terça-feira, 26 de setembro de 2023

Revolta das toalhas: o movimento popular para resgatar praias gregas 'vendidas' a turistas

Em toda a Grécia, moradores estão agindo por conta própria e estirando toalhas na areia para exigir acesso gratuito às suas praias e à natureza, sem ter que pagar caro por isso.

O sol estava quase se ponto num domingo, 3 de setembro, em Paros, uma popular ilha turística na região grega das Cíclades.

Cerca de 50 pessoas estavam na praia de Parikia, perto do principal porto da ilha. Atrás deles, o céu brilhava em um tom laranja profundo sobre o mar azul. De um lado, um icônico moinho de vento erguia-se no horizonte. Do outro lado, uma faixa de espreguiçadeiras pertencentes a um bar se estendia na areia.

Mesmo que você nunca tenha visitado a Grécia, algumas partes dessa cena provavelmente devem soar familiares.

Mas também houve detalhes incomuns naquele dia. Três das pessoas reunidas seguravam uma placa enorme que dizia: “Resgatem a praia”.

Ao lado deles estava um homem com um alto-falante. Enquanto o público assistia, o homem leu em voz alta partes da Constituição grega, que afirma que as praias e outras áreas naturais pertencem aos cidadãos do país.

O protesto fez parte de uma campanha que a imprensa local apelidou de “revolta das toalhas de praia”, na qual moradores exigem acesso gratuito às praias que foram ocupadas por bares e outros negócios que oferecem cadeiras, espreguiçadeiras e guarda-sóis a preços exorbitantes.

O movimento, que começou em Paros, se espalhou por toda a Grécia e chegou até a vizinha Turquia. Ativistas exigem espaço para estender suas toalhas gratuitamente.

A BBC Travel conversou com ativistas e moradores para entender o que são os protestos, por que são importantes e o que esse movimento significa para turistas e residentes locais.

•        Como começaram os protestos

Os protestos começaram em Paros em maio de 2023, quando um grupo de moradores, que já se reunia regularmente para discutir questões ambientais na ilha, começou a discutir como locais onde era possível nadar e tomar sol livremente (sem ter que pagar por uma cadeira) eram cada vez mais escassos.

A mudança é um sintoma de como a ilha se volta cada vez mais aos turistas em detrimento dos moradores locais.

Comércios à beira-mar que instalam espreguiçadeiras e guarda-sóis precisam solicitar licenças ao Ministério das Finanças para usar partes designadas da praia.

Devem ser realizadas verificações periódicas para garantir que estas empresas não ocupam mais espaço do que o permitido por suas licenças. No entanto, os manifestantes alegam que essas verificações raramente (ou nunca) são realizadas.

Como resultado, espaços livres estão se tornando cada vez mais raros.

Os residentes criaram uma página no Facebook chamada Save Paros Beaches (ou Salve as praias de Paros) e começaram a organizar manifestações, pedindo pela repressão destes operadores privados.

Eles também usaram imagens de drones para documentar espreguiçadeiras ilegais, comparando suas localizações com áreas designadas pelo governo.

“Isto mudou as regras do jogo, porque o nível de ilegalidade podia ser visto muito claramente”, disse Nicolas Stephanou, um morador local.

Stephanou diz que seu grupo encontrou lugares onde espreguiçadeiras e guarda-sóis ocupavam até 10 vezes o espaço permitido.

•        Aonde chegaram os protestos

O movimento rapidamente ganhou notoriedade. A manifestação de 3 de setembro marcou o início de uma nova campanha nacional, com diversos protestos com toalhas de praia em diferentes regiões da Grécia no mesmo dia.

Houve manifestações na ilha vizinha de Naxos e em Creta. Mais recentemente, somaram-se as ilhas de Rodes e Egina, bem como a Ática, região continental onde fica Atenas.

O local de protesto de Paros é particularmente simbólico. A praia principal da cidade central da ilha é o local mais procurado por moradores para um mergulho depois do trabalho.

Eleni Andrianopoulou, porta-voz da campanha de Naxos, disse que ela e outros moradores ficaram frustrados com o desenvolvimento excessivo das praias durante vários anos, mas não sabiam como agir.

Depois de saberem do que estava acontecendo em Paros, eles foram imediatamente inspirados a iniciar sua própria campanha no Facebook.

“Acho que esta é uma verdadeira mudança de paradigma para a Grécia”, disse.

•        Por que os protestos são tão importantes?

Muitos gregos sofrem financeiramente há mais de uma década desde a crise ligada à dívida do país e não têm dinheiro para pagar por uma cadeira sempre que vão à praia.

O sol e o mar são parte importante da cultura grega.

O azul da bandeira do país representa o mar Egeu e a maioria dos gregos tem fortes lembranças de infância de verões na praia.

No entanto, ativistas dizem que as praias são só parte de uma luta maior. A Grécia é um dos destinos de férias mais populares da Europa e os manifestantes disseram à multidão reunida nos atos que o excesso de turismo deve ser abordado juntamente com os problemas sociais e ambientais que acarreta.

•        O que está por trás do problema?

O turismo é a maior indústria da Grécia. Em 2021, o país recebeu 15 milhões de visitantes, uma vez e meia a sua população total.

No entanto, muitos gregos afirmam que este boom não foi gerido de forma adequada. Municípios não têm capacidade para controlar o fluxo de visitantes e pouca fiscalização permite que empresas de todos os segmentos contornem as regras.

Além disso, nos últimos anos, sucessivos governos apostaram na indústria do turismo para ajudar a economia do país a recuperar, primeiro da crise financeira de 2008 e depois da pandemia de Covid-19. Políticos promoveram fortemente o país como destino de sol e mar e facilitaram para investidores estrangeiros a abertura de negócios ligados ao turismo.

“Há muito tempo falta supervisão, o que aumentou a impunidade”, disse Efthymia Sarantakou, analista da Universidade de Western Attica.

Sarantakou ressalta que instituições não implementaram mecanismos de controle, deixando algumas empresas livres para se envolverem em comportamentos que classifica como “mafiosos”.

“Há relatos de moradores que foram intimidados por funcionários de bares quando tentaram sentar-se em uma parte livre da praia”.

O prefeito de Naxos, Dimitris Lainos, diz que muitas empresas em sua ilha respeitam a lei.

No entanto, “vimos que o Ministério das Finanças não dispõe do pessoal necessário para realizar os controles adequados”, reconheceu.

•        O protesto está funcionando?

Ao que parece, os protestos estão surtindo efeito.

Graças à atenção da imprensa, autoridades realizaram inspeções em uma das praias mais afetadas de Paros: uma faixa de areia numa área protegida que estava coberta de espreguiçadeiras, embora não houvesse licenças para tanto.

Como resultado, a praia está agora livre de espreguiçadeiras.

No entanto, a situação permanece inalterada nas demais praias.

Novas verificações foram realizadas em Naxos em resposta aos protestos, mas muitos empresários foram alertados antecipadamente e simplesmente retiraram as espreguiçadeiras antes da chegada dos inspetores.

“Quero acreditar que estes protestos levarão a uma maior participação dos cidadãos na gestão dos destinos turísticos e, claro, na gestão dos espaços públicos”, disse Sarantakou.

"Isto só pode ser alcançado Parece que os protestos estão surtindo efeito. Graças à atenção mediática, as autoridades realizaram inspeções numa das praias mais afetadas de Paros: uma faixa de areia numa área protegida que estava coberta de espreguiçadeiras, embora não tivessem sido emitidas licenças para a mesma.

Como resultado, a praia está agora livre de espreguiçadeiras.

No entanto, a situação permanece inalterada nas restantes praias. Novas verificações foram realizadas em Naxos em resposta aos protestos, mas muitos empresários foram alertados antecipadamente e simplesmente retiraram as espreguiçadeiras antes da chegada dos inspetores.

“Quero acreditar que estes protestos levarão a uma maior participação dos cidadãos na gestão dos destinos turísticos e, claro, na gestão dos espaços públicos”, disse Sarantakou. "Isto só pode ser alcançado por meio de melhorias no quadro institucional e nas inspeções."

•        O que vai acontecer?

O pico do verão europeu pode ter acabado, mas os ativistas apontam para os protestos de setembro como o início de um longo trabalho.

Stephanou, da campanha em Paros, diz que o seu grupo quer apresentar uma estratégia completa para um modelo de turismo mais sustentável na Grécia.

“Neste momento os preços estão fora de controle”, disse ele. "A maioria das pessoas não tem dinheiro para ir a um bar ou restaurante. O trânsito é insuportável."

Atualmente, é difícil encontrar casas alugar que não sejam via Airbnb, o que levou à escassez de trabalhadores essenciais, como médicos, enfermeiros e professores.

•        O que o movimento significa para os turistas?

Se as exigências dos manifestantes forem satisfeitas, haverá mais espaço nas praias gregas para banhos de sol gratuitos, algo que muitos viajantes irão gostar.

Em décadas anteriores, muitas ilhas gregas eram conhecidas como destinos econômicos para mochileiros boêmios, e muitos locais sentem que o acesso gratuito às praias corrobora esta reputação tradicional.

Stephanou gostaria que as ilhas Cíclades deixassem de ser promovidas como destino de luxo. “Há uma história incrível aqui, sítios arqueológicos, trilhas para caminhada, bons vinhos e produtos”, disse ele. “Isso pode atrair um visitante mais responsável do que aqueles que simplesmente querem sentar em uma espreguiçadeira tomando um coquetel”.

Os viajantes que não querem contribuir com os problemas do turismo excessivo podem explorar o lado menos conhecido da Grécia, como as oportunidades de caminhadas nas espetaculares montanhas que existem em todo o país, uma ótima atividade fora do pico do verão, quando o tempo está um pouco mais fresco.

No entanto, se você realmente deseja passar um tempo relaxando numa espreguiçadeira, tenha certeza de que elas não vão desaparecer completamente: os ativistas só querem vê-las restritas a áreas licenciadas.

 

Fonte: BBC Travel

 

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