Semana de 4 dias de trabalho: um ano após adotar modelo, profissionais
brasileiros dizem que produtividade aumentou
A música que encerra o Fantástico, anunciando que o
fim de semana acabou, deixou de ser ouvida com lamento pelo designer Fabio
Duarte, de 37 anos.
Ele diz que começa as segundas-feiras mais motivado
desde que a empresa de finanças digitais onde trabalha, em Ouro Preto (MG),
adotou a semana de quatro dias.
Essa ainda é uma realidade de poucos profissionais,
que esbarra em viabilidade econômica (para não cortar salário) e que não se
adequa a qualquer trabalho, segundo especialistas (leia mais a seguir).
Depois de quase um ano com jornada mais curta,
Duarte conta que se acostumou a render mais de segunda a quinta-feira pela
certeza de poder ter a sexta de folga.
“A agenda fica mais apertada e o foco muda. Você
consegue eliminar a procrastinação porque sabe as pautas que tem de entregar e
consegue ser assertivo. Então, é menos tempo de trabalho, mas um tempo aplicado
de foco muito maior.”
A programadora Júlia da Silva, de 22 anos, também
se sente mais motivada desde que a empresa de produtos digitais onde trabalha,
em Franca (SP), adotou a folga às quartas-feiras, há pouco mais de 1 ano.
"Traz um desejo maior de ter estabilidade e
buscar a carreira aqui dentro. A gente sabe que não vai encontrar isso tão
facilmente no mercado", diz ela.
• Mas
nem todo mundo conseguiu aderir
O presidente-executivo da empresa de Franca, que
foi quem deu a ideia da semana entrecortada por mais um dia de descanso, ainda
trabalha de segunda a sexta.
"Eu tentei, mas não consegui nenhuma vez
(folgar durante a semana). Tem algumas situações, principalmente de clientes,
que acabam acontecendo e a gente precisa trabalhar. Mas pretendo conseguir um
dia", diz Leandro Pires, de 39 anos, à frente da NovaHaus.
• O que
foi preciso mudar
Para administrar a semana mais curta, foi
necessário sair do "piloto-automático" e se reorganizar para incluir
novas atividades na rotina, explica o desenvolvedor de software Gustavo Gomes,
de 24 anos, que trabalha na empresa de Pires.
"Percebi que eu conseguia melhorar meu
desempenho com procedimentos, coisas que antes eu não via porque às vezes a
gente entra nesse piloto-automático. Menos tempo me deu um senso de que eu
deveria me organizar melhor profissionalmente", diz.
Segundo Gomes, nem sempre o dia livre é totalmente
dedicado ao descanso: "Às vezes você precisa se aperfeiçoar para ter uma
performance técnica melhor, mas não tem tempo. Com esse dia a mais é possível
usar exatamente para essa finalidade."
Na empresa de Ouro Preto, a Efí, um dos primeiros
passos para otimizar o tempo dos funcionários foi cortar reuniões em excesso,
diz Evanil Paula, de 42 anos, presidente e fundador.
Também não é possível que todos folguem no mesmo
dia.
"Para mantermos o funcionamento, alguns fazem
plantão enquanto outros se revezam em escalas, folgando na sexta ou na
segunda", detalha o chefe da Efí.
"Mas todos trabalham 32 horas semanais, 8
horas por dia, sem redução de salário ou quaisquer outros benefícios",
destaca.
• A
jornada de 4 dias por semana não tem impedimento legal
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) impõe
limites máximos de jornada e impede a redução de salários, mas não proíbe
diminuição de carga horária.
Somente em casos em que a alteração possa afetar acordos
coletivos, é necessário buscar a chancela de sindicatos dos trabalhadores,
ressalta a advogada Fernanda Borges Darós, sócia da Silveiro Advogados.
Na NovaHaus, de Franca, os funcionários já tinham
um sistema de trabalho flexível quando Leandro Pires propôs as folgas às
quartas-feiras. Começou como um teste previsto para durar quatro meses e depois
virou a regra.
A pandemia foi chave para a mudança, conta o
empresário: "A gente teve que trabalhar perto dos nossos parentes, filhos.
Isso fez com que a gente visse que era necessário passar mais tempo com essas
pessoas".
• E
quando tem feriado?
Quando tem algum feriado durante a semana, os
funcionários da empresa mineira precisam escolher entre a folga semanal ou a
data prevista no calendário. E isso pode gerar alguns desencontros de agendas
entre familiares.
"A minha esposa, por exemplo, não pode
aproveitar a sexta comigo. Então, a sexta se torna minha, não de toda a
família", lamenta o designer Fabio Duarte.
• Folga
dá culpa?
A folga a mais também pode gerar um sentimento de
culpa "se a terapia não estiver em dia", observa o designer.
"Você nunca teve um dia para aplicar nos estudos ou voltar ao inglês. De
repente, tem isso e as desculpas acabam."
Fabio Duarte é designer na Efí e faz home office —
Foto: Arquivo pessoal
Por outro lado, a mudança tem ajudado a atrair e
reter talentos em uma área onde profissionais qualificados estão em falta,
destaca o presidente-executivo da NovaHaus.
"Nosso mercado de tecnologia teve um
hiperaquecimento muito grande. Então, o maior desafio era conseguir manter
nossos talentos trabalhando com a gente, uma vez que tinha tanta demanda por
profissionais do mercado, principalmente internacional", observa Pires.
"Como trabalho com a área da criatividade,
essa janela é muito importante para poder renovar. Buscar referências, novos
estudos. E é muito legal que seja na quarta-feira, bem no meio", diz o
designer Rodrigo Augusto, de 25 anos.
• Mais
testes no Brasil
Até agora poucas empresas no Brasil adotaram a
semana reduzida, a maioria são startups. Na agência de comunicação Shoot, de
Porto Alegre (RS), o formato também completou um ano em 2023. "E não
pretendemos voltar atrás", diz Luciano Braga, um dos fundadores.
Outro exemplo é o da Zee.Dog, marca de produtos
para pets fundada no Rio de Janeiro (RJ). A redução para quatro dias começou em
março de 2020 e foi mantida mesmo depois da venda da empresa para o grupo Petz.
Agora, a ONG britânica 4 Day Week Global pretende
testar o modelo em 30 a 40 empresas brasileiras no segundo semestre deste ano.
As inscrições estão abertas até julho, pelo site
4dayweekbrazil.com, e o experimento deve durar de agosto a dezembro. Por
enquanto, as interessadas em levar os especialistas para dentro de seus
escritórios precisarão contribuir financeiramente com o projeto, com valor
ainda não definido.
A 4 Day Week Global quer ampliar modelo da semana
de 4 dias no Brasil — Foto: Divulgação/Facebook
A equipe, que atua com pesquisadores da
Universidade de Cambridge, da Boston College e do grupo independente de pesquisas
Autonomy, já passou por empresas do Reino Unido, Austrália, Estados Unidos,
Islândia, Portugal, entre outros países.
E defende que a jornada padrão pode cair de 40 para
32 horas semanais sem afetar o rendimento. O lema é 100-80-100: "Pagamos
100% do salário, por 80% do tempo trabalhado, desde que a entrega seja de
100%."
“A pessoa ter um dia (livre) a mais faz com que ela
tenha mais tempo para cuidar da vida dela, então isso certamente aumenta os
índices de bem-estar, saúde mental e felicidade”, diz Renata Rivetti, diretora
da Reconnect Happiness at Work, empresa de consultoria parceira da 4 Day Week
Global no Brasil.
• Não é
para todo mundo
Pode ser conveniente para as startups, mas a semana
de 4 dias ainda não é para todas as áreas.
Em atividades essenciais ou de atendimento ao
público, por exemplo, provavelmente seria necessário investir na contratação de
mais profissionais, avaliam especialistas.
“Essas adaptações seriam mais difíceis em linhas de
produção e na área de logística. Mas é uma tendência e as empresas que se
adaptarem mais rápido e encontrarem soluções para isso terão um diferencial
para atrair e reter talentos", observa o diretor regional da Robert Half
Lucas Nogueira.
O contexto econômico inviabilizaria a adoção em
larga escala da jornada reduzida no país, opina o economista e professor da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) João Rogerio Sanson.
"Esse tipo de discussão tem sido feita em
países com várias vezes a renda por pessoa do Brasil. Se essa renda parar de
crescer ou cair um pouco, ainda há recursos para utilizar em atividades
domésticas e mitigar a situação de quem está em pobreza absoluta. A decisão
coletiva sobre isso, ao final, depende da influência política de cada
grupo."
Fonte: g1
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