terça-feira, 28 de março de 2023

O que população em queda significa para ambições econômicas da China

Crystal (nome fictício) mora em Pequim, na China, e tem 26 anos de idade. Ao contrário da maioria das mulheres chinesas das últimas gerações, ela não é casada e não enfrenta atualmente nenhuma pressão para formar família.

Quando pergunto o motivo, ela ri: "Acho que é porque meus parentes nunca se casaram ou são divorciados".

Esse parece ser um sentimento comum entre as mulheres que moram nas cidades chinesas.

Uma pesquisa da Liga da Juventude Comunista da China, realizada em 2021, entrevistou quase 3 mil pessoas com 18 a 26 anos de idade. Mais de 40% das mulheres jovens que moram nas cidades não tinham planos de se casar. Já entre os homens, eram menos de 25%.

Os motivos incluem o aumento dos custos da criação dos filhos e os fantasmas da política chinesa do filho único.

"Ter apenas um ou nenhum filho tornou-se o padrão social na China", segundo Yi Fuxian, cientista sênior em ginecologia e obstetrícia da Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, e conhecido crítico da política do filho único.

Ele acrescenta que "a economia, o ambiente social, a educação e quase tudo o mais se refere à política do filho único".

Para Pequim, a tendência é preocupante, já que a população chinesa está diminuindo. Sua taxa de natalidade vem se reduzindo há anos, mas, em 2022, sua população caiu pela primeira vez em 60 anos.

Essa é uma má notícia para a segunda maior economia do mundo. A quantidade de trabalhadores está diminuindo e o envelhecimento da população começa a pressionar os serviços de previdência social do Estado.

A população chinesa em idade de trabalhar - entre 16 e 59 anos de idade - soma atualmente cerca de 875 milhões de pessoas, que representam pouco mais de 60% do total de pessoas do país. Espera-se que esse número caia ainda mais, em 35 milhões, ao longo dos próximos cinco anos, segundo uma estimativa oficial do governo chinês em 2021.

"A estrutura demográfica da China em 2018 era similar à do Japão em 1992", afirma Yi. "E a [estrutura demográfica da] China em 2040 será similar à do Japão em 2020."

Até o ano passado, muitos economistas consideravam que o crescimento chinês ultrapassaria o dos Estados Unidos até o final da década. Essa mudança iria coroar a extraordinária ascensão econômica do país.

Mas Yi afirma que isso agora parece improvável. Segundo ele, "em 2031-2035, a China terá números abaixo dos Estados Unidos em todas as medidas demográficas e em termos de crescimento econômico".

•        Pressão sobre as aposentadorias

A média de idade atual na China é de 38 anos. Mas, à medida que a população envelhece e as taxas de natalidade diminuem ainda mais, surgem preocupações de que, um dia, os trabalhadores chineses não consigam mais sustentar as pessoas que já se aposentaram.

A idade de aposentadoria para os homens na China é de 60 anos e, para as mulheres, de 55. Atualmente, as pessoas com mais de 60 anos já compõem um quinto da população.

No Japão, a velocidade de envelhecimento da população é uma das maiores do mundo e cerca de um terço da população tem 65 anos de idade ou mais.

"O envelhecimento da população não é algo exclusivo da China, mas a pressão sobre o sistema chinês de aposentadoria é muito maior", afirma a economista Louise Loo, da empresa Oxford Economics.

Segundo ela, o número de aposentados já é maior que o de contribuintes, gerando uma queda das contribuições para os fundos de pensão desde 2014.

O sistema de aposentadoria do país é administrado em nível provincial. As pessoas pagam enquanto trabalham - ou seja, as contribuições dos trabalhadores da ativa pagam as pensões dos aposentados.

Sabendo das dificuldades do sistema, Pequim criou um fundo em 2018 para transferir os superávits das Províncias mais ricas, como Guangdong, para os lugares que enfrentam déficits.

Mas, em 2019, um relatório da Academia Chinesa de Ciências Sociais previu que, devido à redução da quantidade de trabalhadores ativos, o principal fundo de pensão do país se esgotaria em 2035.

No ano passado, a China lançou seu primeiro programa de aposentadoria privada em 36 cidades, permitindo que os cidadãos abrissem contas de aposentadoria nos bancos para comprar produtos de investimento, como fundos mútuos.

Mas Loo afirma que não se sabe ao certo se muitos chineses, que tipicamente investem suas economias de forma mais tradicional, como a compra de imóveis, passariam a adotar os fundos de aposentadoria privada.

Esses problemas não são só da China. A população do Japão e da Coreia do Sul também está envelhecendo, e a quantidade de trabalhadores está diminuindo.

Yi afirma que Pequim está prestes a reproduzir as políticas japonesas para reduzir os custos de criação de filhos, mas ele acrescenta que "a China está 'ficando velha antes de enriquecer' e não tem nem mesmo os recursos financeiros para seguir por completo o caminho do Japão".

O envelhecimento da população não é a única preocupação de Pequim. Existe também um movimento online crescente entre os jovens, chamado "ficar deitado". Esse movimento convoca os trabalhadores a rejeitar a luta para ter sucesso na carreira, prometendo liberdade das pressões da vida e do trabalho existentes na sociedade capitalista acelerada.

Acrescente-se ainda a alta taxa de desemprego entre os jovens, que atingiu o pico de 20% entre as pessoas com 15 a 24 anos de idade, em julho de 2022.

"Os trabalhadores são a farinha e o sistema de aposentadoria é a técnica de produção de pão", explica Yi Fuxian. "Sem farinha suficiente, é impossível fazer pão em quantidade, mesmo com as melhores técnicas de produção de pão."

 

       Índia deve superar população da China em 2023: qual o impacto disso para o mundo?

 

Até meados de abril, a Organização das Nações Unidas (ONU) prevê que a Índia vai ultrapassar a China como o país mais populoso do mundo.

Os dois gigantes asiáticos possuem mais de 1,4 bilhão de habitantes cada. Há mais de 70 anos, eles representam mais de um terço da população mundial.

A população da China provavelmente começará a encolher no próximo ano. No ano passado, nasceram 10,6 milhões de pessoas, um pouco mais do que o número de mortes, graças a uma rápida queda na taxa de natalidade.

A taxa de natalidade da Índia também caiu bastante nas últimas décadas — de 5,7 nascimentos por mulher em 1950 para 2 hoje —, mas o ritmo desta queda foi mais lento.

Mas, afinal, qual é o impacto de a Índia ultrapassar a China como país mais populoso do mundo?

•        Uma redução mais acelerada

Em uma década no século passado, a taxa de crescimento demográfico da China caiu pela metade: de 2% em 1973 para 1,1% em 1983.

Os demógrafos dizem que grande parte disso foi alcançado passando por cima dos direitos humanos — com campanhas que promoviam famílias menores e casamentos tardios ou famílias menores e com maior intervalo entre o nascimento de cada filho. Na época, a China era um país com população pobre, predominantemente rural e de baixa educação.

Já a Índia passou por um processo de rápido crescimento populacional — de quase 2% ao ano — durante grande parte da segunda metade do século passado.

Com o tempo, as taxas de mortalidade caíram, a expectativa de vida aumentou e a renda cresceu.

Mais pessoas têm acesso a água potável e esgoto, especialmente nas cidades.

"No entanto, a taxa de natalidade permaneceu alta", diz Tim Dyson, demógrafo da Universidade London School of Economics (LSE), no Reino Unido.

A Índia lançou um programa de planejamento familiar em 1952 e estabeleceu pela primeira vez uma política populacional nacional em 1976, quando a China estava ocupada reduzindo sua taxa de natalidade.

Mas esterilizações forçadas de milhões de pessoas pobres em um programa repleto de excessos nos anos 1970 provocaram uma reação social contra o planejamento familiar.

O programa foi implementado durante um período da história indiana conhecido como Emergência. Entre 1975 e 1977, a Índia esteve em estado de emergência devido a conflitos internos — o que permitiu a suspensão de diversos direitos e liberdades civis.

"O declínio nas taxas de natalidade teria sido mais rápido na Índia se a emergência não tivesse acontecido e se os políticos tivessem sido mais proativos. Isso também significou que todos os governos subsequentes foram cautelosos quando se tratava de planejamento familiar", diz Dyson.

Países do Leste Asiático — como Coreia do Sul, Malásia, Taiwan e Tailândia — que lançaram programas populacionais muito depois da Índia, alcançaram taxas de natalidade mais baixas, taxas de mortalidade infantil e materna reduzidas, rendas maiores e melhor desenvolvimento humano antes da Índia.

•        Sem explosão populacional

A Índia ganhou mais de 1 bilhão de habitantes desde a independência em 1947, e sua população deve crescer por mais 40 anos. Mas sua taxa de crescimento populacional vem caindo há décadas. No entanto, o país desafia as previsões de que haveria um "desastre demográfico".

O fato de a Índia ultrapassar a China em tamanho de população não é mais algo preocupante, segundo os demógrafos.

O aumento da renda e o melhor acesso à saúde e à educação ajudaram as mulheres indianas a terem menos filhos do que antes, achatando a curva de crescimento populacional.

As taxas de fecundidade caíram abaixo dos níveis de reposição (em que novos nascimentos são suficientes para manter uma população estável) em 17 dos 22 Estados e territórios administrados pelo governo federal.

O declínio nas taxas de natalidade foi mais rápido no sul da Índia do que no norte, que é mais populoso.

"É uma pena que na maior parte da Índia não aconteceu o mesmo que no sul", diz Dyson.

•        Ultrapassar a China pode ser significativo

Ao se tornar mais populosa que a China, a Índia poderia fortalecer sua reivindicação por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

"Acho que você tem certos direitos a algumas coisas (por ser o país com a maior população do mundo)", afirma John Wilmoth, diretor da Divisão de População do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU.

A forma como a demografia da Índia está mudando também é significativa, de acordo com K.S. James, do Instituto Internacional de Ciências Populacionais de Mumbai.

Apesar das desvantagens, a Índia merece algum crédito por administrar uma "transição demográfica saudável" por meio do uso do planejamento familiar em uma democracia que era pobre e em grande parte sem instrução, diz James.

"A maioria dos países fez isso depois de atingir níveis mais altos de alfabetização", acrescenta.

Outra boa notícia: uma em cada cinco pessoas com menos de 25 anos no mundo é da Índia — e 47% dos indianos têm menos de 25 anos.

Dois terços dos indianos nasceram depois que seu país liberalizou sua economia no início dos anos 1990. Este grupo de jovens indianos tem algumas características únicas, diz o economista Shruti Rajagopalan em um artigo acadêmico recente.

"Esta geração de jovens indianos será a maior fonte de consumo e mão de obra na economia de bens de conhecimento e online. Os indianos serão o maior pool de talentos globais", afirma.

•        Os desafios

A Índia precisa criar empregos suficientes para que sua população jovem em idade ativa possa desfrutar do bônus demográfico. Mas apenas 40% da população em idade ativa da Índia trabalha ou quer trabalhar, de acordo com o Centro de Monitoramento da Economia Indiana (CMIE, na sigla em inglês).

Mais mulheres precisam de empregos, já que passam menos tempo em idade ativa dando à luz e cuidando dos filhos.

A previsão nesta área é mais pessimista: apenas 10% das mulheres em idade ativa estavam participando da força de trabalho em outubro, de acordo com o CMIE, em comparação com 69% na China.

Além disso, existe o problema da migração. Cerca de 200 milhões de indianos migraram dentro do país, entre Estados e distritos, e esse número deve crescer. A maioria são trabalhadores que saem das vilas para as cidades para encontrar trabalho.

"Nossas cidades vão crescer à medida que a migração aumentar devido à falta de emprego e aos baixos salários nas vilas. Elas vão conseguir fornecer aos migrantes um padrão de vida razoável? Caso contrário, acabaremos com mais favelas e doenças", diz S. Irudaya Rajan, especialista em migração do Instituto Internacional de Migração e Desenvolvimento de Kerala.

Os demógrafos dizem que a Índia também precisa acabar com os casamentos infantis, prevenir os casamentos precoces e registrar adequadamente os nascimentos e óbitos.

Além disso, existe uma proporção distorcida entre os sexos. Há mais nascimentos de meninos do que de meninas.

A retórica política sobre o "controle populacional" parece ser dirigida aos muçulmanos, a maior minoria do país. Mas um estudo do Pew Research Center sugere que a diferença de natalidade entre grupos religiosos é menor hoje do que no passado.

•        O envelhecimento da Índia

Os demógrafos afirmam que o envelhecimento da Índia recebe pouca atenção.

Em 1947, a média de idade no país era de 21 anos, e apenas 5% da população tinha mais de 60 anos.

Hoje, a média é de mais de 28 anos, e mais de 10% dos indianos têm mais de 60 anos.

Os Estados do sul, como Kerala e Tamil Nadu, atingiram níveis de reposição há pelo menos 20 anos.

"À medida que a população em idade ativa diminui, sustentar uma população mais velha se tornará um fardo crescente para os recursos do governo", afirma Rukmini S., autor de Números inteiros e meias verdades: o que os dados podem e não podem nos dizer sobre a Índia moderna.

"As estruturas familiares terão que ser repensadas, e os idosos que vivem sozinhos se tornarão uma fonte crescente de preocupação."

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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