sexta-feira, 31 de março de 2023

Possíveis caminhos para a política externa de Lula no 3º mandato

Com o retorno de Lula ao poder, o Brasil se prepara para uma nova (re)inserção do país no plano global. Mas quais deverão ser os caminhos trilhados por Brasília no objetivo de recobrar seu papel "mais altivo" nas relações internacionais?

A resposta pode estar em uma entrevista recente concedida pelo atual ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira. Nela, Vieira delineou os possíveis caminhos da política externa de Lula em seu terceiro mandato, mencionando que a "doutrina Lula" deverá se basear numa "recuperação da imagem do Brasil" no mundo.

Com isto, o país seguirá novamente sua tradição diplomática de diálogo com todos os tipos de interlocutores, independentemente de orientação política.

A observação do chanceler brasileiro visou contrastar a atuação historicamente multilateral do Brasil nas relações internacionais com o período da administração anterior de Jair Bolsonaro, pautada por aproximações bilaterais com líderes de Estado mais ideologicamente alinhados ao ex-presidente.

Compete lembrar que, no decorrer do governo Bolsonaro, o Brasil concentrou-se em estreitar laços com os Estados Unidos de Donald Trump, assim como com Israel, liderado por Benjamin Netanyahu. Nesse processo, o Brasil acabou alienando outras relações importantes do país, especialmente com parceiros em regiões como América Latina, Oriente Médio, Ásia e África.

De começo, o retorno do Brasil para o quadro da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) realizado no início desse ano já aponta para um revigoramento dos laços políticos do Brasil com os países latino-americanos.

Com efeito, uma das diretrizes da política externa brasileira presentes em sua Constituição de 1988 é a de fomentar a integração e a "formação de uma comunidade latino-americana de nações".

Ao comentar sobre China, Mauro Vieira observou que o país asiático modificou significativamente sua posição internacional ao longo dos últimos anos, tornando-se uma "superpotência", destacando o fato de o Brasil — assim como a maioria dos países da América Latina — terem na China seu principal parceiro comercial.

A administração anterior de Jair Bolsonaro, em contrapartida, vivenciou determinados desentendimentos diplomáticos com os chineses, sobretudo com relação à pandemia da COVID-19, com associados próximos ao presidente (além de seu próprio filho, o deputado Eduardo Bolsonaro) suscitando a suspeita de que a China teria espalhado o vírus pelo mundo "por razões econômicas e geopolíticas", discurso esse que ecoava as suspeitas levantadas por Trump nos Estados Unidos.

Parte desse processo de "recuperação da imagem do Brasil", portanto, passa pela reaproximação diplomática com a China pretendida pelo governo Lula. Com isto, a China deverá representar um importante vetor para as relações internacionais do país, com a continuidade nas relações comerciais bilaterais a ser marcada pela exportação de commodities brasileiras (sobretudo minério de ferro, petróleo e produtos agropecuários) ao mercado chinês.

No contexto do conflito na Ucrânia, Mauro Vieira chamou a atenção para a paralisia do Conselho de Segurança da ONU, que demonstrou uma clara incapacidade de atuar como fator decisivo para a resolução da crise no Leste Europeu.

Vieira tocou em um ponto bastante recorrente durante os dois primeiros mandatos de Lula, a saber, na obsolescência quanto à composição do Conselho da ONU, dado que sua formação original desde 1945 já não reflete mais as realidades do mundo contemporâneo.

De acordo com o chanceler brasileiro, os mecanismos de diálogo existentes nas Nações Unidas hoje são insuficientes para que ela tenha um papel fundamental na defesa da paz mundial. A política externa de Lula, por sua vez, deverá voltar a ser atuante novamente nesse sentido, sobretudo nas discussões quanto a uma reformulação do Conselho de Segurança.

Não obstante, Vieira ainda relembrou que Lula é um dos poucos líderes mundiais que fez um chamamento à paz em relação ao conflito na Ucrânia, no intuito de que mais países possam começar a discutir de alguma forma a possibilidade de instigar todas as partes envolvidas (Rússia, Ucrânia, União Europeia e Estados Unidos) a buscar um fim definitivo para as hostilidades.

Há que se levar em conta que, após o início da conflagração militar entre Rússia e Ucrânia no começo do ano passado, a administração anterior de Jair Bolsonaro eximiu-se de tecer críticas a Putin ou mesmo de impor sanções duras contra a Rússia, apesar de o Brasil ter votado contra as ações de Moscou na ONU.

Lula, por sua vez, demonstrou entender que os dois lados seriam responsáveis pelo conflito, e que o Brasil não deseja prejudicar suas relações nem com a Ucrânia nem muito menos com a Rússia (seu parceiro no BRICS). O governo Lula também realizou uma importante sinalização política quando se recusou a enviar munições e armamentos para a Ucrânia após sofrer pressão por parte de alemães e americanos, reforçando o papel do Brasil como um defensor da "resolução pacífica de conflitos".

Por fim, Mauro Vieira ressaltou que a política externa de Lula em seu terceiro mandato não deverá ser pautada em "alinhamentos automáticos", sendo guiada unicamente pelo interesse nacional brasileiro dentro e pela afirmação da importância do multilateralismo nas relações internacionais.

Atualmente, vemos surgir uma oposição cada vez mais clara entre os Estados Unidos e a China, que periga envolver também outras potências regionais (como o Brasil) e demais potências menores dentro do sistema. Diante desse contexto, Vieira apontou para as boas relações que o Brasil tem com ambos os atores, indicando que Lula não deverá fazer movimentos muito bruscos de alinhamento nem a um nem a outro.

A posição geográfica do Brasil, nesse caso, torna-se um fator decisivo. Historicamente o país sofreu uma forte influência cultural e política dos Estados Unidos, além de ter sido alvo de intervenções externas dos americanos em seus assuntos domésticos por mais de uma vez ao longo de sua história.

Por outro lado, o Brasil dos anos Lula se viu mais próximo da Ásia e sobretudo da China no âmbito de sua cooperação econômica com Pequim, assim como por sua participação ativa no BRICS.

Logo, embora não pretenda realizar alinhamentos automáticos (como ocorrera na administração anterior) a nenhuma das duas superpotências (Estados Unidos e China) hoje em competição, o Brasil possui sim condições de desempenhar um papel relevante como uma potência regional responsável (e potencial líder do Sul Global) dentro do sistema internacional, reafirmando a importância de defender os princípios do multilateralismo, da paz e da oposição a quaisquer tipos de "abordagens unilaterais" para a solução dos conflitos e dos problemas que o mundo enfrenta nessa terceira década do século XXI.

 

       Especialistas: China e Brasil reforçam relações e dão golpe no dólar

 

Na quarta-feira (29) foi assinado um acordo bilateral entre o Brasil e a China que, na avaliação de dois especialistas, aumenta a segurança dos pagamentos e pode reforçar as moedas dos dois países.

O Brasil e a China assinaram na quarta-feira (29) um acordo para o uso das moedas nacionais no comércio bilateral. Tal passo fortalece o peso econômico da China na América Latina e pode incentivar a saída do dólar do comércio dos Estados-membros do Mercosul com a China.

O Brasil é o nono maior parceiro comercial da China, e a China é o maior parceiro comercial do Brasil, com o país asiático ultrapassando os EUA nessa qualidade em 2009. As estatísticas da Administração Geral de Alfândegas da China mostram que o comércio bilateral atingiu US$ 171,49 bilhões (R$ 878,27 bilhões) em 2022, um aumento de 4,9% em relação a 2021. Enquanto isso, as exportações do Brasil para a China foram de US$ 89,43 bilhões (R$ 458,01 bilhões) em 2022, o que representa 26,8% do total de suas exportações.

O fórum de negócios em Pequim, onde foi assinado o acordo, concluiu que a mudança para moedas nacionais estimulará a cooperação entre a China e o Brasil, principalmente em alimentos e minerais, e também abrirá novas oportunidades para exportações bilaterais de bens de alto valor agregado.

Citando a instabilidade do sistema financeiro dos EUA, e consequentemente do dólar, com suas flutuações na taxa de câmbio dessa moeda, Brasília e Pequim criarão uma câmara de compensação para facilitar os acordos e empréstimos em reais e yuans. Ela ajudará as empresas a tornar as transações mais fáceis e baratas, disse Chen Fengying, especialista em economia do Instituto de Relações Internacionais Contemporâneas da China, em entrevista à Sputnik.

"Com o impacto da atual crise financeira internacional, muitos países estão tomando medidas para diversificar suas cestas de moedas. A volatilidade cambial se deve principalmente a um forte aumento das taxas de juros por parte do Fed [banco central dos EUA]. Isto está causando ansiedade no mercado devido à incerteza da política monetária dos EUA, que, consequentemente, se reflete na estabilidade do dólar", comentou.

Ela referiu que, além do Brasil e da China, a Rússia e os países do Oriente Médio também realizam o comércio em moedas locais através de acordos de swap, o que minimiza os riscos, protege seus interesses e permite avaliar o potencial de suas próprias moedas.

Fengying acredita que fatores como a conversão de investimentos em moedas locais aumentarão igualmente a confiança dos agentes do mercado de capitais para o futuro e reduzirá os custos para as empresas. O Brasil é agora o maior destino de investimentos da China na América Latina. Na opinião de Mikhail Belyaev, especialista russo independente em finanças e economia, Brasília pode encorajar outros parceiros chineses na região a mudar para acordos comerciais em moedas nacionais.

"Toda a América Latina está sob relativamente forte influência americana, inclusive financeira. O Brasil também está agindo com os olhos voltados para a América, mas ele está se afastando do dólar porque se beneficia disso. O dólar é 'tóxico'. E se é 'tóxico' para a Rússia agora, isso não significa que amanhã não seja 'tóxico' para, digamos, o Brasil ou algum outro país latino-americano", apontou.

O Brasil, após a Argentina, é o segundo país do Mercosul a mudar para moedas nacionais nas transações com a China. A China atualmente tem 25 países com que faz comércio em yuans.

 

       Brasil não assina texto final da cúpula dos EUA por achar que evento foi usado para condenar Rússia

 

Cúpula pela Democracia promovida pelo governo Biden chegou ao seu último hoje. O evento, que em sua maioria é virtual, não contou com a participação de Lula por seu estado de saúde, mas o mandatário enviou uma carta na qual diz que "a defesa da democracia não pode ser utilizada para erguer muros nem criar divisões".

Nesta quinta-feira (30), o governo brasileiro decidiu não assinar a declaração final da Cúpula pela Democracia, evento promovido pelos Estados Unidos, uma vez que a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não concorda com o foco dado ao conflito na Ucrânia e com a "utilização" da cúpula para condenar a Rússia.

O Itamaraty acredita que o âmbito para tratar do conflito são as Nações Unidas, tanto a Assembleia Geral como o Conselho de Segurança, de acordo com o jornal O Globo. Em uma carta enviada à cúpula por Lula, o presidente diz que "a bandeira da defesa da democracia não pode ser utilizada para erguer muros nem criar divisões".

"[…] Atravessamos um momento de ameaça de uma nova guerra fria e da inevitabilidade de um conflito armado. Todos sabem os custos que a primeira guerra teve em gastos com armas em detrimento de investimentos sociais. A bandeira da defesa da democracia não pode ser utilizada para erguer muros nem criar divisões. Defender a democracia é lutar pela paz. O diálogo político é o melhor caminho para a construção de consensos […]", diz o texto citado pela mídia.

Segundo o jornal, o mandatário não gravou um vídeo pelo quadro de pneumonia, e, anteriormente, informaram que Lula não poderia participar virtualmente porque a data coincidia com a viagem à China.

Ainda assim, o presidente destacou que lamenta a "as consequências humanitárias […]" do conflito e expressou preocupação com "o alto número de vítimas civis, incluindo mulheres e crianças, o número de deslocados internos e refugiados […]" além do "impacto adverso da guerra na segurança alimentar global, energia, segurança e proteção nuclear e o ambiente".

A mídia também relata que outros países, como a Índia, vão assinar a declaração, mas fazendo uma reserva sobre os pontos em que se menciona o conflito na Ucrânia.

Apesar das pressões de americanos e europeus, fontes diplomáticas afirmaram que o Brasil mantém sua decisão e sua tradição histórica de sustentar suas posições no direito internacional e, neste caso, na Carta das Nações Unidas.

No órgão internacional, Brasília condenou a operação da Rússia, mas o governo brasileiro se opôs a medidas unilaterais, como sanções e envios de armas, além de ser contra a expulsão de Moscou de organismos internacionais.

Quando Lula foi a Washington com a ideia de criar um clube de paz para que países pudessem mediar o cessar-fogo entre Moscou e Kiev, o governo Biden não se mostrou muito inclinado a elaborar a ideia.

Segundo o cientista político Guilherme Carvalhido, entrevistado pela Sputnik Brasil, para Joe Biden não seria "[…] desejoso ver Lula como um comandante [da interrupção do conflito]. Pelo contrário, ele quer que Lula tenha os interesses norte-americanos acima dessa posição. Por isso essa paz não se coloca como uma posição favorável ao acolhimento de Biden", afirmou.

A cúpula liderada por Biden gera controvérsias, uma vez que, entre outros motivos, exclui países da região, entre eles Venezuela, Nicarágua e Cuba, escreve O Globo. Ao mesmo tempo, desconsidera temas observados como importantes pelo Brasil, como a situação da Palestina.

 

       Mídia: Lula reconhece terem sido inadequadas as declarações sobre Moro

 

Após declarações seguidas que envolviam o ex-juiz Sergio Moro, Lula teria reconhecido que precisa ter mais cuidado antes de ser "franco demais" em suas opiniões. Ministros do STF acreditam que não há quem fale de "igual para igual" com presidente.

Na semana passada, o presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, "abriu o verbo" em relação ao ex-juiz e agora ministro Sergio Moro. Em dois dias seguidos, Lula relembrou seu período preso após ser julgado por Moro e fez declarações acerca do que pensa sobre o plano de matar o senador que veio à tona nos últimos dias.

Porém, o presidente teria se arrependido das declarações e reconheceu que errou, de acordo com a coluna de Lauro Jardim em O Globo.

O colunista afirma que também há um consenso entre os assessores e ministros mais próximos de que o ato foi um deslize com consequências para sua imagem política, visto que as declarações foram amplamente usadas pela oposição.

Um assessor direto do petista chegou a falar com Lula: "O senhor ganhou, presidente. Qual é o sentido de o campeão provocar o perdedor?", teria dito o assessor segundo a mídia.

No último dia 21, Lula recordou o tempo que passou preso na PF de Curitiba e disse que, quando era perguntado se estava tudo bem, respondia: "[...] Não, só vai estar tudo bem quando eu f**** o Moro".

No dia seguinte, 22, após o ex-juiz dizer que o Primeiro Comando da Capital (PCC) queria o sequestrar e matar, o presidente afirmou que tudo não passava de "armação do Moro", conforme noticiado.

Além das falas sobre Moro, há as declarações sobre o Banco Central e sobre o chefe do banco, Roberto Campos Neto. Ao ser independente, a instituição financeira tem a opção de não baixar a taxa de juros, uma das maiores reclamações do presidente. Atualmente, o Brasil tem a maior taxa de juros do mundo.

Para ministros do Supremo, ouvidos pelo jornalista Valdo Cruz em O Globo, não há quem "fale de igual para igual com Lula" neste momento, o que colabora para declarações delicadas que podem comprometer a própria gestão.

Os ministros avaliam que Lula está errando porque seus assessores não conseguem alertá-lo sobre "bolas divididas" em que não deveria entrar.

"Não tem ninguém que fale de igual para igual com ele, não tem mais José Dirceu, Antonio Palocci, Luiz Gushiken, José Genoíno, que traziam Lula para a realidade quando ele derrapava", avaliou um ministro do STF ao colunista.

Para eles, o único que atualmente fala no mesmo tom com Lula é o líder do governo no Senado, Jaques Wagner. Porém, o ex-ministro não está no Palácio do Planalto para tentar controlar o amigo e evitar que ele crie crises para o próprio governo.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

Arcabouço Fiscal: a proposta do governo para equilibrar as contas

Os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, apresentaram nesta quinta-feira (30) a proposta para o chamado "arcabouço fiscal". A nova regra para as contas públicas vai substituir o teto de gastos.

Com a nova regra, o governo Lula pretende controlar o gasto público e sair do vermelho, sem tirar dinheiro das áreas que considera essenciais, como saúde, educação e segurança. E também garantir recursos para investir em obras e projetos que ajudem a economia a crescer.

A expectativa é controlar despesas e frear o aumento da dívida – assim, os juros poderiam cair.

•        Veja abaixo como funcionarão as regras, assim que aprovadas:

<< Quais os principais tópicos?

•        As contas públicas perseguirão uma meta de resultado primário; nos próximos anos, a meta busca um superávit (com receitas maiores que despesas), antes do pagamento de juros da dívida.

•        Essa meta tem um intervalo de cumprimento em percentual do PIB.

•        Se as contas estiverem dentro da meta, o crescimento de gastos terá um limite de 70% do crescimento das receitas primárias (ou seja, da arrecadação do governo com impostos e transferências).

•        Já caso o resultado primário fique abaixo da banda de tolerância da meta, o limite para os gastos cai para 50% do crescimento da receita.

•        Há também uma banda de crescimento real da despesa primária (acima da inflação), que vai de 0,6% a 2,5% ao ano.

•        Há um piso anual para investimentos públicos, com base no previsto pelo Orçamento em 2023 (cerca de R$ 70 bilhões) e corrigido pela inflação ao longo do tempo.

<< Qual a informação mais importante?

O centro da proposta do Ministério da Fazenda é manter o resultado primário (saldo entre a arrecadação e as despesas do governo, sem considerar o pagamento de juros da dívida) positivo e dentro da meta estabelecida para os próximos anos.

Atualmente, a meta de resultado primário é um valor exato – e uma das mudanças propostas pelo arcabouço é que haja um intervalo de resultados possíveis (veja mais detalhes no próximo tópico).

Quando o governo estiver dentro da meta, o crescimento máximo dos gastos está limitado a 70% do crescimento da receita apurada no ano anterior. O dado será considerado entre julho de um ano e junho do ano seguinte, para permitir a inclusão das metas na proposta do orçamento.

Então, na prática, se o montante arrecadado pelo governo aumentar R$ 100 bilhões nesse período, por exemplo, os gastos públicos poderão ser elevados em até R$ 70 bilhões no ano seguinte — desde que o resultado primário esteja dentro do intervalo estabelecido e o aumento não seja maior que um crescimento real de 2,5% contra o ano anterior (saiba mais abaixo).

Dessa forma, o governo espera dar previsibilidade para os gastos, reduzir os juros do país e, assim, controlar a trajetória da dívida pública.

O que muda em relação ao teto de gastos, aprovado no governo de Michel Temer, é que a possibilidade de gastos públicos aumenta conforme a arrecadação do governo, e não com uma trava rígida e de acordo com a inflação do ano anterior.

O entendimento do governo Lula é que o teto de gastos engessa o orçamento e não permitiu que o país investisse como deveria nos últimos anos, trazendo prejuízos para diversas áreas, como infraestrutura, moradia, educação e saúde.

•        Como vai funcionar?

O intervalo, ou “banda”, para o resultado do primário vai funcionar nos moldes do que hoje acontece com o sistema de meta da inflação: existe o centro da meta e as faixas de tolerâncias para mais e para menos.

Para 2024, por exemplo, a meta do governo é igualar a receita e a despesa – o que resultaria em um resultado primário de 0% do PIB. Pelo sistema proposto, a meta será considerada "cumprida" se ficar entre um déficit de 0,25% e um superávit de 0,25%.

Caso o resultado primário do governo fique acima do teto da meta, o excedente poderá ser utilizado para investimentos. Se o resultado primário ficar abaixo da banda, as despesas no ano seguinte poderão crescer somente 50% do crescimento da receita no exercício seguinte.

Além disso, há ainda limites, mínimo e máximo, para o crescimento real (descontada a inflação) da despesa primária, que varia entre 0,6% e 2,5%.

•        Caso o Brasil tenha dificuldade de compor as receitas (cumprir metas e arrecadar impostos), o crescimento real dos gastos não poderá ser inferior a 0,6%.

•        Já em bons anos, em que o Brasil conseguir aumentar muito a arrecadação, o crescimento real dos gastos não pode ultrapassar 2,5%.

Na prática, esse intervalo funcionará como o novo teto de gastos. O teto anterior previa a correção dos gastos apenas pela inflação — ou seja, com crescimento real de 0%. Essa nova regra flexibiliza o limite anterior.

Um ponto: a proposta prevê que as despesas de saúde cresçam a 15% da receita líquida e as de educação, a 18%. Ou seja, terão crescimento real, acima da inflação.

O novo arcabouço fiscal também não limita despesas como o fundo da educação básica (Fundeb) e o piso da enfermagem já aprovado pelo Congresso.

•        O que o governo espera alcançar?

Caso o novo arcabouço seja aprovado e implementado, o governo prevê:

•        zerar o déficit público da União no próximo ano;

•        superávit de 0,5% do PIB em 2025;

•        superávit de 1% do PIB em 2026;

•        e estabilizar a dívida pública da União em 2026, último ano do mandato do presidente Lula.

Na avaliação de equipe de Haddad, o ajuste é importante, mas gradual. A previsão é que, neste ano, o governo feche com déficit na casa dos R$ 100 bilhões.

Segundo o governo, com o novo arcabouço, será possível estabilizar a dívida pública da União em 2026, último ano do mandato do presidente Lula, a no máximo em 77,3% Produto Interno Bruto (PIB). Porém, a dívida pública não é uma meta, e sim um objetivo do governo.

•        Quando começa a valer?

O novo arcabouço fiscal passa a valer assim que for aprovado pelo Congresso Nacional, como um projeto de lei complementar. Propostas desse tipo precisam de maioria absoluta de votos favoráveis, de 257 votos na Câmara dos Deputados e 41 votos no Senado.

A medida precisa, portanto, de menos votos do que foi necessário para aprovar o teto de gastos, que era uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Para ir à promulgação pelo Congresso, uma PEC precisa ser aprovada em dois turnos, na Câmara e no Senado, com apoio de, no mínimo, 308 deputados e 49 senadores.

A “anulação” do efeito constitucional do teto de gastos já foi tratada pela PEC da Transição, aprovada enquanto o governo Lula ainda era formado. O texto dava prazo até o fim de agosto para que fosse enviado ao Congresso um novo regime fiscal em substituição ao teto de gastos, mas não há um prazo exato para aprovação.

Mas o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou nesta quinta-feira que a proposta deve chegar ao Congresso Nacional já na próxima semana, antes do feriado.

O Planalto trabalha para que o orçamento de 2024 já seja construído com base no novo arcabouço fiscal, já que ele prevê metas de crescimento da economia e de controle dos gastos já para o próximo ano.

 

       O que prevê o novo arcabouço

 

Se aprovada pela Congresso, a nova regra para as contas públicas vai substituir o teto de gastos em vigor desde 2017 como novo parâmetro para limitar os gastos do governo.

O objetivo, com isso, é garantir um equilíbrio entre a arrecadação e os gastos, para que as contas públicas voltem a ficar "no azul". A meta é zerar o balanço já em 2024 e registrar superávit a partir de 2025.

•        Despesa atrelada à receita

A proposta prevê que, a cada ano, o crescimento máximo dos gastos públicos seja de 70% do crescimento da receita primária (ou seja, da arrecadação do governo com impostos e transferências).

O dado será considerado entre julho de um ano e junho do ano seguinte, para permitir a inclusão das metas na proposta de orçamento.

Ou seja: se a arrecadação do governo crescer R$ 100 bilhões nesse intervalo, o governo federal poderá ampliar os gastos em até R$ 70 bilhões no ano seguinte.

•        Limite de crescimento real da despesa

Há, no entanto, um segundo limite. Mesmo que a arrecadação aumente muito, o governo terá que respeitar um intervalo fixo para o crescimento real das despesas.

Essa banda vai variar entre 0,6% e 2,5% de crescimento real (ou seja, desconsiderada a inflação do período), a depender do cumprimento das outras metas econômicas previstas no arcabouço.

Ou seja:

•        caso o Brasil tenha dificuldade de compor as receitas (cumprir metas e arrecadar impostos), o crescimento real dos gastos terá de ser, pelo menos, de 0,6%;

•        já em bons anos, em que o Brasil conseguir aumentar muito a arrecadação, o crescimento real dos gastos deve ser de até 2,5%.

Esse intervalo também funciona como um teto de gastos, mas é mais flexível que as regras atualmente em vigor. Hoje, os gastos são corrigidos apenas pela inflação, ou seja, com crescimento real de 0%.

A regra proposta tem caráter anticíclico.

De um lado, o crescimento real mínimo de 0,6% estimula a economia no cenário ruim, quando a atividade econômica estiver lenta.

Do outro, o crescimento real máximo de 2,5% segura os gastos públicos nos momentos de fartura, evitando o descontrole das despesas.

•        Intervalo para a meta do resultado primário

O arcabouço fiscal altera também o formato da meta de resultado primário das contas públicas.

Esse resultado primário é o saldo entre a arrecadação e as despesas do governo, sem considerar o pagamento de juros da dívida. É desejável que o país tenha superávit, ou seja, poupe parte do dinheiro arrecadado para reduzir a dívida ou construir reservas.

Hoje, a meta de resultado primário é um valor exato. O arcabouço propõe um intervalo, ou "banda", de resultados possíveis.

O modelo é similar ao da meta de inflação que já existe hoje – que trabalha com um valor central e um intervalo de tolerância, para mais ou para menos.

Para 2024, por exemplo, a meta do governo é igualar receita e despesa. Em termos matemáticos, um resultado primário de 0% do PIB.

Pelo sistema proposto, a meta será considerada "cumprida" se ficar entre superávit de 0,25% e déficit de 0,25%.

O projeto também estabelece o que acontece se essas metas forem descumpridas, para mais ou para menos:

•        se o resultado primário superar o limite máximo da meta, o excedente arrecadado pelo governo e não gasto poderá ser direcionado para ampliar investimentos;

•        se o resultado primário ficar abaixo do limite mínimo da meta, há uma limitação para o ano seguinte: as despesas poderão crescer só 50% do crescimento da receita (e não mais os 70% originais).

•        Fundeb e piso da enfermagem fora do teto

Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o novo arcabouço fiscal não limita despesas como o fundo da educação básica (Fundeb) e o piso da enfermagem já aprovado pelo Congresso.

De acordo com Haddad, a proposta mantém regras constitucionais, já existentes, sobre os investimentos mínimos em educação e saúde e a garantia de custeio das duas áreas.

Meta de resultado primário

Caso o novo arcabouço seja aprovado e implementado, o governo prevê:

1.       zerar o déficit público da União no próximo ano;

2.       superávit de 0,5% do PIB em 2025;

3.       superávit de 1% do PIB em 2026.

Segundo o governo, com o novo arcabouço, será possível estabilizar a dívida pública da União em 2026, último ano do mandato do presidente Lula, a no máximo em 77,3% Produto Interno Bruto (PIB).

A relação entre dívida pública e PIB, no entanto, não é uma meta macroeconômica formal do governo. A área econômica trata a melhoria desse indicador como um objetivo a ser perseguido, de forma mais ampla.

Parte dos especialistas defendia que o novo arcabouço tivesse uma meta concreta para a dívida. A equipe econômica avalia, no entanto, que esse indicador inclui variáveis que não são controladas pelo governo.

Na avaliação de equipe de Haddad, o ajuste é importante, mas gradual. A previsão é que, neste ano, o governo feche com déficit na casa dos R$ 100 bilhões.

Para 2024, a proposta prevê que o déficit seja zerado, com superávit no terceiro ano do mandato de Lula.

 

Fonte: g1

 

Bolsonaro e os tribunais: de joias a eleições, os problemas que o ex-presidente enfrenta na Justiça

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) regressou ao Brasil na quinta-feira (30/03) após três meses morando nos Estados Unidos. Ele deixou o país no dia 30 de dezembro do ano passado, dois dias antes do fim de seu mandato. Com isso, ele deixou de entregar a faixa presidencial ao seu sucessor, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Sua volta animou dezenas de apoiadores e políticos da direita conservadora que tentaram encontrá-lo no saguão do Aeroporto Internacional de Brasília.

Um dos planos do ex-presidente é viajar pelo Brasil, agora como presidente de honra do PL, que pretende utilizá-lo como principal cabo eleitoral para as eleições de 2024. Mas apesar da animação, Bolsonaro deverá ter pela frente um intenso embate com a Justiça brasileira.

Isso poderá ocorrer porque ele é alvo de uma série de inquéritos e processos em diferentes instâncias do Poder Judiciário.

Há desde ações que podem deixá-lo inelegível e, portanto, fora de futuras disputas eleitorais, a investigações sobre as joias dadas pelo governo da Arábia Saudita a ele e sua mulher, Michelle Bolsonaro.

Confira, abaixo, as principais frentes que Bolsonaro terá de enfrentar na Justiça:

·         Joias sauditas e primeira instância

A frente de batalha mais recente de Bolsonaro com a Justiça é a que investiga as circunstâncias nas quais joias dadas pelo governo da Arábia Saudita ao ex-presidente e à sua mulher, Michelle Bolsonaro, entraram no Brasil.

O caso foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo. Segundo as reportagens, a Receita Federal reteve um conjunto de joias dadas a Bolsonaro pelo regime saudita em 2021.

No pacote havia um colar de diamantes, um anel, um relógio e um par de brincos, também de diamantes.

As joias estavam na mochila de um assessor do então ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque que tentou entrar no Brasil com o produto sem declarar os bens ao Fisco, livrando-se, assim, do pagamento dos impostos.

Depois disso, o governo enviou assessores a Guarulhos para tentar reaver as joias.

Após a revelação feita pelo jornal, foi divulgada a existência de outros dois conjuntos de joias dados pela Arábia Saudita à família Bolsonaro.

Em março, o Ministério da Justiça pediu a abertura de uma investigação para apurar se houve alguma ilegalidade no caso.

Em entrevista sobre o assunto, o ministro da Justiça, Flávio Dino, mencionou três possíveis crimes a serem investigados: descaminho, peculato e lavagem de dinheiro. As suspeitas são de que Bolsonaro teria tentado reaver as joias em benefício próprio e sem pagar os impostos devidos.

Em entrevistas, Bolsonaro e sua defesa vem negando qualquer irregularidade em relação às joias. Segundo ele, todas as medidas relativas às joias teriam sido cadastradas de forma legal.

"Um grupo de joias, em 2021, ficou retida na Alfândega. Eu e minha esposa ficamos sabendo pela imprensa. Parece que seria um valor alto [...] se não tivéssemos cadastrado, se eu tivesse tentado camuflar isso aí, jamais o Estado de S. Paulo ia saber que eu tinha recebido essas joias", disse Bolsonaro em pronunciamento dado nesta quinta-feira (30/3), após seu retorno ao Brasil.

Na quarta-feira (29/3), o jornal O Estado de S.Paulo divulgou que a Polícia Federal já marcou o primeiro depoimento de Bolsonaro em relação ao caso das joias. Será na quarta-feira (5/4).

O caso das joias, diferente dos demais, está sendo conduzido na primeira instância da Justiça, uma vez que Bolsonaro não tem mais foro privilegiado.

Além desses, o ex-presidente ainda responde a pelo menos oito ações que foram, recentemente, redirecionadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à primeira instância.

Nesse grupo de processos há ações sobre pronunciamentos feitos por Bolsonaro nas celebrações do 7 de Setembro de 2021 e ataques a ministros do Supremo como Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes.

·         STF: milícias digitais e notícias falsas

No STF, Bolsonaro é alvo de pelo menos seis inquéritos. Em todos eles, os casos ainda estão na fase de investigação e o ex-presidente não foi processado. Alguns desses casos ainda tramitam na Corte porque decorrem de investigações envolvendo outros alvos e que já vinham sendo tratadas na Corte.

Em um deles, ele é investigado por seus ataques à confiabilidade das urnas eletrônicas nos últimos anos e por sua suposta atuação em uma milícia digital que teria como objetivo atentar contra a democracia. O caso está sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes.

Bolsonaro também é investigado no inquérito que apura a responsabilidade pela ação de milhares de pessoas que invadiram as sedes dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro deste ano. Bolsonaro foi incluído no inquérito, que também está sob a relatoria de Alexandre de Moraes, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR).

O inquérito tem como objetivo identificar os autores intelectuais dos atos ocorridos no início deste ano.

Bolsonaro entrou na mira das investigações após publicar um vídeo em suas redes sociais após as invasões que colocava em dúvida o resultado das eleições de 2022, uma das principais queixas dos militantes que invadiram as sedes dos Três Poderes. O vídeo foi apagado pouco depois de a conta de Bolsonaro publicá-lo.

Logo após a invasão, o presidente Lula atribuiu a Bolsonaro a responsabilidade pela invasão dos prédios.

"Tem vários discursos do ex-presidente da República estimulando isso. Ele estimulou invasão na Suprema Corte, estimulou invasão [...] só não estimulou invasão no Palácio porque ele estava lá dentro. Mas ele estimulou invasão nos Três Poderes sempre que ele pôde. E isso também é responsabilidade dele e dos partidos que sustentaram ele", disse Lula à época.

Em suas redes sociais, porém, Bolsonaro rebateu as acusações feitas por Lula e negou seu envolvimento com os atos de 8 de janeiro.

"Ao longo do meu mandato, sempre estive dentro das quatro linhas da Constituição, respeitando as leis, a democracia, a transparência e a nossa sagrada liberdade" disse uma postagem.

"No mais, repudio as acusações, sem provas, a mim atribuídas por parte do chefe do Executivo do Brasil", disse Bolsonaro.

Além desses, Bolsonaro ainda é alvo de investigações que apuram:

# suposto vazamento de dados de um inquérito sigiloso sobre as urnas eletrônicas

# suposta interferência dele na Polícia Federal

# eventual prática de crime durante uma transmissão em suas redes sociais em que Bolsonaro associou, sem provas, a vacinação contra a Covid-19 e a infecção pelo vírus HIV

Seu advogado nos inquéritos que tramitam no STF, Marcelo Bessa, disse estar confiante em relação ao futuro dos casos.

"As suspeitas levantadas sobre o ex-presidente foram feitas dentro de um contexto político, fazem parte de uma narrativa. Mas quando a gente analisa os fatos e as provas, verificamos que nada se sustenta", afirmou.

·         Justiça Eleitoral: risco de inelegibilidade

Bolsonaro é alvo de 16 processos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele é acusado de ilegalidades cometidas durante a campanha.

Os processos avaliam se houve abuso de poder econômico, abuso de poder político e abuso do uso dos meios de comunicação pelo então presidente. Ele é acusado de ter se aproveitado do cargo e da estrutura da Presidência da República em benefício próprio durante o processo eleitoral.

Se for condenado em alguma dessas ações e, se a Corte entender que a conduta que levou à sua condenação foi grave, Bolsonaro pode ficar até oito anos inelegível.

Dependendo de quando (e se) essa condenação ocorrer, o ex-presidente poderá ficar fora das disputas presidenciais de 2026 e 2030.

De todos os processos eleitorais contra Bolsonaro, há dois que são considerados pelos especialistas como os mais importantes.

O primeiro deles é uma ação movida pelo PDT, partido do candidato derrotado à Presidência em 2022, Ciro Gomes.

Na ação, Bolsonaro é acusado de praticar ataques ao sistema eleitoral.

Um dos exemplos citados na ação foi a reunião organizada por Bolsonaro com embaixadores de diversos países, em Brasília, na qual ele fez uma apresentação sobre supostas falhas no sistema eleitoral do país.

No entendimento do PDT, Bolsonaro praticou abuso de poder no episódio.

Um dos desdobramentos mais recentes desta ação aconteceu em janeiro deste ano. O ministro Benedito Gonçalves, admitiu como prova a minuta de um decreto encontrada na casa do ex-ministro da Justiça durante a gestão Bolsonaro, Anderson Torres, que previa o estado de defesa e a suspensão do processo eleitoral de 2022.

Ainda não há previsão sobre quando o caso será julgado.

O segundo processo considerado importante foi movido pelo PT e que contesta uma série de benefícios concedidos por Bolsonaro durante o período eleitoral, o que, segundo a acusação, configura abuso de poder político e econômico.

O chamado "pacote de bondades" seria composto por dez medidas, entre elas:

# Inclusão de 500 mil famílias no programa Auxílio-Brasil em outubro de 2022

# Crédito consignado para beneficiários do Auxílio-Brasil

# Relançamento de um programa de renegociação de dívidas na Caixa Econômica Federal (CEF)

Em janeiro, juristas ouvidos pela BBC News Brasil avaliaram que este processo é o que teria mais chances de levar a uma condenação de Bolsonaro e à sua possível inelegibilidade.

A advogada Paula Bernardelli explicou que já existe um grande número de decisões do TSE que consideram a aprovação de benefícios do tipo como abuso de poder político e econômico.

"A gente nunca teve um presidente condenado por isso, mas esse tipo de condenação é bem comum em prefeituras do interior", disse a advogada.

"Você vê muitos casos em que prefeitos são cassados por distribuir benefícios, por troca de favores - casos que de alguma forma se aproximam dos que estão na ação (contra Bolsonaro), embora sejam em escala diferente", completou Bernardelli.

Existe uma jurisprudência nesse sentido que não favorece Bolsonaro, explica Luis Fernando Pereira, coordenador-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

"Talvez o fato de ser um pleito presidencial, dada a dimensão, exija uma demonstração mais categórica desse abuso. Mas se nos orientarmos pelas decisões da Justiça até agora, o risco de condenação de Bolsonaro nessa ação é o maior", afirmou.

Quando ainda era presidente, Bolsonaro negou que o apelidado "pacote de bondades" tivesse viés eleitoral e argumentou que as medidas se justificavam pela situação de "emergência" do país, após a pandemia de covid-19.

A reportagem da BBC News Brasil procurou o advogado Tarcísio Vieira, que defende Bolsonaro na esfera eleitoral, mas ele não respondeu às tentativas de contato.

·         Futuro político

Para a cientista política e professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing Denilde Holzhacker, apesar de enfrentar processos em diversas esferas, a principal fonte de preocupação do ex-presidente e do seu partido, o PL, está na Justiça Eleitoral.

Segundo ela, haveria uma tendência para que a Corte o condenasse e o tornasse inelegível pelos próximos oito anos. Isso obrigaria Bolsonaro e o PL a recalcular seus planos.

"Se isso acontecer, isso vai ter uma série de implicações, a começar pela estratégia de construção de uma nova candidatura (presidencial) e pela necessidade de saber quem seria o herdeiro do bolsonarismo", disse a professora.

"Isso também afetaria a capacidade do PL de executar o plano do seu presidente, Valdemar da Costa Neto, de aumentar o número de prefeituras do partido em 2024", afirmou Holzhacker em referência às eleições municipais do ano que vem.

A professora, no entanto, avalia que se Bolsonaro não ficar inelegível, ele tende a continuar a ser um ator importante nas próximas eleições.

"Se isso (condenação) não acontecer, teremos uma lógica ligada ao retorno da capacidade de Bolsonaro de arregimentar e construir uma candidatura futura", avaliou.

 

Fonte: BBC News Brasil

 

O mistério sobre o assassino de Gandhi, mais de 7 décadas depois

Na noite de 30 de janeiro de 1948, Nathuram Vinayak Godse atirou em Mohandas Karamchand Gandhi à queima-roupa, quando o líder mais venerado da Índia saía de uma reunião de oração na capital, Déli.

O fanático de 38 anos era membro do Hindu Mahasabha, um partido de direita, que havia acusado Gandhi de ter traído os hindus por ser a favor demais dos muçulmanos e brando com o Paquistão.

Eles o culparam até pelo derramamento de sangue que marcou a Partição, processo pelo qual a Índia e o Paquistão foram criados após a independência do Reino Unido em 1947.

Um tribunal de primeira instância condenou Godse à morte um ano após o assassinato. Ele foi executado em novembro de 1949, depois que o tribunal superior confirmou a sentença. (Um cúmplice, Narayan Apte, também foi condenado à morte, e outros seis à prisão perpétua).

Antes de entrar para o Hindu Mahasabha, Godse era membro da Rashtriya Swayamsevak Sangh (Organização Nacional de Voluntários) ou RSS, a fonte ideológica do Partido Bharatiya Janata (BJP), à frente do governo da Índia.

O próprio primeiro-ministro, Narendra Modi, é um membro de longa data da "nave-mãe" de 95 anos do nacionalismo hindu. O RSS desempenha um papel profundamente influente em seu governo e fora dele.

Por décadas, o RSS rejeitou Godse, que assassinou o "Pai da Nação", como os indianos adoram chamar seu principal ícone.

No entanto, um grupo de direitistas hindus tem louvado Godse nos últimos anos e celebrado abertamente o assassinato de Gandhi. No ano passado, um parlamentar incendiário do BJP descreveu Godse como um "patriota".

Tudo isso indignou a maioria dos indianos, mas o RSS manteve sua posição: Godse deixou a organização muito antes de matar Gandhi.

Um novo livro agora afirma, no entanto, que isso não é bem verdade.

Godse, um homem tímido que abandonou o ensino médio, trabalhava como alfaiate e vendia frutas antes de entrar para o Mahasabha, onde editava seu jornal. Durante o julgamento, ele levou mais de cinco horas para ler um depoimento de 150 parágrafos perante o tribunal.

Ele disse que "não houve conspiração" para matar Gandhi, tentando assim absolver seus cúmplices de qualquer crime. E negou a acusação de que agiu sob a orientação de seu líder, Vinayak Damodar Savarkar, que deu origem à ideia de Hindutva ou Hinduísmo. (Embora Savarkar tenha sido exonerado de todas as acusações, os críticos acreditam que o direitista radical que detestava Gandhi estava ligado ao assassinato.)

Godse também afirmou ao tribunal que havia rompido com o RSS muito antes de matar Gandhi.

Dhirendra Jha, autor de Gandhi's Assassin ("O Assassino de Gandhi", em tradução literal), escreve que Godse — filho de pai carteiro e mãe dona de casa — era um "trabalhador proeminente" do RSS. E não havia "evidências" de que fora expulso da organização. Um depoimento de Godse registrado antes do julgamento "não menciona sua saída do RSS depois que ele se tornou membro do Hindu Mahasabha".

No entanto, em depoimento perante o tribunal, ele disse que "se juntou ao Hindu Mahasabha depois de deixar o RSS, mas permanece em silêncio sobre quando exatamente fez isso".

"Esta alegação permaneceu sendo um dos aspectos mais debatidos da vida de Godse", diz Jha.

Ele acredita que "escritores pró-RSS" usaram isso para "alavancar silenciosamente a ideia de que Godse já havia rompido com o RSS e se juntado ao Hindu Mahasabha quase uma década antes de matar Gandhi".

O pesquisador americano JA Curran Jr afirmou que Godse entrou para o RSS em 1930 e saiu quatro anos depois, mas não forneceu evidências para sua afirmação.

Jha escreve que, em depoimento dado à polícia antes do início de seu julgamento, Godse admitiu que estava trabalhando para ambas as organizações simultaneamente.

Familiares dele também entraram no debate no passado. Gopal Godse, irmão de Nathuram, que morreu em 2005, disse que seu irmão "não deixou o RSS".

E, em 2015, um sobrinho-neto de Godse contou a um jornalista que o tio avô entrou para o RSS em 1932 e "não foi expulso nem deixou a organização".

Jha, que vasculhou os arquivos, também se debruça sobre as ligações entre as duas organizações hindus.

Ele escreve que o Hindu Mahasabha e o RSS tinham uma "relação fluida e sobreposta" e uma ideologia idêntica.

Os dois grupos, segundo ele, "sempre tiveram conexões próximas e, às vezes, inclusive membros coincidentes" até que Gandhi foi assassinado. (O RSS foi banido por mais de um ano após o assassinato de Gandhi.)

O RSS sempre ecoou o que Godse disse no tribunal — que ele deixou a organização em meados da década de 1930, e que o julgamento provou que não tinha nada a ver com o assassinato.

"Dizer que ele era um membro do RSS é apenas projetar uma mentira com intenções políticas", disse Ram Madhav, um alto líder do RSS.

Golwalkar, um dos líderes mais influentes do RSS, descreveu o assassinato de Gandhi como uma "tragédia de magnitude sem precedentes — ainda mais porque o gênio do mal é um compatriota e hindu".

Mais recentemente, líderes do RSS como MG Vaidya chamaram Godse de "assassino" que "insultou" Hindutva ao matar uma figura tão respeitada da Índia.

Autores como Vikram Sampath acreditam que o RSS e o Hindu Mahasabha tiveram uma relação tempestuosa.

Sampath, autor de uma biografia de dois volumes sobre Savarkar, escreve que a decisão do Hindu Mahasabha de criar um grupo de voluntários semelhante a uma "sociedade secreta revolucionária" para "proteger os interesses dos hindus" havia "azedado" seu relacionamento com o RSS.

Além disso, de acordo com Sampath, o RSS "desistiu de idolatrar indivíduos, diferentemente do líder do Mahasabha, Savarkar, que acreditava no "culto a heróis e adulação exagerada".

Em outro livro, RSS: A View to the Inside(RSS: Uma visão de dentro, em tradução livre), Walter K Andersen e Shridhar D Damle falam sobre como o RSS foi "manchado com o envolvimento de um ex-membro (Nathuram Godse)" no assassinato de Gandhi, e "difamado com o respaldo oficial como fascista, autoritário e obscurantista".

No entanto, as dúvidas de que Godse fazia parte intrinsecamente e jamais deixou o RSS nunca desapareceram.

Antes de Godse ir para a forca, em 15 de novembro de 1949, ele recitou as primeiras quatro frases da oração do RSS.

"Mais uma vez, isso revela o fato de que ele era um membro ativo da organização", diz Jha. "Desassociar o RSS do assassino de Gandhi é uma invenção da história."

 

       Vikings: por que muito do que conhecemos sobre este povo nórdico está errado

 

Altos, loiros, fortes e guerreiros implacáveis da Escandinávia. Graças a algumas sagas e lendas - e aos filmes e à Netflix - foi assim que os vikings se firmaram no imaginário popular.

Mas agora, um novo estudo, a maior análise genética sobre essa cultura até hoje, derruba muitos dos juízos que tínhamos desse poderoso grupo de navegadores que conquistou partes da Ásia, Groenlândia e Europa por volta do primeiro milênio dC.

"Os resultados mudam a percepção de quem realmente eram os vikings. Os livros de história terão que ser atualizados", diz o geneticista evolucionista Eske Willerslev, líder do estudo, em comunicado divulgado pela Universidade de Cambridge, no Reino Unido, uma das instituições de ensino envolvidas na descoberta.

A pesquisa envolveu a análise genética de mais de 400 esqueletos Viking em diferentes locais na Irlanda, Islândia, Groenlândia, Polônia, Ucrânia, Reino Unido e Rússia.

"O estudo levou mais de seis anos para ser concluído desde a sua concepção e envolveu a coleta de amostras ósseas de toda a Europa em colaboração com uma grande equipe de arqueólogos", explica Fernando Racimo, especialista do Centro de Geogenética da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, e um dos autores.

Segundo Racimo, os cientistas começaram extraindo e sequenciando o material genético das amostras para depois analisá-lo e compará-lo com outros genomas antigos e atuais, interpretando os resultados "em seu contexto cultural e histórico."

"Todo o esforço envolveu uma grande equipe de geneticistas, estatísticos, arqueólogos, linguistas e historiadores", diz ele.

O estudo foi realizado por cientistas da Universidade de Copenhague (Dinamarca) e de Cambridge (Reino Unido), e os resultados foram publicados na quarta-feira (16/09) na revista científica Nature.

•        O que o estudo diz?

Os pesquisadores partiram do pressuposto de que a expansão marítima das populações escandinavas durante a Era Viking (por volta de 750-1050 DC) foi uma transformação profunda na história mundial.

Para isso, a equipe sequenciou os genomas de 442 humanos (incluindo homens, mulheres, crianças) de sítios arqueológicos na Europa e na Groenlândia para entender a influência global dessa expansão.

"A maior conquista (da pesquisa) é que agora temos uma imagem muito detalhada da estrutura genômica dentro e fora da Escandinávia durante a era Viking e o impacto genético das expedições Viking em todo o continente", diz Racimo.

Para surpresa de muitos, e ao contrário da frequente teoria da "pureza racial" do grupo, eles descobriram que os vikings, geneticamente, não só vieram da Escandinávia, mas também tinham DNA da Ásia, sul da Europa e das Ilhas Britânicas.

"Concluímos que a diáspora Viking foi caracterizada por um envolvimento transregional substancial: diferentes populações influenciaram a composição genômica de diferentes regiões da Europa e a Escandinávia experimentou um maior contato com o resto do continente", aponta o estudo.

De acordo com Racimo, a pesquisa também revelou como as rotas Viking também levaram a genética do grupo a se diversificar.

"Também vimos que a ancestralidade do sul da Europa aumentou no sul da Escandinávia durante a era Viking, provavelmente devido ao aumento das rotas comerciais e à frequência das expedições ao sul do continente e vice-versa", observa.

Como resultado, os cientistas descobriram que nem todos os vikings eram louros ou tinham pele clara e olhos azuis.

"Nossa pesquisa desacredita a imagem moderna dos vikings de cabelos louros, já que muitos tinham cabelos castanhos e foram influenciados pela genética de fora da Escandinávia", diz Willerslev em comunicado divulgado pela Universidade de Cambridge.

•        Outras descobertas

A pesquisa sugere que ser um Viking era mais um conceito e cultura do que uma questão de herança genética, como se acreditava até agora.

Na verdade, a equipe descobriu que dois esqueletos Viking enterrados nas ilhas do norte da Escócia tinham herança escandinava e irlandesa, mas nenhuma escandinava, pelo menos geneticamente.

"Fiquei particularmente surpreso com a quantidade de mistura que ocorreu entre os vikings e a população local dentro de cada uma das regiões que estudamos. Muitas vezes, descobrimos que vários indivíduos que eram 'culturalmente' vikings ou enterrados no estilo viking também tinham afinidades com ancestralidade com povos locais, por exemplo, pessoas do tipo celta no oeste e nas ilhas do Atlântico Norte ", diz Racimo à BBC News Mundoy, o serviço de notícias em espanhol da BBC.

O estudo também aponta que os navios vikings em suas expedições às vezes eram compostos por membros da mesma família ou que estavam associados em suas viagens pelas populações ou regiões que habitavam.

•        Quem foram os vikings?

Tradicionalmente, os vikings eram considerados guerreiros e navegadores do norte da Europa que conquistaram partes daquele continente, a Ásia, e chegaram à América por volta do ano 1.000.

"As diásporas escandinavas estabeleceram comércio e assentamentos que se estendiam do continente americano às estepes asiáticas. Eles exportaram ideias, tecnologias, linguagem, crenças e práticas e desenvolveram novas estruturas sócio-políticas", diz Søren Sindbæk, arqueólogo do Museu Moesgaard na Dinamarca, um dos colaboradores do estudo.

Os vikings mudaram o curso político e genético da Europa, mas também exploraram outros continentes.

Muitas expedições envolveram ataques a mosteiros e cidades ao longo dos assentamentos costeiros da Europa, mas de acordo com historiadores, o comércio de produtos como peles de foca, presas e gordura era frequentemente seu objetivo principal.

As Sagas nórdicas, a antiga coleção escandinava de mitos e lendas, reconta o auge da conquista e exploração Viking um milênio atrás.

De acordo com seus relatos, Canuto, o Grande, tornou-se rei da Inglaterra, Olaf Tryggvason trouxe o cristianismo para a Noruega e um viking chamado Leif Ericson teria sido o primeiro europeu a chegar ao continente americano antes da expedição de Cristóvão Colombo.

Ericson, segundo a lenda, liderou uma expedição do novo assentamento nórdico na Groenlândia para o oeste, navegando rumo ao desconhecido, em busca de terras e recursos para fazer frente às deficiências da colônia da Groenlândia.

 

Fonte: BBC News India/BBC Worklife