terça-feira, 26 de setembro de 2023

Com assassinato e troca de farpas, Índia, Canadá, Alemanha e China vivem tensões

Com acusação de assassinato e troca de farpas, ÍndiaCanadá, de um lado, e Alemanha e China, de outro, vivem duas tensões diplomáticas diferentes paralelamente à Assembleia-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que ocorre em Nova York, nos Estados Unidos.

No caso da China e da Alemanha, a discussão é referente a democracias e regimes ditatoriais.

·         China e Alemanha

No primeiro caso, a ministra das relações exteriores alemã chamou o presidente chinês Xi Jinping de “ditador”. O que a China respondeu com uma convocação de Pequim ao embaixador alemão no país. A ideia era repreendê-lo pela declaração.

A ministra Annalena Baerbock fez as observações em entrevista durante uma visita aos Estados Unidos.

Quando questionada sobre a guerra da Rússia contra a Ucrânia, ela disse: “Se Putin vencer esta guerra, que sinal isso representaria para outros ditadores no mundo, como Xi Jinping, o presidente chinês?”.

O Ministério das Relações Exteriores da China disse que o país estava “muito insatisfeito” com os comentários de Baerbock e que “se opõe firmemente” a eles.

·         Índia e Canadá

O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, disse, na segunda-feira (18), que as agências de inteligência do país estavam investigando ativamente alegações que ligavam o governo indiano ao assassinato de Hardeep Singh Nijjar, no estado canadense de Colúmbia Britânica em junho deste ano.

A Índia rapidamente rejeitou a afirmação, considerando-a absurda.

Como resposta, o governo indiano expulsou um diplomata canadense do país, agravando ainda mais as relações diplomáticas entre os dois membros do G20.

O caso atrapalhou negociações sobre um potencial acordo comercial bilateral e pode levar a consequências mais sérias entre os dois países.

 

Ø  Índia chama Canadá de “refúgio para terroristas” no mais recente impasse após assassinato de líder Sikh

 

No mais recente episódio de impasse entre Índia e Canadá, Nova Delhi denominou o país da América do Norte de “refúgio seguro para terroristas”. A declaração foi dada após a suspensão de vistos para os cidadãos canadenses e uma resposta a Ottawa, que reforça o envolvimento de autoridades indianas no assassinato de um ativista separatista Sikh.

Em declaração aos jornalistas na quinta-feira (21), o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Índia, Arindam Bagchi, disse que o Canadá precisa “se preocupar com a sua reputação internacional”.

Ele acrescentou: “Se você está falando sobre questões de reputação e danos à reputação, se há algum país que precisa olhar para isso, acho que é o Canadá que é um porto seguro para terroristas, para extremistas, e para o crime organizado.”

As falas do ministro foram seguidas da decisão da Índia de suspender os pedidos de visto para cidadãos canadenses, os quais são considerados uma “ameaça” contra diplomatas no país.

“A questão é o incitamento à violência, a inação das autoridades canadenses, a criação de um ambiente que perturba o funcionamento do nosso alto comissariado e dos consulados, é isso que nos faz parar temporariamente a emissão de vistos ou a prestação de serviços de vistos”, acrescentou Bagchi.

As relações entre os dois países entraram em choque nesta semana após o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, dizer que a Índia estava potencialmente envolvida no assassinato de Hardeep Singh Nijjar, no mês de junho. Hardeep foi um ativista separatista sikh, morto a tiros por dois homens mascarados em Surrey, na Colúmbia Britânica.

A Índia negou veementemente as alegações, chamando-as de “absurdas e motivadas”. Bagchi disse que o Canadá “não forneceu informações específicas” para apoiar as alegações.

O Ministério da Informação e Radiodifusão da Índia emitiu na quinta-feira um comunicado aos canais de televisão, pedindo-lhes que não dessem “qualquer apoio às pessoas que enfrentem acusações graves, como terrorismo ou pertencentes a organizações proibidas por lei”.

O governo indiano há muito que acusa o Canadá de omissão ao lidar com o que diz ser o “extremismo separatista sikh”, que visa criar uma pátria sikh separada, que seria conhecida como Khalistan e incluiria partes do estado indiano de Punjab.

Nijjar apoiou abertamente a criação do Khalistan. A Índia considera os apelos por Khalistan uma grave ameaça à segurança nacional.

Vários grupos associados à ideia de Khalistan estão listados como “organizações terroristas” sob a Lei de Atividades Ilícitas (Prevenção) da Índia (UAPA). O nome de Nijjar aparece na lista de terroristas da UAPA e, em 2020, a Agência Nacional de Investigação Indiana acusou-o de “tentar radicalizar a comunidade sikh em todo o mundo em favor da criação do ‘Khalistan’”.

Várias organizações sikh no exterior afirmam que o movimento está sendo falsamente equiparado ao terrorismo pelo governo indiano e afirmam que continuarão a defender pacificamente a criação do Khalistan, ao mesmo tempo que trazem à luz o que dizem ser anos de abusos dos direitos humanos enfrentados pela comunidade na Índia.

·         A história do Khalistan

Os sikhs já tiveram o seu próprio reino no Punjab e o impulso para a criação do Khalistan remonta há décadas, na época em que a Índia conquistou a independência dos seus governantes coloniais britânicos em 1947.

Quando a Partição dividiu apressadamente a antiga colônia segundo linhas religiosas – enviando muçulmanos para a recém-formada nação do Paquistão, e hindus e sikhs para a recém-independente Índia – Punjab, que foi cortado ao meio, assistiu a alguns dos piores episódios de violência.

Os sikhs sofreram com o derramamento de sangue que se seguiu e a comunidade sentiu-se maltratada na nova nação de maioria hindu, o que levou alguns líderes proeminentes a defender a criação do Khalistan. Ao longo dos anos, surgiram confrontos violentos entre os seguidores do movimento e o governo indiano, ceifando muitas vidas.

Na década de 1980, Punjab testemunhou uma insurgência de uma década por parte de alguns militantes do Khalistan, que cometeram uma série de violações dos direitos humanos, incluindo o massacre de civis, bombardeamentos indiscriminados e ataques a hindus, segundo a Human Rights Watch.

Em operações contra a insurgência, as forças de segurança indianas detiveram, torturaram, executaram e “desapareceram” arbitrariamente dezenas de milhares de sikhs, disse o grupo de direitos humanos. O governo indiano também promulgou uma legislação que facilitou as violações dos direitos humanos e protegeu as forças de segurança da responsabilização por estas violações, acrescentou.

Em 1984, a então primeira-ministra Indira Gandhi ordenou às tropas indianas que atacassem o Templo Dourado de Amritsar – o santuário mais sagrado do sikhismo – para matar separatistas sikh, numa operação que causou enorme indignação na comunidade sikh.

Gandhi foi assassinado pelos seus guarda-costas sikhs na sequência, provocando um novo ataque de violência que matou mais de 3.000 pessoas, a maioria sikhs.

Um ano depois, a violência atingiu o Canadá, quando separatistas sikhs bombardearam um avião da Air India que decolou do aeroporto de Toronto, matando todas as 329 pessoas a bordo, incluindo numerosos canadenses de ascendência indiana.

·         O que está acontecendo agora?

Não há insurgência no Punjab hoje e analistas dizem que os apoiadores do movimento Khalistan permanecem muito à margem na Índia.

No entanto, o movimento continua a suscitar um certo nível de simpatia por parte de alguns sikhs da diáspora global, particularmente no Canadá, na Grã-Bretanha e na Austrália.

Um pequeno, mas influente número desses sikhs apoia a ideia do Khalistan, com referendos realizados periodicamente para chegar a um consenso para estabelecer uma pátria separada.

A morte de Nijjar chocou e indignou muitos membros da comunidade sikh no Canadá, que tem mais de 770 mil membros e é uma das maiores fora da Índia.

A polícia canadense não prendeu ninguém em conexão com o assassinato de Nijjar. Mas em agosto, a polícia disse que investigava três suspeitos e divulgou uma descrição de um possível veículo de fuga, pedindo a ajuda do público.

 

Ø  O desastre de Trudeau na Índia

 

É difícil imaginar qualquer líder mundial que queira compartilhar o pântano da política externa em que o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, se encontra atualmente.

Tendo passado os últimos meses lutando contra acusações de que agiu muito lentamente para responder às sérias alegações de que a China tentou se intrometer nas eleições canadenses de 2019 e 2021, Trudeau se envolveu em uma briga diplomática potencialmente custosa com a democracia mais populosa do mundo, a Índia, exatamente no momento em que ele mais precisa de Delhi. Simplificando, o momento não poderia ser pior.

Na semana passada, Trudeau afirmou no Parlamento que as agências de inteligência canadenses estavam investigando “alegações credíveis” de que “agentes do governo da Índia” executaram o assassinato do líder separatista canadense sikh Hardeep Singh Nijjar fora de um templo sikh na Colúmbia Britânica em junho passado, quando estava sentado em sua caminhonete.

Nijjar liderou um grupo que pressionava pela criação de uma pátria sikh independente no norte da Índia, chamada Khalistan. A Índia negou veementemente a afirmação do Canadá, chamando-a de “absurda e motivada”.

O que surpreendeu os críticos é que Trudeau tornou públicas as alegações antes da conclusão da investigação policial. Isto irritou o governo indiano, que exige que Ottawa apresente provas.

Outra preocupação é a razão pela qual, pouco depois da afirmação ousada de Trudeau, a ministra dos Negócios Estrangeiros, Mélanie Joly, expulsou um diplomata indiano – que ela descreveu como o chefe da inteligência indiana no Canadá e que provavelmente teria conhecimento do alegado assassinato – enquanto a investigação continua. (Entretanto, apesar da intensa pressão da diáspora ucraniana sobre a invasão da Rússia na Ucrânia, Joly não expulsou um único diplomata russo).

Enfrentando acusações de agir muito lentamente no processo de interferência chinesa, Trudeau pode ter sentido necessidade de avançar.

“Dado que o primeiro-ministro passou a maior parte do ano lidando com um escândalo de interferência estrangeira – alegações de que ele sabia sobre a interferência chinesa nas eleições de 2019 e 2021 e fez vista grossa porque ajudou seu partido – não havia como ele permanecer com essa informação. Imagine se descobrisse que ele enterrasse a informação de que um estado estrangeiro assassinou um canadense em solo canadense. Ele estaria acabado”, disse Yaroslav Baran, da Pendulum, uma empresa de análise política e comunicações com sede em Ottawa.

·         Luta diplomática transpacífica

Em uma relação bilateral em rápida deterioração, ambos os lados expulsaram diplomatas. Uma missão comercial canadense foi adiada e as negociações comerciais congeladas. Delhi foi ainda mais longe ao interromper temporariamente o processamento de vistos para cidadãos canadenses e alertar seus cidadãos sobre visitas ao Canadá.

Entretanto, a pressão sobre Trudeau para preencher o vazio de informação está crescendo: “O primeiro-ministro precisa expor o seu caso, imediatamente, para reforçar o apoio às ações do governo, tanto no país como fora”, afirmou o Toronto Globe and Mail em um editorial.

“Os canadenses merecem clareza sobre um assunto tão importante, especialmente tendo em conta o potencial para repercussões diplomáticas e econômicas significativas”.

·         Oh, Canadá!

A Índia é o contrapeso mais importante que o Ocidente tem para a ascensão da China como superpotência dominante do século 21. Isso explica por que o principal aliado do Canadá, os Estados Unidos, está resolutamente indiferente. A administração Biden não pode ser culpada por dar prioridade ao seu relacionamento contínuo com a Índia e o primeiro-ministro Narendra Modi em detrimento da relação bilateral com Ottawa.

Para Trudeau e Joly – sua ex-tenente de Quebec que assumiu o cargo sem nenhuma experiência em relações exteriores – a crise surge logo depois que o governo revelou uma tão esperada e muito alardeada estratégia Indo-Pacífico destinada a tornar as relações com a Índia e a região uma pedra angular da política externa canadense.

A crise atual – que surge depois de uma crise com a China devido à prisão da CFO da Huawei, Meng Wanzhou, em 2018, devido a um mandado dos EUA por alegada fraude bancária e evasão de sanções econômicas contra o Irã – coloca o Canadá em uma posição difícil para reforçar os laços com as duas grandes potências da região. (As acusações contra Meng foram rejeitadas por um juiz federal no ano passado).

Além de perder uma campanha prolongada e dispendiosa em 2020 para obter um dos dois assentos temporários no Conselho de Segurança da ONU, o Canadá está perdendo o seu encanto no cenário internacional como potência média.

 “Isso é grande”, disse Baran. “As relações do Canadá com a China estão congeladas desde que a China raptou dois canadenses em retaliação pela prisão de Meng. A nova estratégia Indo-Pacífico exige um afastamento da China em direção à Índia – um mercado igualmente massivo, mas com a democracia e o Estado de direito incluídos. A Índia era a grande esperança para compensar a China”.

Enfrentando uma eleição entre agora e 2025, Trudeau precisa ter em mente as considerações políticas internas no futuro. Os canadenses de origem indiana representam um bloco eleitoral significativo, quase 4% da população ou 1,3 milhão; mais da metade deles são sikhs, incluindo o líder da oposição minoritária Jagmeet Singh, cujo Novo Partido Democrático mantém no poder os liberais de Trudeau.

Se a relação com a Índia se tornar mais corrosiva, poderá ter impacto na enfraquecida economia canadense: os estudantes indianos representam impressionantes 40% do total de estudantes estrangeiros no exterior, é um dos 10 principais parceiros comerciais do Canadá e a quarta maior fonte de turismo.

Para Trudeau, que sobreviveu a três violações éticas e ficará para a história como o primeiro-ministro canadense a ser considerado culpado por violar as leis federais de ética, a crise ocorre em um contexto de queda vertiginosa dos índices de aprovação, provocada por um teimoso custo de vida e uma crise de habitação.

Um cínico poderá dizer que a divulgação prematura das descobertas explosivas contra a Índia é uma tática para desviar a atenção do processo de interferência da China e das questões internas que se acumulam. Ou que é simplesmente uma ação de amador nos escritórios do primeiro-ministro e das relações exteriores.

Ou – como foi reconhecido terça-feira (19) em um painel do Conselho Atlântico na Assembleia-Geral da ONU – que os principais atores estão cada vez mais inclinados para a repressão transnacional para eliminar ou silenciar os opositores. O Canadá bonzinho, querendo defender a liberdade de expressão em casa, encontra-se inocentemente nas garras das mesmas superpotências que tenta cortejar.

Seja qual for o caso, mesmo para alguém descrito como sendo feito de teflon, as consequências da crise da Índia para Trudeau poderão ser politicamente fatais se não forem tratadas com habilidade – especialmente com o tradicional melhor amigo de Ottawa, Washington, que provavelmente não lançará uma tábua de salvação.

 

Fonte: CNN Brasil

 

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