O Brasil perdeu, como os cepalinos gostam de dizer, a capacidade de
decisão dos centros internos decisórios. Isto é, a capacidade de manipular a
política monetária, fiscal, cambial, com destino ao desenvolvimento. Isso se
perdeu. A exacerbação do desemprego, de alguma forma, reflete esta
incapacidade. Por outro lado, repito: devido ao contexto imperialista que surge
na passagem do século XIX para o XX, a possibilidade dada a países periféricos
e subdesenvolvidos é muito limitada, mesmo dentro de um arcabouço de
desenvolvimento.
De alguma forma,
o Brasil está inserido na dualidade de ter desenvolvimento
econômico, mas com uma elevadíssima taxa de
desemprego, informalidade e desigualdade social, que ficou
conhecida, mesmo na teoria cepalina, como heterogeneidade estrutural que
faz a diferenciação entre centro e periferia no plano internacional. No plano
interno, há desigualdade de renda e desigualdades regionais entre setores modernos
da economia, que são avançados, e setores atrasados.
O professor Francisco de Oliveira trata disso na Crítica à razão dualista: o ornitorrinco (Boitempo, 2003). Tanto o atraso quanto
a informalidade e o desemprego fazem parte do avanço do moderno. Era justamente
isso que Florestan Fernandes estava querendo evitar em A
revolução burguesa do Brasil (Contracorrente, 6. ed., 2020), isto é, a
subordinação ao imperialismo e, no plano interno, a proliferação do arcaico e
do moderno que se retroalimentam e geram desigualdades extremas.
Respondendo à pergunta,
diria que foi uma escolha porque esse desenvolvimento não tem como agregar toda
a sociedade brasileira inserida dentro do capitalismo imperialista. Por
outro lado, países subdesenvolvidos e periféricos não têm como sair dessa
armadilha. Estamos inseridos no sistema e essa inserção faz parte do processo
de produção de valor que vai ser acumulado no centro. É uma escolha, mas é uma
impossibilidade ao mesmo tempo. Essa contradição dual faz parte da classe
dirigente que, neste contexto, privilegia o setor moderno.
·
Uma das justificativas
para a configuração do novo marco fiscal do governo Lula foi a necessidade de fazer uma
reverência ao mercado. Qual é o poder do mercado nas economias nacionais? É
possível romper com a dependência da financeirização no atual cenário? De quais
mecanismos o país dispõe para fazer isso?
Lucas Crivelenti e Castro
– Respondendo diretamente, é muito pouco provável romper com a dinâmica
do capitalismo financeirizado no contexto de inserção subordinada e
inserido no contexto de capitalismo imperialista, global, com mobilidade
de capitais. É muito difícil, para não dizer impossível, romper com essa
situação. Para isso, seria necessário, no mínimo, uma reformulação do
capitalismo em âmbito global. Dentro das atuais estruturas e da conjuntura
contemporânea, a atuação do Estado nacional nessa dinâmica é bastante
limitante. Aliás, o Estado, de alguma forma, através da classe dirigente,
escolheu se inserir nesse sistema. Esse foi um processo feito por meio de
mudanças no marco civil regulatório do país. É preciso evidenciar que houve
essa escolha. A partir do momento em que foram feitas essas escolhas, pouca
margem de manobra sobrou.
>> Poder do mercado
O poder do
mercado é total. Com a livre mobilidade de capitais, operadores e grandes
investidores institucionais, como fundos de investimentos, bancos, grandes
conglomerados financeiros de investimento, possuem um poder sobremaneira e
exponencial sobre as economias nacionais, com movimentos especulativos e poder
de quebrar países. Isso ocorreu no fim dos anos 1990, onde, em decorrência de
crises financeiras, países quebraram. O Brasil teve fuga de capitais e precisou
pedir socorro ao Fundo Monetário Internacional (FMI). A modificação
no capitalismo dos anos 1970 em diante vai ganhando poder progressivamente e,
hoje, este poder é total.
O único sistema que
possui legitimidade de enfrentar o mercado são os EUA porque o dólar
é a moeda hegemônica de âmbito global que exerce as três funções da
moeda: meio de troca, unidade de conta e reserva de valor em âmbito global. A
política monetária feita pelo FED, Banco Central americano, tem
autonomia de imprimir moeda, como vem fazendo de alguma forma desde 2008, de
elevar a taxa de juros sem que isso afete a economia local dos EUA e expandir
os gastos públicos.
O mercado
financeiro, de alguma forma, atua juntamente com o governo dos EUA, que tem
consciência de que o dólar exerce esse poder. Os EUA atuam junto com o mercado
financeiro que, independentemente de ter ramificações em diferentes países,
está concentrado em Wall Street. É Wall Street que determina o mundo, de
alguma forma. Os EUA vinculam-se ao mercado financeiro, que, juntamente com o
governo, exerce o papel dominante sobre o restante do mundo, inclusive com
agências de classificação de risco que atuam dentro desse sistema, avaliando o
risco dos países sobre possíveis calotes. Isso gera chantagens sobre as
políticas econômicas que as demais nações devem executar.
A saída, mais uma vez,
é reformular o capitalismo em âmbito global. Se não ocorrer, as
alternativas em jogo serão muito difíceis. Isso tem gerado consequências
sociais, como desigualdades extremas. Precisamos rever este modelo se quisermos
sobreviver enquanto sociedade. Mas isso está fora da agenda por enquanto e não
se verifica nos debates. O que se lança como debate é uma intensificação do
jogo neoliberal, o que acaba concentrando e exacerbando ainda mais as contradições.
Essa é a realidade atual.
·
Que tipo de país está se
configurando a partir da novíssima dependência e que tipo de sociedade está
sendo engendrada ao longo dos últimos 40 anos? A dependência financeira
contaminou mentalmente o modo da sociedade operar e se relacionar, no sentido
de que o critério de rentabilidade está acima de outros nos diferentes estratos
sociais e setores?
Lucas Crivelenti e Castro
– Há um plano ideológico. Não é só um projeto de governabilidade. Há,
dentro da governabilidade, um plano ideológico de inserir formas em que os
indivíduos disseminem esse tipo de pensamento de maneira exacerbada. Essa visão
é uma consequência disso. Somos bombardeados por essas ideologias
rotineiramente, na televisão e na internet. A hegemonia desse discurso está
presente a todo momento, foi se difundindo e se inseriu nas diferentes classes
sociais. No Brasil, infelizmente, de alguma forma o discurso
neopentecostal exacerba esta visão, além de outras pautas conservadoras.
Há também a defesa do empreendedorismo, o discurso do investimento, da meritocracia, de transformar os indivíduos em uma analogia
à empresa. As relações sociais acabam se tornando relações de concorrência
entre indivíduos. Observamos isto inclusive nas classes de renda baixa,
infelizmente.
Além das igrejas
neopentecostais, a grande mídia hegemônica tem um discurso
neoliberal e monetarista de controle da inflação, de austeridade fiscal,
de superávit primário para pagar credores da dívida pública. Nesse discurso,
está inserida a ideia de que a solução para as pessoas são o investimento e a
poupança privada.
·
Os progressistas fazem
críticas à financeirização, mas os governos progressistas não conseguem
apresentar alternativas a esse modelo. Como avalia a presente atuação do
governo Lula frente à novíssima dependência?
Lucas Crivelenti e
Castro – Estamos vivendo um contexto complicado, com ameaça real de fascismo na sociedade. O discurso do campo progressista seria de
enfrentamento a essas questões, mas a sua capacidade de atuação é limitante.
Os governos do PT não saíram dessa lógica; eles a afirmaram. Ao ser
eleito em 2002, Lula deixou claro, na “Carta ao povo brasileiro”, que
seguiria a política macroeconômica de viés neoliberal, quitou a dívida com
o FMI, fez a Reforma da Previdência do setor público, aumentou
o superávit primário e se inseriu neste contexto. O governo da
presidente Dilma fez o ajuste fiscal, tanto em 2011 quanto em 2015, e seguiu uma agenda neoliberal. As
possibilidades são limitantes. Na campanha de 2014, Dilma fez a defesa
do desenvolvimentismo, do keynesianismo e, assim que assumiu o
segundo mandato, elegeu Joaquim Levy e fez a política do Aécio
Neves. De alguma forma, estas iniciativas possibilitaram contrarreformas nos
governos Temer e Bolsonaro.
Por mais que eu veja a
ameaça fascista como um problema a ser enfrentado, de fato o campo progressista
não está dando respostas definitivas a essa ameaça. Muito da expansão
neofascista e reacionária se deve ao ressentimento de
classes que foram totalmente precarizadas no contexto da crise de
2015 em diante. A solução que sempre é direcionada, em todos os governos,
é mais neoliberalismo e isso acaba gerando uma insatisfação na população de
maneira geral, que redunda em discursos perigosos. Isso está acontecendo
na Argentina e a crise está gerando a possibilidade de o
candidato Javier Milei ser eleito.
>> Governo Lula
As reformas da equipe
econômica do governo Lula e a reforma tributária estão inseridas no contexto neoliberal.
As capacidades colocadas no debate são muito limitantes e seria preciso
verificar quais são, de fato, os interesses sociais que estão postos para a
sociedade. A questão da reforma tributária é clara. O que tem sido
posto é a tentativa de condensar impostos que são muito distribuídos. Não há
excesso de tributação, e sim diversas instâncias governamentais diferentes, o
que acaba gerando uma burocracia exacerbada.
O que está sendo proposto
é uma unificação de impostos e não uma reforma progressista de
impostos. Tirando a proposta de taxação de iates, que ainda não está
completamente votada no Congresso Nacional, não há uma proposta de taxação acima
de 27,5% do Imposto de Renda. O imposto no Brasil é regressivo e a
arrecadação se dá sobretudo por meios indiretos. A reforma tributária de viés
social não é feita. A regressividade da tributação é mantida.
O país está cada vez pior
não só pensando no Executivo, mas também no Congresso Nacional. O
Congresso está cada vez mais assumindo um viés reacionário e conservador. Se
analisarmos o histórico dos últimos anos, de 2010 em diante, as pautas
defendidas por este Congresso estão cada vez piores. A capacidade do Executivo
fica limitada pelo Congresso que tem um perfil extremamente reacionário, o que
impossibilita muitas coisas.
Por outro lado, acredito
muito na capacidade de mobilização social. A capacidade dos movimentos
sociais não pode ser descartada, mas, infelizmente, não tem ocorrido porque
o neofascismo ganhou força na rearticulação das ruas pelos movimentos
de extrema-direita que pediram intervenção militar no governo
Bolsonaro. Uma das possibilidades para enfrentar o reacionarismo do
Congresso seria a mobilização social no campo progressista, mas
isso não vem ocorrendo. A nossa capacidade de enfrentamento do discurso
neoliberal e da execução das políticas neoliberais ocorre por meio da ampliação
da democratização e via mobilização social.
Fonte: Entrevista com
Lucas Crivelenti e Castro, para IHU OnLine
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