Como ministros do União Brasil viraram 'pedra no sapato' para Lula
Era
o começo da noite da segunda-feira (05/03) quando a reunião entre o ministro
das Comunicações, Juscelino Filho, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) chegou ao fim e, com ela, um capítulo de uma das primeiras crises
políticas do terceiro mandato do petista.
Ao
fim da reunião, Lula decidiu manter Juscelino no cargo mesmo após reportagens
publicadas pelo jornal O Estado de S. Paulo revelarem que ele teria recebido
diárias de viagem de forma irregular e usado um jato do governo para ir a
eventos não relacionados ao cargo.
O
ministro negou irregularidades e disse ter devolvido diárias que teriam sido
recebidas por erro no sistema de controle.
A
expectativa em torno da reunião havia sido criada por Lula em entrevista na
semana anterior, quando disse que demitiria Juscelino caso ele não provasse sua
inocência.
O
presidente não se pronunciou publicamente sobre o caso desde a reunião, mas o
ministro acabou sendo mantido.
Esta,
porém, não foi a primeira vez que ministros do União Brasil são alvo de
escândalos desde o início do governo.
Em
janeiro deste ano, reportagens do jornal Folha de S.Paulo mostraram que a
ministra do Turismo, Daniela Carneiro, teria sido apoiada por pessoas ligadas a
milícias do Rio de Janeiro. Ela negou envolvimento com milicianos.
O
caso acabou ofuscado pelos ataques de 8 de janeiro, quando militantes
bolsonaristas invadiram as sedes dos Três Poderes, em Brasília. Na época, assim
como no caso de Juscelino, Lula optou por manter a ministra.
Mas
o que faz com que o presidente Lula prefira correr o risco de desgaste político
mantendo dois ministros alvos de suspeitas a simplesmente afastá-los?
Especialistas
ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que Lula pesou, de um lado, o desgaste
político em manter os ministros, e de outro, a necessidade de consolidar uma
base parlamentar no Congresso capaz de permitir a aprovação de medidas e,
também, de blindar o governo.
·
O que é o União Brasil e porque ele é importante?
Juscelino
Filho e Daniela Carneiro são deputados federais eleitos pelo União Brasil. Eles
foram indicados ao governo Lula com o aval de um dos principais líderes da
legenda, o senador e ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (UB-AP).
O
União Brasil é o partido que nasceu da fusão entre os antigos PSL e DEM. Em
2022, a sigla se transformou em uma das principais potências do Congresso
Nacional.
Na
Câmara, tem a terceira maior bancada, atrás apenas do PL e do PT. No Senado,
está ao lado do PT com a quarta maior bancada, atrás apenas de PSD, PL e MDB.
O
partido compõe o que ficou chamado de Centrão, grupo de legendas geralmente
alinhadas ao centro e à centro-direita e que, em geral, oferecem apoio aos
presidentes eleitos em troca de participação no governo.
No
total, a sigla tem três ministros no governo Lula. Além de Juscelino e Daniela,
o União Brasil emplacou o ministro da Integração Nacional e Desenvolvimento
Regional, Waldez Góes.
E
é justamente por seu tamanho que o União Brasil se transformou em motivo de
cobiça e preocupação dentro do governo.
Seus
59 deputados e nove senadores podem ajudar o governo a aprovar algumas de suas
pautas como a reforma tributária, uma das principais promessas da equipe do
presidente.
O
problema para o governo, no entanto, é que o União Brasil é um partido
heterogêneo - muitos dos parlamentares da legenda não apoiaram a candidatura de
Lula em 2022 e a adesão ao governo do petista não foi unanimidade.
Desde
que o governo começou, alguns parlamentares da sigla já deram mostra de que
podem não seguir o alinhamento que a cúpula da legenda determinou.
No
final de fevereiro, por exemplo, 28 dos 59 deputados do partido assinaram um
requerimento para instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
(CPMI) para apurar as responsabilidades pelos atentados de 8 de janeiro.
Eles
assinaram o documento apesar de o governo ter apontado ser contra a comissão.
E
é em meio a esse contexto que Lula teve que decidir se mantinha ou demitia
Juscelino Filho na segunda-feira.
·
Base sólida ou desgaste político
Para
os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a situação fez com que Lula
pesasse os seguintes aspectos: o desgaste político de manter os ministros, os
supostos benefícios políticos trazidos pela aliança com o União Brasil e o
risco de perder o frágil apoio da legenda e vê-la indo para a oposição.
"O
que entrou na conta de Lula é o fato de que a base do governo está
completamente indefinida. Alguns cálculos indicam que o governo não teria, por
exemplo, maioria para aprovar uma proposta de emenda constitucional", diz
Beatriz Rey, pesquisadora visitante da Universidade Johns Hopkins, em
Washington, estudiosa do funcionamento do Poder Legislativo no Brasil e nos
Estados Unidos.
"O
governo está tentando compor uma base legislativa sólida para aprovar projetos,
de um lado, mas também para protegê-lo em casos como a instalação de uma
comissão parlamentar de inquérito e até mesmo impeachment", explica a
professora.
O
alerta de que Lula ainda não teria uma maioria foi dado pelo presidente da
Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), durante um evento na Associação
Comercial de São Paulo, na segunda-feira (06/03).
"Hoje,
o governo ainda não tem uma base consistente nem na Câmara, nem no Senado, para
enfrentar matérias de maioria simples, quanto mais matéria de quórum
constitucional", disse Lira.
Para
o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Claudio Couto, a situação de Lula
não seria fácil.
"Se
ele demitisse os ministros, isso poderia acabar de vez com o apoio do União
Brasil. Ele não quer um partido do tamanho do União Brasil na oposição. Por
outro lado, ao manter esses ministros, ele assume um desgaste político
considerável", afirma o professor.
O
desgaste político em torno dessa crise envolveu até mesmo manifestações públicas
de lideranças políticas como a presidente do PT, a deputada federal Gleisi
Hoffmann (PR), e um dos líderes do União Brasil, Elmar Nascimento (BA).
Em
suas redes sociais, Hoffmann defendeu que Juscelino Filho pedisse demissão do
cargo. Nascimento e outras lideranças do União Brasil, por sua vez, saíram em
defesa do ministro e rebateram a presidente do PT.
"Lamentamos
que Gleisi utilize dois pesos e duas medidas para tratar de assuntos inerentes
à vida pública. Quando atitudes dos seus aliados são contestadas – e não
faltaram acusações a membros do PT na história recente do país – a parlamentar
prega o direito de defesa. Quando a situação se inverte, prefere fazer
pré-julgamentos”, diz um trecho de uma nota divulgada pelo partido.
Em
meio ao tiroteio entre supostos aliados, Lula decidiu contrariar seu próprio
partido e ter o União Brasil mais próximo.
"O
desgaste de manter um ministro sobre quem recaem essas suspeitas é grande, mas
Lula pareceu estar mais preocupado com a possibilidade de ter sua agenda bloqueada
do que com esse desgaste", explicou Claudio Couto.
·
Responsável ou 'refém'?
Para
os especialistas, a situação na qual Lula se encontra é resultado de
características do presidencialismo brasileiro que praticamente obrigariam o
mandatário a formar coalizões para governar, além de mudanças mais recentes na
distribuição de emendas parlamentares e que diminuíram a possibilidade de o
Executivo influenciar o Legislativo e a composição atual do Congresso em que
Lula não tem uma maioria expressiva.
"Essa
pressão está vindo de dentro do Legislativo e o governo não tem um número de
parlamentares que lhe dê tranquilidade para aprovar suas medidas. Diante dessa
situação, o presidente tem preferido dar um voto de confiança no União Brasil a
pagar o preço de romper essa aliança", disse a professora da Universidade
Federal de Alagoas (UFAL) Luciana Santana, que é doutora em Ciência Política.
Para
Beatriz Rey, Lula é, ao mesmo tempo, "refém" e "conivente"
com essa situação. Segundo ela, a criação das emendas impositivas, entre 2015 e
2019, diminuiu a margem de manobra do governo para formar sua base. As emendas
impositivas são emendas parlamentares que não precisam de aprovação do
Executivo para serem pagas.
"O
governo é refém e conivente. É refém porque hoje há menos ferramentas para o
Executivo formar uma base legislativa e ele precisa desse apoio. Por outro
lado, é conivente ou partícipe porque ele poderia ter feito um pente-fino
melhor quando o União Brasil enviou seus indicados para assumir o
ministério", disse a professora.
Já
a professora Luciana Santana avalia que o governo é mais "refém" do
que "conivente".
"Acho
que ele é mais refém do que conivente porque o governo vem de uma eleição de
2022 que foi muito ruim do ponto de vista parlamentar. As eleições fortaleceram
partidos de um grupo opositor e isso tornou a formação de uma base uma tarefa
bem mais difícil", disse.
Luciana
Santana avalia que se Lula estivesse em outro contexto político, talvez sua
postura em relação aos ministros do União Brasil teria sido outra.
"Claro
que Lula poderia ter optado por outro formato ou outro posicionamento, mas
talvez, se ele estivesse em outra situação, menos vulnerável, ele poderia
assumir escolhas diferentes das que fez agora", avaliou a professora.
Para
Beatriz Rey, o fato de Lula ter decidido "segurar" os ministros no
cargo não significa que o cenário não possa mudar.
"Aí
podem entrar outros fatores. Tudo vai depender de como o governo vai montar sua
base e, também, de novas denúncias que possam surgir contra eles. A depender do
que vier, a manutenção deles no cargo pode ficar insustentável", disse a
professora.
Ø
Lula
governa sob pressão desde a posse e só agora consegue iniciar sua gestão. Por
Luiz Carlos Azedo
Com
dois meses de mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não teve a
tradicional trégua de 100 dias concedida aos governantes pela mídia e pela
oposição, sem falar no “fogo amigo” de aliados e até mesmo dos petistas, por
causa das divergências e disputas de poder na sua equipe de governo.
Na
primeira semana de gestão, Lula vivia ainda o inebriante clima gerado pela
festa da posse, cuja sacada de subir a rampa do Palácio do Planalto com os
representantes das minorias proporcionou imagens históricas, de repercussão
internacional.
Pensava-se
que estava tudo certo, ninguém da sua equipe imaginava que o Palácio do
Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) seriam invadidos sete
dias depois. O presidente da República passava um fim de semana em São Paulo,
porém, no domingo, decidiu viajar a Araraquara, para ver pessoalmente os
estragos causados pelas chuvas, ao lado prefeito petista Edinho Silva.
Entretanto,
naquele 8 de janeiro, “nuvens negras” — como aquelas que antecederam o golpe de
1964, que destituiu o presidente João Goulart — encobriram o Planalto Central.
Lula decretou intervenção no Distrito Federal, delegando ao ministro da
Justiça, Flávio Dino, a responsabilidade de conter os danos. O governador
Ibaneis Rocha foi afastado do cargo.
A
decisão de não decretar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO),
recorrendo às tropas do Comando Militar no Planalto, não fora por acaso. Desde
o quebra-quebra bolsonarista de 12 de dezembro, dia de sua diplomação, quando
os “patriotas” acampados em frente ao QG do Exército incendiaram ônibus e até
tentaram invadir o prédio da Polícia Federal, sabia-se que havia uma tentativa
de golpe em marcha.
No
estado-maior de Bolsonaro, os generais Braga Netto, candidato a vice, Augusto
Heleno (GSI) e Luiz Ramos (Secretaria de Governo), o ex-comandante da Marinha
almirante Almir Garnier Santos, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que
está preso, e o deputado Eduardo Bolsonaro apoiavam a decisão de Bolsonaro de
não reconhecer o resultado da eleição.
A
minuta do decreto presidencial apreendida pela Polícia Federal na casa do
ex-ministro da Justiça, que destituiria o ministro Alexandre de Moraes da
presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e convocaria novas eleições,
por muito pouco não fora assinada por Bolsonaro, que resolveu viajar para
Miami, bastante deprimido.
Fora
convencido a sair de cena num jantar na casa do ministro do Supremo Tribunal
Federal Dias Toffoli, articulado pelo ex-ministro das Comunicações Fabio Faria.
Os ex-ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Flávio Rocha (Secretaria de
Assuntos Estratégicos), um almirante da ativa, e o ministro do Tribunal de
Contas da União (TCU) Jorge Oliveira, contrários a qualquer tentativa golpista,
atuaram como bombeiros no episódio.
Não
conformados, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Anderson Torres viajaram para Miami,
onde passaram o Ano Novo com Bolsonaro.
Hoje,
as investigações da Polícia Federal estão apurando as responsabilidades sobre
graves falhas no dispositivo de segurança da Esplanada dos Ministérios, que
estava a cargo do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), da Guarda
Presidencial e da Polícia Militar do Distrito Federal.
Graças
também à atuação do ministro Alexandre de Moraes contra os golpistas, a
situação foi controlada. Houve atuação firme e decidida dos Três Poderes.
O
Congresso e o Supremo repudiaram o golpismo, o governo ganhou tempo para
preparar medidas econômicas de impacto para a sociedade, que começaram a ser
anunciadas nesta semana.
Mas
houve muita fricção política com os aliados, a mídia e o Congresso, após Lula
atacar o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e criticar as altas
taxas de juros.
A
trégua proporcionada pela defesa da democracia derrapou na política econômica.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ficou com a credibilidade abalada, sob
ataque da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e fortes pressões do mercado
financeiro. Mas o governo começou a deslanchar na economia. Haddad anunciou um
aumento do salário mínimo para R$ 1.320 a partir do 1º de Maio e um alívio na
cobrança do Imposto de Renda.
Na
semana passada, fez a manobra mais difícil: a volta da cobrança de impostos
sobre combustíveis, simultaneamente à redução de preços da gasolina e do diesel
pela Petrobras. Também foi anunciada a reestruturação do Bolsa Família e a
rolagem das dívidas dos consumidores inadimplentes. O governo começou a andar.
Fonte:
BBC News Brasi/Correilo Braziliense
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