domingo, 26 de março de 2023


Por que o legado do sábio chinês Confúcio atravessou milênios

Ao longo dos séculos, o pensamento chinês tem sido o produto de uma variedade de influências, entre elas o budismo, o taoísmo e o marxismo.

No entanto, uma tradição esteve acima de todas no pensamento chinês por mais de dois milênios: as idéias do pensador Confúcio (551 a.C. a 479 a.C.).

Embora ele tenha chegado a simbolizar a filosofia chinesa, não teve muito sucesso em vida. Ele viveu durante uma época em que a China que conhecemos hoje era um mosaico de pequenos reinos rivais.

Confúcio desenvolveu uma filosofia política que refletia seu horror ante a guerra constante que o rodeava.

Ele vagou de reino em reino tentando persuadir os governantes a seguir seus ensinamentos, mas nunca conseguiu nada além de um cargo público de baixo escalão.

No entanto, conseguiu um grupo de seguidores dedicados, que transmitiu seus ensinamentos às gerações seguintes.

·         'Obedecer, obedecer, obedecer'

Apenas centenas de anos depois, durante a dinastia Han (206 a.C. a 220 d.C.), o confucionismo, um sistema ético de comportamento e governo, tornou-se o norte que definiria a cultura chinesa nos dois milênios seguintes.

O confucionismo não é uma religião como tal. Ainda que Confúcio não negasse a existência de um mundo espiritual, ele afirmou que era mais importante se concentrar neste mundo enquanto se estava nele.

Refletindo seu desgosto pela guerra, ele declarou que a ordem era um requisito fundamental na sociedade.

Sustentar essa ordem era acreditar na importância das relações hierárquicas.

Os súditos tinham de obedecer a seus governantes, filhos a seus pais e esposas, a seus maridos.

No entanto, Confúcio não queria que essa ordem fosse imposta pela força.

Ele achava que a sociedade deveria ser harmoniosa e as pessoas deveriam ser encorajadas em seu "autodesenvolvimento" para que pudessem aproveitar ao máximo sua posição.

·         O passado e a velhice

Segundo o pensamento de Confúcio, o estado moral de alguém não dependia de sua posição social.

Era possível, e de fato bastante provável, que houvesse bons camponeses ao mesmo tempo que um governante poderia ser perverso ou um aristocrata, cruel.

O pensamento confucionista também se diferenciava do pensamento moderno, na medida em que glorificava o passado e defendia a veneração da velhice.

"Eu sigo o Zhou", disse Confúcio, referindo-se à antiga dinastia que foi considerada uma "idade de ouro" perdida por gerações de governantes chineses.

·         O contrato

No centro do confucionismo há um contrato social: os governados deviam lealdade aos governantes, mas os governantes que não se importavam com o bem-estar do povo perderiam o "mandato do céu" e poderiam ser justamente derrubados.

Confúcio nunca deu aos governantes uma licença para a opressão.

Ao participar do "li" (que é frequentemente traduzido como "ritual", mas na verdade significa algo como "comportamento apropriado"), os humanos provaram ser civilizados, independentemente de sua origem, e podiam aspirar a se tornar "junzi" ("pessoas de integridade") ou mesmo "sheng" ("sábios").

Para isso, a educação era fundamental.

·         Fim de lucro

O pensamento confucionista mudou imensamente com o tempo.

O próprio Confúcio provavelmente não teria reconhecido a maneira como suas ideias foram adaptadas por governantes posteriores.

Apesar da ênfase na ética e na harmonia como a melhor maneira de governar um país, os governantes chineses também garantiram o monopólio do uso da força.

Confúcio desaprovava a busca do lucro como um fim em si, mas da dinastia Song (960 d.C. a 1279 d.C.) em diante, a China viveu uma revolução comercial, e no final do período imperial (1368 d.C. a d.C. 1912) até a ideologia oficial rendeu-se à lógica do lucro.

·         Os traços de Confúcio

O confucionismo não foi um conjunto monolítico de ideias por mais de 2.500 anos. No entanto, seus princípios básicos sustentaram o que significava ser chinês até meados do século 19.

A chegada de influências ocidentais, na forma de comerciantes de ópio e missionários, deu uma sacudida indesejada ao velho mundo do pensamento confucionista.

O pensamento moderno deixou sequelas profundas.

O impacto do nacionalismo e do comunismo, e seu amor inerente pela novidade e pelo progresso, em vez da reverência por uma era de ouro do passado, destruíram muitas das certezas do antigo mundo confucionista.

No entanto, essas idéias não desapareceram completamente.

Na China contemporânea, o governo, que não está mais tão ligado à ideologia de Mao Tse-tung, está buscando a tradição chinesa para encontrar um núcleo moral para o século 21.

O "professor número um", Confúcio, está novamente nos programas escolares.

Os valores de ordem, hierarquia e obrigação mútua permanecem tão atraentes no século 21 quanto no século 5 a.C.

 

Ø  A carta em que Galileu Galilei tentou 'maquiar' ideias 'heréticas' para evitar Inquisição

 

A Igreja Católica condenou Galileu Galilei por heresia em 1633, após uma batalha de quase 20 anos entre o astrônomo italiano e o Vaticano.

Mas a descoberta de um documento mostra como o famoso astrônomo, matemático e físico modificou um texto que ele mesmo tinha escrito para tentar evitar um confronto com a Igreja.

Isto é confirmado por uma carta assinada por "G.G.", segundo o pesquisador Salvatore Ricciardo, da Universidade de Bérgamo, na Itália, que encontrou o documento nos arquivos da Royal Society of London - sociedade científica fundada no século 17 e sediada na capital inglesa - em agosto.

A carta, que contém rasuras e correções, foi escrita e alterada pelo próprio Galilei entre 1613 e 1615, assegura Ricciardo.

Em uma primeira versão dos escritos, o físico combate a doutrina geocêntrica. Ditada pela Igreja Católica, ela pregava que o Sol girava em torno da Terra, e não o contrário, como se confirmou posteriormente.

Em uma versão posterior, Galilei suaviza suas afirmações.

Os historiadores acreditavam que a carta havia desaparecido, mas para Ricciardo, ela esteve o tempo todo no catálogo da Royal Society - arquivada, porém, em um lugar errado.

·         Duas cópias

Galilei escreveu a missiva a seu amigo Benedetto Castelli, matemático da Universidade de Pisa, na Itália, em 21 de dezembro de 1613.

Em um artigo sobre a descoberta de Ricciardo, a revista Nature diz que, no documento, Galilei "expõe pela primeira vez seus argumentos de que a pesquisa científica deve estar livre da doutrina teológica".

"Isso causou uma tormenta", diz a publicação.

Galileu já havia apoiado publicamente a teoria do astrônomo polonês Nicolau Copérnico de que o Sol estava no centro do Sistema Solar.

Numa época em que a maioria das pessoas acreditava que a Terra era o centro do universo, essa nova hipótese era revolucionária - mas também problemática.

Os historiadores sabiam que Castelli havia devolvido a carta a Galileu, segundo a Nature, mas não tinham conhecimento sobre o destino da carta depois disso.

Os historiadores sabiam, entretanto, que havia uma cópia da carta que caiu nas mãos do frade dominicano Niccolò Lorini, que a enviou ao Vaticano em 7 de fevereiro de 1615.

Esta versão está no Arquivo Secreto do Vaticano até hoje.

·         Versão corrigida

Dias depois de Lorini ter enviado a carta transgressora ao Vaticano, Galilei escreveu ao clérigo Piero Dini, em 16 de fevereiro de 1615, dizendo-lhe que a versão nas mãos da hierarquia da Igreja poderia ter sido alterada.

Galileu anexou a Dini uma versão maios branda da primeira carta, assegurando-lhe que esta era a correta e pedindo que ela fosse enviada aos membros do Vaticano.

Até agora, os pesquisadores não sabiam até que ponto a cópia de Lorini teria sido "alterada".

Mas, de acordo com a descoberta de Ricciardo, Galilei teria escrito os dois textos.

"Sob rasuras e correções, a cópia descoberta por Ricciardo mostra o texto original de Galileu, e é igual à versão de Lorini", diz a Nature.

Na versão de Lorini, o físico italiano diz que algumas afirmações na Bíblia "são falsas se alguém é guiado pelo significado literal das palavras".

Na versão suavizada, Galilei riscou a palavra "falsas" e a substituiu por "distintas da verdade".

"A carta de sete páginas fornece a mais forte evidência até agora de que Galileu estava ativamente envolvido no controle de danos (de divulgar suas idéias) e tentou espalhar uma versão atenuada de suas afirmações", diz o texto no site da Nature.

·         Autor verdadeiro?

Ricciardo, em parceria com os pesquisadores Franco Giudice, da Universidade de Bérgamo, e Michele Camerota, da Universidade de Cagliari, compararam o manuscrito com outros que o astrônomo italiano escreveu na mesma época e confirmaram que a versão original também pertence a ele.

"No começo, pensei que poderia ser uma cópia, não uma carta original (...) Mas, quando analisamos, percebemos que realmente era a letra de Galileu", disse Ricciardo ao jornal L'Eco di Bergamo.

A Royal Society confirmou à BBC World que a carta seria de Galileu Galilei.

Ricciardo publicará um artigo científico sobre suas descobertas em breve.

A Nature adverte que alguns historiadores se recusaram a comentar a descoberta antes de ver este artigo, mas cita Allan Chapman, um historiador da ciência da Universidade de Oxford, no Reino Unido, elogiando o achado.

"É tão valioso que nos permitirá obter novos conhecimentos sobre este período crítico (da vida de Galilei e do século 17)", disse à revista.

Em 1632, Galileu publicou o livro Diálogo Sobre os Dois Máximos Sistemas do Mundo Ptolomaico e Copernicano, no qual apresentou os argumentos favoráveis e contrários à teoria heliocêntrica, na forma de uma discussão entre dois personagens.

A Inquisição então convocou o físico a Roma e finalmente o condenou, em 1633, à prisão domiciliar por heresia.

O cientista passou os últimos anos de sua vida sem sair de casa, até sua morte, em 1642.

 

Fonte: Revista BBC History

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