quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Tempo de tela afeta o cérebro: positiva e negativamente

O tempo passado em frente à televisão e outros eletrônicos tem efeitos mensuráveis e de longo prazo na função cerebral das crianças, de acordo com uma revisão de 23 anos de pesquisas em neuroimagem. Embora os resultados mostrem impactos negativos, também há alguns efeitos positivos. Os autores do artigo não defendem limitar o tempo de tela — em vez disso, afirmam que formuladores de políticas públicas devem ajudar os pais a navegar no mundo digital e promover programas que apoiem o desenvolvimento do cérebro.

A revisão, publicada na revista especializada Early Education and Development, é uma análise de 33 estudos que utilizam tecnologia de neuroimagem para medir o impacto da tecnologia digital no cérebro de crianças com menos de 12 anos. Cerca de 30 mil participantes foram incluídos no total.

Em particular, a análise conclui que o tempo de tela leva a alterações no córtex pré-frontal do cérebro, que é a base das funções executivas, como a memória de trabalho e a capacidade de planejar ou responder com flexibilidade a situações.

Também foram encontrados impactos no lobo parietal, que ajuda a processar toque, pressão, calor, frio e dor; o lobo temporal, importante para a memória, audição e linguagem; e o lobo occipital, implicado na interpretação das informações visuais.

·        Inovações

"Tanto os educadores como os cuidadores devem reconhecer que o desenvolvimento cognitivo das crianças pode ser influenciado pelas suas experiências digitais", afirma o autor correspondente do estudo, Hui Li, professor da Universidade de Educação de Hong Kong. "Limitar o tempo de tela é uma forma eficaz, mas desafiadora, e estratégias mais inovadoras, amigáveis e práticas poderiam ser desenvolvidas e implementadas. Aqueles que ocupam cargos de formulação de políticas devem fornecer orientação, envolvimento e apoio adequados para o uso digital pelas crianças."

A equipe, que além de especialistas da Universidade de Educação de Hong Kong, incluiu especialistas da Universidade Normal de Xangai, na China, e da Universidade Macquarie, na Austrália, queria saber como a atividade digital afetava a plasticidade - ou maleabilidade - do cérebro durante períodos críticos de desenvolvimento. Sabe-se que o desenvolvimento visual ocorre principalmente antes dos 8 anos, enquanto o momento-chave para a aquisição da linguagem é até os 12.

Os pesquisadores sintetizaram e avaliaram estudos sobre o uso digital pelas crianças e o desenvolvimento cerebral associado, publicados entre janeiro de 2000 e abril de 2023, com idades dos participantes variando a partir de 6 meses. As mídias baseadas em tela foram as mais utilizadas, seguidas por jogos, cenas visuais virtuais, visualização e edição de vídeos e uso de internet ou tablets.

O artigo conclui que essas primeiras experiências digitais têm um impacto significativo na forma e no funcionamento do cérebro das crianças. Isto foi considerado potencialmente positivo e negativo, mas principalmente mais adverso.

Por exemplo, foram considerados impactos negativos como o tempo de tela influencia a função cerebral necessária para a atenção, capacidades de controle executivo e inibitório, processos cognitivos e conectividade funcional. Outros estudos sugeriram que uma dedicação maior aos dispositivos está associada a uma menor conectividade funcional em áreas relacionadas com a linguagem e o controle cognitivo, afetando potencialmente negativamente o desenvolvimento deste último.

·        Tablet

Os pesquisadores também descobriram que os usuários de tablets apresentam pior função cerebral e tarefas de resolução de problemas. Os videogames e os usuários muito frequentes da internet produzem mudanças negativas em áreas do cérebro, impactando os escores de inteligência e o volume cerebral, o que foi demonstrado em quatro estudos. Também se constatou que o uso intensivo de mídia em geral impacta potencialmente o processamento visual e regiões de função cognitiva superior.

No entanto, houve seis estudos que demonstraram como essas experiências digitais podem impactar positivamente a funcionalidade do cérebro de uma criança. Foram observadas melhores habilidades de foco e aprendizagem no lobo frontal. Enquanto isso, outro estudo sugeriu que jogar videogame pode aumentar a demanda cognitiva, melhorando potencialmente as funções executivas dos pequenos.

"Essa análise contém implicações significativas para a melhoria prática e a formulação de políticas", acredita o autor principal, Dandan Wu, da Universidade de Educação de Hong Kong. "Acima de tudo, tanto os educadores como os cuidadores devem reconhecer que o desenvolvimento cognitivo das crianças pode ser influenciado pelas suas experiências digitais. É imperativo que os decisores políticos desenvolvam e executem políticas baseadas em evidências empíricas para salvaguardar e melhorar o desenvolvimento do cérebro das crianças à medida que navegam."

 

Ø  Viciados em redes sociais processam 'gigantes da tecnologia' nos EUA

 

Centenas de famílias estão processando algumas das maiores empresas de tecnologia do mundo — que, segundo elas, conscientemente expõem crianças a conteúdos e produtos prejudiciais.

Uma das pessoas responsáveis pela ação explica por que estão tentando desafiar o poder do Vale do Silício.

"Eu literalmente estava aprisionado pela dependência aos 12 anos. E não recuperei minha vida durante toda a adolescência."

Taylor Little desenvolveu uma dependência das redes sociais que levou a tentativas de suicídio e anos de depressão.

Little, que agora tem 21 anos e utiliza o pronome neutro "eles" (tradução direta do they/them no original em inglês), descreve as empresas de tecnologia como "monstros grandes e maus".

Essas empresas, segundo Little, colocam conscientemente nas mãos das crianças com acesso à internet produtos altamente viciantes e prejudiciais.

Por isso, Little e centenas de outras famílias americanas estão processando quatro das maiores empresas de tecnologia do mundo.

·        Prejudiciais desde o projeto

O processo contra a Meta — a empresa proprietária de Facebook e Instagram — além do TikTok, do Google e Snap Inc. (dona do Snapchat), é um dos maiores já movidos no Vale do Silício.

Os autores da ação judicial incluem famílias comuns e distritos escolares de várias partes dos Estados Unidos.

Eles alegam que as plataformas são prejudiciais de forma intencional.

Os advogados das famílias acreditam que o caso da adolescente britânica Molly Russell, de 14 anos, serve como exemplo dos potenciais danos enfrentados pelos adolescentes relacionados ao uso das redes sociais.

No ano passado, os advogados acompanharam a investigação sobre a morte de Russell via videoconferência de Washington, em busca de qualquer evidência que pudessem usar no processo movido nos Estados Unidos.

O nome de Russell é mencionado dezenas de vezes na ação apresentada ao tribunal na Califórnia.

Na semana passada, as famílias envolvidas no caso receberam um impulso poderoso quando uma juíza federal decidiu que as empresas não poderiam usar a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos — que protege a liberdade de expressão — para bloquear a ação judicial.

A juíza Gonzalez Rogers também decidiu que a Seção 230 da Lei de Decência nas Comunicações, que afirma que as plataformas não são editoras, não dava às empresas proteção total.

A juíza considerou que, por exemplo, a falta de verificação "robusta" da idade dos usuários e os fracos controles parentais, como argumentam as famílias, não são questões de liberdade de expressão.

Advogados das famílias classificaram as decisões de Rogers como uma "vitória significativa".

As empresas afirmam que as alegações não são verdadeiras e que pretendem se defender vigorosamente.

·        'Sentimento de abstinência'

Little, que mora no Colorado, conta que antes de ter o primeiro smartphone, praticava esportes e participava de aulas de dança e teatro.

"Se tirassem meu celular, era como ter abstinência. Era insuportável. Literalmente, quando digo que era viciante, não quero dizer que se tratava apenas de um hábito. Quero dizer que meu corpo e mente ansiavam por aquilo."

Little lembra da primeira notificação de mídia social na qual clicou.

Era uma página pessoal de automutilação de alguém, com imagens sensíveis de ferimentos e cortes.

"Aos 11 anos, acessei uma página e vi isso sem aviso. Não procurei por esse tema. Tenho 21 anos e ainda consigo ver [aquelas imagens]."

Little também enfrentou dificuldades com conteúdos relacionados à imagem corporal e distúrbios alimentares.

"Isso era — e é — como um culto. Você é constantemente bombardeado com fotografias de um corpo que não pode alcançar sem morrer."

"Não há como escapar disso."

Os advogados de Little e dos outros autores da ação adotaram uma abordagem inovadora para o processo, com foco em como as plataformas são concebidas e projetadas — e não apenas em postagens, comentários ou imagens individuais.

A Meta publicou uma declaração em que afirma: "Nossos pensamentos estão com as famílias representadas nestas queixas. Queremos tranquilizar cada pai de que temos os interesses deles no trabalho que estamos fazendo para fornecer experiências online seguras e de apoio aos adolescentes."

O TikTok se recusou a comentar sobre a ação.

O Google afirmou: "As alegações nessas queixas simplesmente não são verdadeiras. Proteger as crianças em todas as plataformas sempre foi fundamental para o nosso trabalho."

Já o Snapchat disse que sua plataforma "foi projetada para eliminar a pressão de ser perfeito".

"Verificamos todo o conteúdo antes que possa atingir um grande público para evitar a propagação de qualquer coisa que possa ser prejudicial", afirmou a empresa.

Little conhece bem a história de Molly Russell, que morava no noroeste de Londres e tirou a própria vida após ser exposta a conteúdos com tom negativo e depressivo no Instagram.

Uma investigação sobre a morte da menina concluiu que ela morreu "sofrendo de depressão e dos efeitos negativos do conteúdo online".

Little diz que as histórias são muito parecidas.

"Me sinto incrivelmente com sorte por ter sobrevivido. E meu coração se parte de maneiras que não consigo expressar por pessoas como Molly."

"Sou feliz. Realmente amo minha vida. Estou em um lugar que não achei que viveria."

Isso deixa Little com determinação para seguir adiante com a ação legal.

"Eles sabem que nós estamos morrendo. E não se importam. Eles ganham dinheiro com a nossa morte."

"Toda esperança que tenho para uma mídia social melhor depende inteiramente de nós vencermos [a ação] e forçá-los a fazer [as mudanças] — porque eles nunca, nunca, nunca escolherão fazer isso por conta própria."

 

Fonte: Correio Braziliense/BBC News

 

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