sexta-feira, 10 de março de 2023


 Como ministros do União Brasil viraram 'pedra no sapato' para Lula

Era o começo da noite da segunda-feira (05/03) quando a reunião entre o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou ao fim e, com ela, um capítulo de uma das primeiras crises políticas do terceiro mandato do petista.

Ao fim da reunião, Lula decidiu manter Juscelino no cargo mesmo após reportagens publicadas pelo jornal O Estado de S. Paulo revelarem que ele teria recebido diárias de viagem de forma irregular e usado um jato do governo para ir a eventos não relacionados ao cargo.

O ministro negou irregularidades e disse ter devolvido diárias que teriam sido recebidas por erro no sistema de controle.

A expectativa em torno da reunião havia sido criada por Lula em entrevista na semana anterior, quando disse que demitiria Juscelino caso ele não provasse sua inocência.

O presidente não se pronunciou publicamente sobre o caso desde a reunião, mas o ministro acabou sendo mantido.

Esta, porém, não foi a primeira vez que ministros do União Brasil são alvo de escândalos desde o início do governo.

Em janeiro deste ano, reportagens do jornal Folha de S.Paulo mostraram que a ministra do Turismo, Daniela Carneiro, teria sido apoiada por pessoas ligadas a milícias do Rio de Janeiro. Ela negou envolvimento com milicianos.

O caso acabou ofuscado pelos ataques de 8 de janeiro, quando militantes bolsonaristas invadiram as sedes dos Três Poderes, em Brasília. Na época, assim como no caso de Juscelino, Lula optou por manter a ministra.

Mas o que faz com que o presidente Lula prefira correr o risco de desgaste político mantendo dois ministros alvos de suspeitas a simplesmente afastá-los?

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que Lula pesou, de um lado, o desgaste político em manter os ministros, e de outro, a necessidade de consolidar uma base parlamentar no Congresso capaz de permitir a aprovação de medidas e, também, de blindar o governo.

·         O que é o União Brasil e porque ele é importante?

Juscelino Filho e Daniela Carneiro são deputados federais eleitos pelo União Brasil. Eles foram indicados ao governo Lula com o aval de um dos principais líderes da legenda, o senador e ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (UB-AP).

O União Brasil é o partido que nasceu da fusão entre os antigos PSL e DEM. Em 2022, a sigla se transformou em uma das principais potências do Congresso Nacional.

Na Câmara, tem a terceira maior bancada, atrás apenas do PL e do PT. No Senado, está ao lado do PT com a quarta maior bancada, atrás apenas de PSD, PL e MDB.

O partido compõe o que ficou chamado de Centrão, grupo de legendas geralmente alinhadas ao centro e à centro-direita e que, em geral, oferecem apoio aos presidentes eleitos em troca de participação no governo.

No total, a sigla tem três ministros no governo Lula. Além de Juscelino e Daniela, o União Brasil emplacou o ministro da Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes.

E é justamente por seu tamanho que o União Brasil se transformou em motivo de cobiça e preocupação dentro do governo.

Seus 59 deputados e nove senadores podem ajudar o governo a aprovar algumas de suas pautas como a reforma tributária, uma das principais promessas da equipe do presidente.

O problema para o governo, no entanto, é que o União Brasil é um partido heterogêneo - muitos dos parlamentares da legenda não apoiaram a candidatura de Lula em 2022 e a adesão ao governo do petista não foi unanimidade.

Desde que o governo começou, alguns parlamentares da sigla já deram mostra de que podem não seguir o alinhamento que a cúpula da legenda determinou.

No final de fevereiro, por exemplo, 28 dos 59 deputados do partido assinaram um requerimento para instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para apurar as responsabilidades pelos atentados de 8 de janeiro.

Eles assinaram o documento apesar de o governo ter apontado ser contra a comissão.

E é em meio a esse contexto que Lula teve que decidir se mantinha ou demitia Juscelino Filho na segunda-feira.

·         Base sólida ou desgaste político

Para os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a situação fez com que Lula pesasse os seguintes aspectos: o desgaste político de manter os ministros, os supostos benefícios políticos trazidos pela aliança com o União Brasil e o risco de perder o frágil apoio da legenda e vê-la indo para a oposição.

"O que entrou na conta de Lula é o fato de que a base do governo está completamente indefinida. Alguns cálculos indicam que o governo não teria, por exemplo, maioria para aprovar uma proposta de emenda constitucional", diz Beatriz Rey, pesquisadora visitante da Universidade Johns Hopkins, em Washington, estudiosa do funcionamento do Poder Legislativo no Brasil e nos Estados Unidos.

"O governo está tentando compor uma base legislativa sólida para aprovar projetos, de um lado, mas também para protegê-lo em casos como a instalação de uma comissão parlamentar de inquérito e até mesmo impeachment", explica a professora.

O alerta de que Lula ainda não teria uma maioria foi dado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), durante um evento na Associação Comercial de São Paulo, na segunda-feira (06/03).

"Hoje, o governo ainda não tem uma base consistente nem na Câmara, nem no Senado, para enfrentar matérias de maioria simples, quanto mais matéria de quórum constitucional", disse Lira.

Para o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Claudio Couto, a situação de Lula não seria fácil.

"Se ele demitisse os ministros, isso poderia acabar de vez com o apoio do União Brasil. Ele não quer um partido do tamanho do União Brasil na oposição. Por outro lado, ao manter esses ministros, ele assume um desgaste político considerável", afirma o professor.

O desgaste político em torno dessa crise envolveu até mesmo manifestações públicas de lideranças políticas como a presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), e um dos líderes do União Brasil, Elmar Nascimento (BA).

Em suas redes sociais, Hoffmann defendeu que Juscelino Filho pedisse demissão do cargo. Nascimento e outras lideranças do União Brasil, por sua vez, saíram em defesa do ministro e rebateram a presidente do PT.

"Lamentamos que Gleisi utilize dois pesos e duas medidas para tratar de assuntos inerentes à vida pública. Quando atitudes dos seus aliados são contestadas – e não faltaram acusações a membros do PT na história recente do país – a parlamentar prega o direito de defesa. Quando a situação se inverte, prefere fazer pré-julgamentos”, diz um trecho de uma nota divulgada pelo partido.

Em meio ao tiroteio entre supostos aliados, Lula decidiu contrariar seu próprio partido e ter o União Brasil mais próximo.

"O desgaste de manter um ministro sobre quem recaem essas suspeitas é grande, mas Lula pareceu estar mais preocupado com a possibilidade de ter sua agenda bloqueada do que com esse desgaste", explicou Claudio Couto.

·         Responsável ou 'refém'?

Para os especialistas, a situação na qual Lula se encontra é resultado de características do presidencialismo brasileiro que praticamente obrigariam o mandatário a formar coalizões para governar, além de mudanças mais recentes na distribuição de emendas parlamentares e que diminuíram a possibilidade de o Executivo influenciar o Legislativo e a composição atual do Congresso em que Lula não tem uma maioria expressiva.

"Essa pressão está vindo de dentro do Legislativo e o governo não tem um número de parlamentares que lhe dê tranquilidade para aprovar suas medidas. Diante dessa situação, o presidente tem preferido dar um voto de confiança no União Brasil a pagar o preço de romper essa aliança", disse a professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Luciana Santana, que é doutora em Ciência Política.

Para Beatriz Rey, Lula é, ao mesmo tempo, "refém" e "conivente" com essa situação. Segundo ela, a criação das emendas impositivas, entre 2015 e 2019, diminuiu a margem de manobra do governo para formar sua base. As emendas impositivas são emendas parlamentares que não precisam de aprovação do Executivo para serem pagas.

"O governo é refém e conivente. É refém porque hoje há menos ferramentas para o Executivo formar uma base legislativa e ele precisa desse apoio. Por outro lado, é conivente ou partícipe porque ele poderia ter feito um pente-fino melhor quando o União Brasil enviou seus indicados para assumir o ministério", disse a professora.

Já a professora Luciana Santana avalia que o governo é mais "refém" do que "conivente".

"Acho que ele é mais refém do que conivente porque o governo vem de uma eleição de 2022 que foi muito ruim do ponto de vista parlamentar. As eleições fortaleceram partidos de um grupo opositor e isso tornou a formação de uma base uma tarefa bem mais difícil", disse.

Luciana Santana avalia que se Lula estivesse em outro contexto político, talvez sua postura em relação aos ministros do União Brasil teria sido outra.

"Claro que Lula poderia ter optado por outro formato ou outro posicionamento, mas talvez, se ele estivesse em outra situação, menos vulnerável, ele poderia assumir escolhas diferentes das que fez agora", avaliou a professora.

Para Beatriz Rey, o fato de Lula ter decidido "segurar" os ministros no cargo não significa que o cenário não possa mudar.

"Aí podem entrar outros fatores. Tudo vai depender de como o governo vai montar sua base e, também, de novas denúncias que possam surgir contra eles. A depender do que vier, a manutenção deles no cargo pode ficar insustentável", disse a professora.

 

Ø  Lula governa sob pressão desde a posse e só agora consegue iniciar sua gestão. Por Luiz Carlos Azedo

 

Com dois meses de mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não teve a tradicional trégua de 100 dias concedida aos governantes pela mídia e pela oposição, sem falar no “fogo amigo” de aliados e até mesmo dos petistas, por causa das divergências e disputas de poder na sua equipe de governo.

Na primeira semana de gestão, Lula vivia ainda o inebriante clima gerado pela festa da posse, cuja sacada de subir a rampa do Palácio do Planalto com os representantes das minorias proporcionou imagens históricas, de repercussão internacional.

Pensava-se que estava tudo certo, ninguém da sua equipe imaginava que o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) seriam invadidos sete dias depois. O presidente da República passava um fim de semana em São Paulo, porém, no domingo, decidiu viajar a Araraquara, para ver pessoalmente os estragos causados pelas chuvas, ao lado prefeito petista Edinho Silva.

Entretanto, naquele 8 de janeiro, “nuvens negras” — como aquelas que antecederam o golpe de 1964, que destituiu o presidente João Goulart — encobriram o Planalto Central. Lula decretou intervenção no Distrito Federal, delegando ao ministro da Justiça, Flávio Dino, a responsabilidade de conter os danos. O governador Ibaneis Rocha foi afastado do cargo.

A decisão de não decretar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), recorrendo às tropas do Comando Militar no Planalto, não fora por acaso. Desde o quebra-quebra bolsonarista de 12 de dezembro, dia de sua diplomação, quando os “patriotas” acampados em frente ao QG do Exército incendiaram ônibus e até tentaram invadir o prédio da Polícia Federal, sabia-se que havia uma tentativa de golpe em marcha.

No estado-maior de Bolsonaro, os generais Braga Netto, candidato a vice, Augusto Heleno (GSI) e Luiz Ramos (Secretaria de Governo), o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier Santos, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que está preso, e o deputado Eduardo Bolsonaro apoiavam a decisão de Bolsonaro de não reconhecer o resultado da eleição.

A minuta do decreto presidencial apreendida pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça, que destituiria o ministro Alexandre de Moraes da presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e convocaria novas eleições, por muito pouco não fora assinada por Bolsonaro, que resolveu viajar para Miami, bastante deprimido.

Fora convencido a sair de cena num jantar na casa do ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli, articulado pelo ex-ministro das Comunicações Fabio Faria. Os ex-ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Flávio Rocha (Secretaria de Assuntos Estratégicos), um almirante da ativa, e o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Jorge Oliveira, contrários a qualquer tentativa golpista, atuaram como bombeiros no episódio.

Não conformados, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Anderson Torres viajaram para Miami, onde passaram o Ano Novo com Bolsonaro.

Hoje, as investigações da Polícia Federal estão apurando as responsabilidades sobre graves falhas no dispositivo de segurança da Esplanada dos Ministérios, que estava a cargo do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), da Guarda Presidencial e da Polícia Militar do Distrito Federal.

Graças também à atuação do ministro Alexandre de Moraes contra os golpistas, a situação foi controlada. Houve atuação firme e decidida dos Três Poderes.

O Congresso e o Supremo repudiaram o golpismo, o governo ganhou tempo para preparar medidas econômicas de impacto para a sociedade, que começaram a ser anunciadas nesta semana.

Mas houve muita fricção política com os aliados, a mídia e o Congresso, após Lula atacar o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e criticar as altas taxas de juros.

A trégua proporcionada pela defesa da democracia derrapou na política econômica. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ficou com a credibilidade abalada, sob ataque da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e fortes pressões do mercado financeiro. Mas o governo começou a deslanchar na economia. Haddad anunciou um aumento do salário mínimo para R$ 1.320 a partir do 1º de Maio e um alívio na cobrança do Imposto de Renda.

Na semana passada, fez a manobra mais difícil: a volta da cobrança de impostos sobre combustíveis, simultaneamente à redução de preços da gasolina e do diesel pela Petrobras. Também foi anunciada a reestruturação do Bolsa Família e a rolagem das dívidas dos consumidores inadimplentes. O governo começou a andar.

 

Fonte: BBC News Brasi/Correilo Braziliense

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