Um impulso aos biocombustíveis
Os picos nos preços das commodities na primeira
década do século XXI coincidiram com um boom global nos biocombustíveis. O
interesse nos biocombustíveis foi motivado, supostamente, por uma preocupação
com o aquecimento global, mas outras razões mais mundanas desempenharam um
papel fundamental. Nas economias avançadas, isso incluiu uma urgência
geopolítica para diminuir a dependência das importações de combustíveis fósseis
de países que sofrem instabilidade política, combinada com a conveniência
política de apoiar a produção doméstica de commodities agrícolas. Exemplos bem
conhecidos incluem o lobby do milho nos Estados Unidos e o círculo eleitoral da
colza na União Europeia.
As políticas de biocombustível em ambas as
jurisdições estão agora sob pressão. Os baixos preços do petróleo
reduziram a demanda por biocombustíveis, enquanto o desenvolvimento
inesperadamente rápido de veículos elétricos e de energia renovável oferece
caminhos mais atraentes para a redução dos gases de efeito estufa (GEE). O
longo atraso na operação da produção de biocombustíveis avançados fez com que
várias empresas declarassem falência e reduziu o investimento nessas
tecnologias outrora promissoras.
Por fim, a preocupação com as mudanças indiretas no
uso da terra e com as questões de segurança alimentar motivou a UE a reverter
os subsídios e acabar com as políticas que antes favoreciam o setor de
biocombustíveis. Os EUA são um exportador de etanol, mas importam cerca de 20%
do seu consumo de biodiesel, que é baseado principalmente na soja.
Na América do Sul, vários países adotaram políticas
de biocombustíveis. A motivação nesses países tem pouco a ver com as mudanças
climáticas, sendo mais obviamente destinada a promover o desenvolvimento
rural e impulsionar os setores de exportação. O Brasil, a Colômbia, o Peru e o
Equador têm mandatos de biocombustível que exigem que os distribuidores e
varejistas misturem uma quantidade específica de biocombustível com os
combustíveis fósseis tradicionais. A gasolina é misturada com etanol produzido
a partir de cana-de-açúcar e milho, enquanto o biodiesel é uma mistura que
utiliza derivados de soja ou óleo de palma ou óleo residual e gorduras
coletadas da cadeia alimentar.
O Brasil tem um longo histórico de promoção da
bioenergia, especialmente do etanol de cana-de-açúcar, e o setor açucareiro
brasileiro é conhecido por sua eficiência e baixa emissão de GEE. As
empresas brasileiras também lideram os esforços para produzir etanol celulósico
e a maioria usa biomassa residual como fonte de energia térmica para gerar
energia elétrica que é monetizada nos mercados domésticos de
eletricidade. O Brasil é o maior produtor e exportador de etanol do
mundo e, recentemente, começou a exportar pellets de biomassa de resíduos
agrícolas para empresas de serviços públicos norte-americanas e europeias que
buscam reduzir as emissões de usinas elétricas movidas a carvão. Um número
crescente de empresas com terras no Mato Grosso está construindo usinas
térmicas de biomassa com planos de instalar tecnologias de captura e sequestro
de carbono no médio prazo.
A expansão do cultivo de milho em Mato Grosso
catalisou seu uso como matéria-prima para a produção de etanol. Fabricado no
Brasil pela primeira vez em 2012, o etanol à base de milho explodiu como modelo
de negócios, com 1,4 bilhão de litros produzidos em 2019/2020 e 3,2 bilhões de
litros projetados para 2021/2022. A produção atual representa cerca de quatro
por cento do consumo nacional total de etanol, mas espera-se que chegue a vinte
por cento até o final da década (8,0 bilhões de litros).
Em 2019, havia sete destilarias à base de milho em
operação no Mato Grosso, três em construção e sete em diferentes estágios de
planejamento. Uma usina de grande porte, capaz de produzir 500 milhões de
litros por ano, requer um investimento de US$ 100 milhões; ela gerará uma
receita bruta de aproximadamente US$ 200 milhões e criará até 8.000 empregos
diretos e indiretos. O valor nominal da produção de etanol à base de milho
foi de aproximadamente US$ 1,3 bilhão em 2020/2021; cerca de metade pode ser
atribuída ao Mato Grosso.
O impacto econômico do etanol à base de milho é
ampliado pelos subprodutos da fermentação que têm seus próprios valores
comerciais: o óleo de milho e um resíduo sólido conhecido como DDGS (grãos
secos de destilaria com solúveis). O óleo de milho tem características químicas
semelhantes às da soja e pode ser vendido nos mercados de óleo vegetal; o DDGS
é ainda mais lucrativo porque é rico em proteínas e vitaminas, o que o torna um
excelente suplemento alimentar para o setor pecuário.
O desenvolvimento de um setor de etanol à base de
milho resolveu um desafio crucial para o setor agrícola industrial: estoques
excedentes de milho. Os grãos não processados não são competitivos nos
mercados globais devido aos altos custos de transporte, mas, como matéria-prima
para biocombustível, podem ser comercializados nos mercados domésticos de
energia, enquanto o óleo de milho e o DDGS agregam valor aos produtos de carne
destinados aos mercados internacionais.
O governo brasileiro apoia a produção de biodiesel
estabelecendo um mandato de mescla obrigatória de 10 % de biodiesel no óleo
diesel fóssil. A maior parte da matéria-prima é o óleo de soja, que em
2019 totalizou 4,8 milhões de metros cúbicos. Esse volume é equivalente ao teor
de óleo de aproximadamente 18% da produção nacional total e a 50% do óleo de
soja processado internamente no Brasil. O Mato Grosso produziu 26% desse total.
Em contraste, menos de 2% do requisito de biodiesel foi fornecido pelo óleo de
palma, que representou menos de 6% da colheita nacional total em 2019. A maior
parte foi produzida pela Brasil Biofuels, que o mistura com diesel convencional
para abastecer suas dezoito usinas de energia localizadas no Acre, Roraima,
Rondônia e Amazonas.
A decisão de promover a soja em vez do óleo de
palma como matéria-prima para o biodiesel é digna de nota porque a pegada de
GEE do óleo de palma brasileiro é significativamente menor do que a da
soja. As emissões de carbono do óleo de palma são aproximadamente
cinquenta por cento menores do que as da soja quando a mudança no uso da terra
é excluída do cálculo; no entanto, se o óleo de palma for considerado livre de
desmatamento e a expansão da soja ocorrer por meio da conversão de paisagens do
Cerrado, a pegada de GEE será cerca de 140% menor para o óleo de palma em
comparação com a soja. O óleo de palma produzido em pastagens degradadas é
negativo em carbono porque a biomassa acima e abaixo do solo aumenta com o
tempo até atingir um equilíbrio após algumas décadas.
Presumivelmente, a decisão de priorizar a soja em
detrimento do óleo de palma foi motivada pela infraestrutura logística
pré-existente próxima aos centros urbanos do Sudeste do Brasil e pela
capacidade limitada das empresas de óleo de palma de produzir o volume de
matéria-prima exigido pelas exigências regulatórias. A influência política
também pode ter contribuído para favorecer o setor da soja, que teve uma
receita bruta de cerca de US$ 40 bilhões em 2015, em comparação com
aproximadamente US$ 350 milhões do óleo de palma.
A Colômbia elaborou seu programa de biocombustíveis
para apoiar os setores nacionais de cana-de-açúcar e óleo de palma, dois
setores empresariais com eleitorado influente e que também geram dezenas de
milhares de empregos na economia rural. Os requerimentos de biodiesel fizeram
aumentar a produção e agora representa cerca de um terço da produção total, o
que ajudou as empresas de óleo de palma a gerenciar os fornecimentos afetados
por surtos de doenças e mercados de exportação flutuantes Os produtores esperam
penetrar nos mercados internacionais de biodiesel no futuro, criando cadeias de
fornecimento livres de desmatamento.
No Peru, a decisão de adotar exigências para
biocombustíveis tinha como objetivo fortalecer a economia do setor rural e, ao
mesmo tempo, reduzir as importações de óleo vegetal, avaliadas em cerca de US$
500 milhões por ano. No entanto, isso não teve o efeito desejado. Em vez
disso, as empresas de combustíveis fósseis importaram óleo de soja argentino
por meio de transporte marítimo, que tinha uma vantagem de preço em relação ao
óleo de palma transportado por caminhão pelos Andes. A diferença de preço era
tão grande que o Grupo Palmas fechou sua refinaria de biocombustível em Tocache
em 2014, apenas dois anos após sua inauguração.
No Equador, o governo optou por impor exigências
para o etanol, mas se recusou a fazer o mesmo para o
biodiesel. Aparentemente, o preço subsidiado do diesel de combustível
fóssil torna problemática a implementação de um requisito para o biodiesel porque
isso levaria a um aumento no custo do diesel na bomba. Os grupos de produtores
pediram uma política que promova o biodiesel, mas o entusiasmo por um decreto
relativo ao biodiesel varia entre as partes interessadas: as grandes empresas
são defensoras ativas, enquanto os representantes dos pequenos produtores são
menos entusiasmados. A lógica convencional da oposição a um decreto sobre o
biodiesel é difícil de entender, considerando os óbvios benefícios
macroeconômicos de um mercado interno de biodiesel e o exemplo da Colômbia, que
usou o mercado interno de biodiesel como um mecanismo para expandir a produção
e as exportações.
Na Bolívia, o governo de Evo Morales rejeitou todas
as políticas de biocombustível que teriam desviado as receitas da empresa
petrolífera controlada pelo Estado para o setor agrícola, que é dominado por
empresas privadas ligadas à oposição política. No entanto, isso pode estar
prestes a mudar; em 2021, o governo recém-eleito de Arce Catacora anunciou um
plano para desenvolver uma refinaria de biodiesel. O investimento proposto de
US$ 250 milhões aliviaria a dependência do país em relação ao diesel importado.
Diferentemente dos mandatos de biocombustível na
Colômbia, no Peru e no Brasil, que se baseiam em misturas de ésteres metílicos
de ácidos graxos (B5, B10, B20), a refinaria proposta converteria o óleo
vegetal em biodiesel puro (B100). O projeto exigiria 250.000 hectares
adicionais de plantações de soja, que historicamente foram criadas por meio do
desmatamento. O governo expressou o compromisso de usar outras matérias-primas,
como resíduos de gordura animal, ou de investir na produção industrial da palmeira
macaúba, uma espécie nativa com potencial comercial.
Fonte: Mongabay
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