quinta-feira, 9 de março de 2023

O que são as 'ilhas de energia', projeto revolucionário contra dependência europeia de gás russo

Nas águas geladas do Mar do Norte, a Dinamarca procura uma alternativa para se aquecer em seus invernos rigorosos. E, também, para acabar com sua dependência do gás da Rússia — país que vem sendo recebendo sanções da Europa por causa da guerra na Ucrânia.

O governo do país escandinavo anunciou na semana passada que busca acelerar a construção de um projeto energético inédito criado em 2020: as chamadas "ilhas de energia".

São megaconstruções compostas por conjuntos de turbinas eólicas que serão colocadas em uma espécie de ilha artificial e que permitirão à Dinamarca gerar muito mais energia do que a produzida por outros parques eólicos do mundo.

O governo dinamarquês aponta que as ilhas permitirão que essas turbinas eólicas possam ser colocadas mais longe da costa e que o sistema possa distribuir energia a vários países de forma mais eficiente.

Esse é considerado o maior projeto de construção da história da Dinamarca, com um custo estimado de US$ 34 bilhões (R$ 175 bilhões). Ele estava programado para ser concluído em 2030, mas, após o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, o governo dinamarquês acelerou as obras.

"A Dinamarca e a Europa devem se libertar dos combustíveis fósseis russos o mais rápido possível", disse o ministro do Clima, Energia e Utilidades, Dan Jørgensen.

Ele assegurou que as ilhas energéticas são um "caminho verde" para deixar de financiar a guerra de Putin com dinheiro europeu, uma vez que, na sua opinião, o Mar do Norte tem potencial eólico suficiente para cobrir as necessidades energéticas de milhões de lares europeus.

"Esse enorme potencial eólico offshore precisa ser aproveitado e, por isso, o governo dinamarquês está começando os preparativos para criar ilhas de energia adicionais ao lado das já planejadas."

•        Energia limpa

Segundo dados oficiais, quase 49% do total de energia produzida pela Dinamarca vêm de fontes eólicas. A Agência Internacional de Energia estima que cerca de 16% da geração do país depende atualmente da Rússia (em 2016, parcela era 34%).

A Dinamarca tem uma longa história de aproveitamento de ventos fortes marítimos para produzir eletricidade: foi o primeiro país do mundo a construir um parque eólico offshore em 1991.

Por causa da Lei do Clima aprovada pelo Congresso em 2019, Copenhague se comprometeu a reduzir em 70% as emissões de gases de efeito estufa até 2030 e ser neutra em carbono até 2050.

Em dezembro passado, o governo anunciou que encerraria todas as novas explorações de petróleo e gás no Mar do Norte.

•        As novas ilhas do Mar do Norte

Mais de 400 ilhas naturais fazem parte da Dinamarca, incluindo a Groenlândia, mas o país agora quer adicionar ilhas artificiais para fins energéticos.

A construção das primeiras "ilhas de energia" foi anunciada em meados de 2020.

Na época, a Agência Dinamarquesa de Energia disse que seriam as primeiras de seu tipo no mundo e que estavam procurando explorar os "imensos recursos eólicos nos mares do Norte e Báltico".

"As ilhas servirão como centros que podem criar melhores conexões entre a energia gerada a partir da energia eólica offshore e os sistemas de energia na região ao redor dos dois mares", disse a agência.

Calcula-se que as turbinas eólicas offshore ao redor das ilhas serão capazes de fornecer eletricidade sustentável a pelo menos cinco milhões de residências.

"As ilhas de energia marcam o início de uma nova era para a geração de eletricidade a partir da energia eólica offshore", disse a agência.

De acordo com o plano, a primeira parte do projeto envolve o estabelecimento de uma ilha artificial no Mar do Norte que servirá de hub para parques eólicos offshore fornecendo 3 GW de potência, com um potencial de expansão a longo prazo de 10 GW.

O outro hub, menor, será colocado no Mar Báltico, na ilha de Bornholm, e deverá produzir 2 GW de energia.

Para produzir 1 GW são necessários atualmente aproximadamente 3.125 milhões de painéis fotovoltaicos, equivalente à energia de 110 milhões de lâmpadas LED, segundo dados do Departamento de Energia dos EUA.

•        Igual, mas diferente

As duas ilhas de energia são baseadas no mesmo conceito fundamental, mas elas não serão idênticas.

O hub do Mar Báltico será estabelecido em uma ilha existente, o que significa que ele estará em terra: eles o definem como uma "ilha dentro da ilha".

Já o hub do Mar do Norte será construído em uma ilha artificial, originalmente planejada para ter o tamanho de 18 campos de futebol, mas reformulada para ser três vezes maior.

Como o projeto é "infraestrutura crítica" para o país, o governo anunciou que controlará pelo menos 50,1% das ilhas e o restante ficará com empresas privadas.

O projeto prevê fornecer eletricidade não apenas aos dinamarqueses, mas também às redes elétricas de outros países vizinhos.

O professor Jacob Ostergaard, da Universidade Técnica da Dinamarca, disse à BBC no ano passado que países como Bélgica, Reino Unido, Alemanha e Holanda também podem se beneficiar.

•        Um novo conceito

Ostergaard observa que a ideia de ilhas de energia é um conceito "revolucionário".

"É o próximo grande passo para a indústria dinamarquesa de turbinas eólicas. Nós lideramos em terra, depois demos o passo offshore e agora estamos dando o próximo passo com ilhas de energia, para manter a indústria dinamarquesa em uma posição pioneira", opina.

Atualmente, a maioria dos países que utilizam fontes eólicas o fazem por meio de parques de turbinas isolados, que fornecem energia diretamente à rede elétrica.

Segundo a Agência Dinamarquesa de Energia, com a criação das ilhas, as turbinas eólicas podem ser colocadas mais longe da costa e distribuir a eletricidade gerada a vários países de forma mais eficiente.

As ilhas servem como hubs, ou usinas de energia sustentável, que coletam eletricidade dos parques eólicos offshore e a distribuem para a rede elétrica.

"Isso permite que a eletricidade de uma área com muitos recursos eólicos seja mais facilmente direcionada para as áreas que mais precisam, garantindo ao mesmo tempo que a energia gerada pelas turbinas seja usada da maneira mais eficiente possível em termos de demanda de eletricidade."

O projeto, no entanto, também recebeu vários questionamentos, principalmente por causa de seu alto custo — o mais alto que a Dinamarca já pagou por uma obra.

Empresas de energia locais, como Ørsted, também questionaram a eficácia da construção de uma ilha artificial, um método nunca antes explorado.

Outra crítica é sobre a grande distância das ilhas para o litoral, o que pode dificultar as operações, principalmente devido às condições climáticas e ao impacto no ecossistema marinho.

A possibilidade de o país concluir a obra no prazo ou de acelerá-la, como o Ministério da Energia já solicitou, também foi questionada devido ao tamanho do projeto.

•        Projeto para a Europa

Não está claro no momento como ou onde ficarão as novas ilhas anunciadas na semana passada pelo governo dinamarquês, mas eles disseram que seu objetivo é contribuir para o fluxo de energia para a Europa.

A Dinamarca espera discutir a potencial expansão das ilhas energéticas com representantes de outros países da União Europeia em 18 de maio, quando acontecerá uma reunião ministerial em Esbjerg, no sul do país, sobre as potencialidades energéticas no Mar do Norte.

"A UE precisa se tornar independente dos combustíveis fósseis russos o mais rápido possível e o melhor caminho a seguir é que os países europeus trabalhem juntos para acelerar obras de energia renovável no Mar do Norte", diz o ministro da Energia dinamarquês.

Em novembro passado, a União Europeia anunciou planos para aumentar a capacidade eólica offshore do bloco em 25 vezes até 2050 e cinco vezes até 2030.

As energias renováveis fornecem cerca de um terço das necessidades atuais de eletricidade do bloco.

De acordo com dados da UE, a energia eólica offshore fornece atualmente cerca de 12 gigawatts para os países da região.

 

       A 'superturbina' submarina que é aposta do Japão para futuro da energia

 

O Japão busca uma fonte "inesgotável" de energia em um dos lugares mais improváveis: as profundezas dos oceanos.

O país asiático anunciou que concluiu de forma bem sucedida a fase de testes (de três anos e meio) de uma superturbina tida como boa alternativa para transformar a produção de energia no Japão e no resto do mundo.

O projeto, batizado de Kairyu, é pioneiro ao utilizar as correntes marinhas para gerar energia, e especialistas envolvidos dizem que se trata de uma das fontes naturais mais poderosas e menos usadas atualmente.

E embora o Sol, usado para painéis solares, se ponha e os ventos, usados para turbinas eólicas, variem, as correntes marítimas seguem um fluxo constante de forma quase permanente. E é por isso que as empresas por trás do projeto chamam sua fonte de verdadeiramente "inesgotável".

O grande desafio durante décadas para os japoneses foi como projetar um gerador capaz de suportar as fortes correntes que passam perto de suas costas.

Desde 2017, a IHI Corporation se uniu à New Energy and Industrial Technology Development Organization (Nedo) para testar projetos.

Eles finalmente conseguiram fazer um modelo funcionar por mais de três anos: o Kairyu.

O gerador foi capaz de produzir consistentemente 100 quilowatts de energia durante esse período, o que animou as empresas a lançar um projeto ainda maior.

A ideia é estender o Kairyu para transformá-lo em uma estrutura gigantesca de 330 toneladas que buscará gerar 2 megawatts de energia. Eles preveem que estará operacional, de forma realmente viável, até 2030.

Mas especialistas apontam diversos obstáculos para essa tecnologia, como custos elevados, dificuldades logísticas e falta de experiência do país em operações offshore.

•        Como é o Kairyu?

Kairyu, cujo nome significa "corrente oceânica" em japonês, apresenta uma estrutura de 20 metros de comprimento acompanhada por um par de cilindros de tamanho semelhante.

Cada um dos cilindros possui um sistema de geração de energia conectado a uma turbina de 11 metros de comprimento.

O aparelho será conectado ao fundo do mar por uma espécie de âncora e um cabo de força, que servirá também para transportar a energia gerada até o continente.

Conforme explicado em seu site da IHI Corporation, o design significa que o dispositivo pode ser movido, levantado ou abaixado, para encontrar a orientação da corrente mais eficiente para a geração de eletricidade.

O Kairyu foi projetado para flutuar cerca de 50 metros abaixo do nível do mar.

A força da água faz girar as lâminas da turbina colocadas em direção oposta, o que, juntamente com uma série de sensores de posição, faz com que o dispositivo permaneça relativamente estável, apesar dos movimentos dramáticos da água nessa área.

A nova superturbina será colocada na chamada corrente Kuroshio, uma corrente oceânica que flui do leste da costa japonesa na direção nordeste a uma velocidade de 1 a 1,5 metro por segundo.

A empresa por trás do projeto estima que, se a energia presente pudesse ser aproveitada em outros empreendimentos de Kairyu, seria possível gerar cerca de 200 gigawatts de eletricidade, valor que representa 60% do que o país consome atualmente.

•        O desafio energético do Japão

O Japão é um país altamente dependente de combustíveis fósseis importados para geração de energia. Segundo dados oficiais, o país importa mais de 99% de seu petróleo bruto e cerca de 98% de seu gás natural, principalmente do Oriente Médio.

Embora tenha diversas usinas nucleares, essa forma de geração se tornou amplamente impopular no país após o acidente de Fukushima em 2011, um dos piores da história.

Se antes daquele ano a energia nuclear representava um terço de tudo o que era produzido no Japão, hoje é menos de 4%.

Os combustíveis fósseis são hoje a fonte de onde se obtém um terço da energia consumida pelo Japão, embora nos últimos anos o país também tenha começado a experimentar fontes naturais, que atualmente representam 18% da geração de energia, segundo dados oficiais.

No entanto, o país enfrenta um "inimigo natural" para um maior compromisso com as fontes renováveis: sua própria geografia.

Sendo um arquipélago montanhoso, o Japão não possui grandes espaços que possam ser utilizados para campos de turbinas eólicas ou painéis solares e, por estar distante de outras nações, é mais difícil comprar energia em outros territórios.

Mas em sua geografia há amplas zonas costeiras e fortes correntes marítimas, e por isso estas aparecem há décadas nos planos de várias empresas. Mas há diversos obstáculos para tirá-los do papel.

•        Os obstáculos

Embora o Kairyu seja o primeiro grande projeto que busca gerar eletricidade a partir das correntes oceânicas, não é o primeiro a tentar usar os movimentos do mar para geração de eletricidade.

No ano passado, o Reino Unido colocou em operação a chamada Orbital O2, uma turbina flutuante que gera energia a partir das marés e tem sido capaz de produzir 2 megawatts de eletricidade.

Embora a mídia japonesa tenha sido otimista em relação ao Kairyu, eles também reconhecem que os desafios futuros são enormes.

Apesar do interesse global nessa fonte de energia renovável relativamente subutilizada, tentativas anteriores de extrair eletricidade das marés, ondas e correntes do oceano aberto acabaram fracassadas.

Entre os principais obstáculos estão os elevados custos de construção de uma estrutura deste tipo e a sua colocação em mar aberto, os problemas ambientais que pode gerar e os perigos da proximidade entre as zonas costeiras e a rede elétrica.

As próprias características físicas das correntes marítimas são um problema para a ideia: elas tendem a ser mais fortes perto da superfície, que é também a área onde é mais sentida a força dos tufões que geralmente atingem o Japão todos os anos e que podem afetar a turbina.

Embora o teste de mais de três anos tenha conseguido manter um fluxo de energia estável, sua capacidade de geração ainda é muito pequena em comparação com outras fontes de energia renovável que passaram por maior desenvolvimento tecnológico nos últimos anos.

Especialistas no assunto ouvidos pela agência de notícias Bloomberg indicaram que o Japão tem pouca experiência em construção offshore, o que também deixa dúvidas sobre a viabilidade do projeto, que exige obras no fundo do mar.

Estando longe da costa e em condições muitas vezes hostis devido às correntes, receia-se também que a sua instalação, operação e manutenção impliquem custos excessivamente elevados que poderão, por sua vez, refletir nos preços da energia gerada.

Os fabricantes, no entanto, estão otimistas.

"A Nedo espera que a geração de eletricidade pelas correntes oceânicas se torne uma nova fonte de energia renovável", diz a empresa.

 

Fonte: BBC Future

 

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