Por que tantos jovens africanos celebram golpes militares em seus
países
Apenas cinco semanas depois do presidente do Níger,
Mohamed Bazoum, ter sido feito refém pelas tropas da sua própria guarda
presidencial, Ali Bongo, do Gabão, também se encontra detido em sua casa, em
mais um golpe militar na África.
A declaração nas primeiras horas de quarta-feira
(31/8) de que Bongo havia sido o vencedor das eleições realizadas no domingo
anterior foi seguida por uma segunda transmissão surpresa na televisão, em que
um grupo de soldados anunciou a tomada do poder na ex-colônia francesa.
A junta militar restabeleceu a conexão com a
internet logo depois. O acesso havia sido cortado pelo governo de Bongo na
véspera da eleição e mantido cortado durante a "opaca" contagem de
votos.
Mais tarde naquele dia, imagens de multidões
celebrando o golpe foram compartilhadas nas redes sociais.
De seu local de confinamento, Bongo compartilhou um
vídeo apelando, em inglês, para que seus amigos internacionais "fizessem
barulho", na esperança de que a pressão externa pudesse reverter os
últimos acontecimentos - uma perspectiva que parece pouco provável nesse
momento.
E apesar de Bongo ter sido pego desprevenido pelo
golpe, a África e o restante do mundo não foram.
A queda de Bazoum no Níger, em 26 de julho, foi um
sinal de que a “epidemia golpista” na África Ocidental e Central ainda não
tinha terminado.
Em janeiro do ano passado, foi a vez do presidente
de Burkina Faso, Roch Marc Christian Kaboré, ser deposto pelos militares - cujo
líder foi posteriormente derrubado por homólogos de baixa patente em 30 de
setembro, apenas oito meses depois.
E antes disso, 2021 trouxe dois golpes de Estado na
África Ocidental. Em maio, o coronel Assimi Goïta, autor de um golpe militar
anterior no Mali, organizou um segundo golpe para reafirmar o seu próprio
poder.
Mais tarde, em setembro, as Forças Especiais da
Guiné marcharam até ao Palácio Sékhoutouréyah, em Conacri, para prender o
presidente Alpha Condé.
E não devemos esquecer o Chade, onde após a morte
em batalha em abril do presidente de longa data Idriss Déby Itno, um conselho
militar interveio para garantir a sucessão do seu filho e, assim, a continuação
do regime.
Mas o que está acontecendo na África Ocidental e
Central – e nas antigas colônias francesas em especial?
Há seis anos, a partida para o exílio do governante
gambiano Yahya Jammeh, derrotado eleitoralmente, deixou todos os países da
África Ocidental sob um regime constitucional multipartidário.
No centro do continente sobreviveram alguns regimes
autoritários, mas a era das conquistas militares parecia ter ficado no passado.
No entanto, nos últimos três anos assistimos a sete
golpes de Estado em cinco países – além da tomada do poder por militares
fortemente armados no Chade.
Existem fatores comuns que criaram as condições
para que os militares sentissem que poderiam intervir com relativa impunidade
e, muitas vezes, com o apoio de uma grande fatia da população urbana,
especialmente de jovens frustrados.
Em grande parte da África Ocidental e Central, os
cidadãos mais jovens ficaram amplamente desencantados com a classe política
tradicional, mesmo com aqueles que foram legitimamente eleitos para cargos
públicos.
Essa desilusão é potencializada por uma série de
questões - a escassez de empregos e até de oportunidades econômicas informais,
tanto para os graduados como para os menos instruídos, a percepção de elevados
níveis de corrupção e de privilégios entre a elite, bem como o ressentimento
face à influência persistente da França na economia de muitas ex-colônias.
Mas há também um profundo ressentimento pela forma
como muitos governantes civis manipularam os processos eleitorais ou as regras
constitucionais para prolongar a sua permanência no poder.
A eliminação dos limites do mandato presidencial -
após alterações controversas às constituições - é uma fonte de sentimentos
especialmente dolorosos.
E tais abusos também minam a autoridade moral de
organismos como a União Africana - ou a Comunidade Econômica dos Estados da
África Ocidental (CEDEAO), muitas vezes rotulada como um "clube dos
presidentes em exercício" - na tentativa de forçar os líderes golpistas a
restaurar o governo civil eleito.
O bloco regional centro-africano ao qual o Gabão
pertence nem sequer tem pretensões sérias de estabelecer ou manter padrões de
governança em todos os Estados-membros.
Mas embora todos esses fatores criem um clima em
que os militares têm se sentido cada vez mais encorajados a tomar o poder,
alegando oferecer um “novo começo”, cada golpe também foi impulsionado por
motivações nacionais ou locais específicas – e a tomada do poder no Gabão não é
exceção.
Muitos gaboneses estavam céticos quanto à decisão
de Bongo de concorrer a um terceiro mandato. Ele chegou ao poder pela primeira
vez por meio de eleições há 14 anos, após a morte do seu pai, Omar Bongo, que
monopolizou a Presidência durante mais de 40 anos.
Havia também sérias dúvidas sobre a sua capacidade
de exercer uma liderança eficaz, uma vez que sofreu um acidente vascular
cerebral em outubro de 2018.
O governo do presidente deposto desenvolveu
programas sérios para modernizar a máquina governamental, diversificar a
economia e combater a desigualdade social e recebeu elogios internacionais
pelos esforços proativos e inovadores para proteger as florestas tropicais e a
rica biodiversidade do Gabão. Houve ainda algumas concessões à oposição
política.
Mas o dinamismo da reforma desvaneceu-se
gradualmente, enquanto o regime se revelou, em última análise, pouco disposto a
expor-se a sérios desafios eleitorais.
Na verdade, desde o início a legitimidade e a
posição política de Bongo foram minadas pela condução opaca das eleições que o
levaram ao poder em 2009. Muitos acreditavam que André Mba Obame, o seu
principal rival eleitoral, tinha sido o verdadeiro vencedor.
E quando ele se candidatou à reeleição em 2016, em
uma disputa acirrada contra o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Jean Ping,
ele só foi declarado vencedor após a divulgação dos resultados oficiais da
região de Haut Ogooué, um feudo político da família Bongo onde foi registrado
um número inacreditável e gigantesco de votos em seu favor.
No entanto, os registos das sessões eleitorais onde
estes supostos votos foram protocolados foram destruídos antes que pudessem ser
verificados.
Nas últimas eleições, Bongo foi declarado vencedor
com 64% dos votos. Ele não permitiu que quaisquer observadores internacionais
monitorizassem a votação e a oposição rejeitou o resultado como fraudulento.
Os militares finalmente intervieram, dizendo que a
eleição "não cumpriu as condições para uma votação transparente, crível e
inclusiva tão esperada pelo povo do Gabão"
Muitos gaboneses saudaram o golpe, que ao mesmo
tempo levanta temores sobre o futuro da democracia em muitos países da África
Ocidental e Central.
Fonte: BBC News Mundo
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