Reta final da COP28 vai da esperança sobre abandono de fósseis ao balde
de água fria
Na reta final da 28ª Conferência do Clima das Nações Unidas (ONU), a
COP28, quando tudo o que se via e escutava por todos os lados era pressão para
que Dubai entregasse como resultado uma sinalização para o abandono dos
combustíveis fósseis, uma proposta feita pela presidência da cúpula jogou um
banho de água fria nas expectativas de todo mundo – exceto dos países que
dependem de petróleo, carvão e gás.
Este é o ponto de maior disputa nas negociações deste ano, cujo desfecho
oficial está agendado para esta terça-feira (12). Diante das incertezas, já há
quem aposte que esta pode ser a COP mais longa da história, já que as
negociações devem se estender mais do que o habitual para além do prazo.
O texto apresentado no fim da tarde desta segunda (11) no horário local
pelo presidente da COP, Sultan al-Jaber, para a avaliação dos demais países,
foi fortemente criticado por organizações da sociedade civil que acompanham as
negociações, assim como por países que estão na linha de frente da crise
climática por tirar qualquer menção à eliminação dos combustíveis fósseis na
parte referente à transição energética. No lugar, oferece uma versão mais
enfraquecida, que solicita apenas que as nações tomem medidas para reduzir as
emissões de gases de efeito estufa para alcançar o zero líquido (em que as
emissões remanescentes sejam compensadas por atividades que removam CO2 da
atmosfera) até, antes ou por volta de 2050.
A Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis), por exemplo, quase
imediatamente divulgou uma nota dizendo que não vai aceitar nenhum texto que
comprometa o objetivo de conter o aumento da temperatura do planeta em 1,5ºC.
“Se não tivermos resultados fortes de mitigação [redução das emissões],
então esta será lembrada como a COP onde a meta de 1,5ºC terá morrido. Este não
deveria ser o legado desta COP dos Emirados Árabes”, escreveu o grupo. “Não
vamos assinar nosso atestado de morte. Não podemos assinar um texto que não
tenha compromissos fortes com a eliminação de combustíveis fósseis”,
complementou.
O governo brasileiro – que desde o início da COP28 vem dizendo que do
sucesso das negociações em Dubai depende o sucesso da conferência que ocorrerá
daqui a dois anos em Belém, a COP30 – também criticou a falta de uma menção
mais explícita à eliminação dos combustíveis fósseis.
“Na análise que fizemos, temos um texto que fala claramente que as
ambições devem estar alinhadas com 1,5°C, mas nós não encontramos a clareza e a
equivalência em relação à questão de energia. É preciso que as duas coisas
estejam adequadamente alinhadas”, afirmou em coletiva à imprensa a ministra do
Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, que é a chefe da delegação em
Dubai.
“Em relação aos combustíveis fósseis, a linguagem não está apropriada e
temos muitas insuficiências. Uma das insuficiências é não estar ali
estabelecida a questão dos esforços para [sua] eliminação”, pontuou Marina.
Outro problema, diz ela, é trazer apenas os prazos de 2050 no texto. “Isso é
mais uma incompatibilidade com a missão 1,5ºC.”
A delegação brasileira disse que vai dialogar na tentativa de melhorar
esses pontos e fortalecer o texto. “Estamos tentando ver como isso é possível
de ser mudado”, disse Marina.
“O texto que nós consideramos que seria mais adequado seria um texto
mais ambicioso. E ele não está ambicioso em relação a prazos, não está
ambicioso em relação a como trabalhar esse processo de eliminação – que é
aquilo que o presidente Lula falou – da dependência das nossas economias, de
produtores e consumidores, em relação a combustíveis fósseis”, complementou.
A tarefa de tentar melhorar a linguagem do texto, porém, não deverá ser
fácil, como frisou o embaixador André Corrêa do Lago, negociador-chefe do
Brasil. “Da mesma forma que as ilhas já manifestaram publicamente que não estão
nenhum pouco satisfeitas, tem atores extremamente importantes que querem a
eliminação do artigo 39 inteiro [o que menciona as estratégias energéticas para
redução das emissões]. Ou seja, a batalha está nos dois extremos”, afirmou na
coletiva.
·
O sobe e desce das expectativas de Dubai
Na conferência que se desenrola nos Emirados Árabes, um dos grandes
produtores de petróleo do mundo, e é chefiada pelo CEO de uma empresa
petroleira, poucos apostariam em um desfecho muito ambicioso quando a cúpula
começou, no dia 30 de novembro. Mas quando alternativas para o chamado phase
out (eliminação) dos fósseis surgiram na mesa, a esperança foi que
talvez, finalmente, haveria uma decisão a respeito.
Havia crescido o sentimento de que os países finalmente lidariam com o
maior responsável pela crise climática – a queima de combustíveis fósseis, que
gera mais de 70% dos gases que provocam o aquecimento global.
O objetivo principal da COP28 é elaborar o primeiro balanço global do
cumprimento das metas do Acordo de Paris – o Global Stocktake, ou GST, em
inglês –, olhando tanto para o que foi feito (ou não) desde a adoção, 2015, do
Acordo de Paris, quanto também para estabelecer estratégias que possam colocar
o planeta nos trilhos para conter o aquecimento do plano a uma temperatura
considerada pela ciência a mais aceitável – 1,5ºC de elevação na comparação com
o período pré-industrial.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aponta que
só com um corte de 43% das emissões até 2030 e sua neutralidade até 2050 temos
alguma chance de não aquecer além de 1,5ºC.
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Elefante na sala
Mas, por incrível que pareça, o papel dos fósseis era um não assunto nas
conferências anteriores – o elefante na sala, como muitos chamam aqui. Somente
na COP26, em Glasgow, em 2021, incluiu-se pela primeira vez uma recomendação
para que se diminuísse gradualmente somente o uso de carvão (o mais poluente),
assim como se eliminasse progressivamente os subsídios ineficientes aos
combustíveis fósseis.
Na sexta-feira, no início da segunda semana de negociações em Dubai, foi
divulgado um texto do GST com quatro opções sugeridas pelos países sobre como
lidar com o problema: a eliminação gradual dos fósseis – phase out, em inglês –
“em linha com a melhor ciência disponível”; o phase out não apenas em linha com
a melhor ciência, mas também compatível com a meta de conter o aumento da
temperatura em 1,5 ºC, respeitando equidade e o conceito de que todos têm
responsabilidades, mas de modo diferenciado.
Outra opção era o phase out apenas dos combustíveis que não podem ter
algum tipo de abatimento de emissões, atingindo um pico de consumo em 2030, com
o setor de energia predominantemente se tornando livre de combustíveis fósseis
bem antes de 2050; e uma última que também previa ações de abatimento de modo
que os sistemas de energia alcancem neutralidade de carbono em 2050. Por fim,
havia uma alternativa de que não houvesse nenhuma menção a esse ponto.
A sensação de esperança cresceu quando a imprensa internacional vazou
uma carta enviada pelo presidente da Organização dos Países Produtores de
Petróleo (Opep) revelando um claro desespero com o andamento das negociações na
COP. O cartel enviou aos seus associados e apoiadores (membros da Opep+, a
extensão do grupo) uma recomendação de que todos rejeitassem qualquer conteúdo
que tivesse a previsão de um phase out dos combustíveis em vez de um foco
apenas em emissões.
“Parece que uma indevida e desproporcional pressão contra os
combustíveis fósseis pode alcançar um ponto de virada (tipping point, em
inglês) com consequências irreversíveis”, escreveu Haitham Al Ghais, secretário
geral da Opep, aos associados.
A reação do cartel, associada a uma série de discursos fortes de
ministros neste domingo pedindo por uma decisão sobre o fim dos fósseis, além
da noção de que o sucesso desta COP seria medido por ela trazer ou não uma
decisão sobre os combustíveis, deu fôlego para a expectativa de que o jogo iria
virar. Ficaria quase constrangedor para Al-Jaber e para os Emirados Árabes –
eles mesmos membros da Opep – se uma decisão mais forte não saísse daqui.
“Em oito anos participando das conferências do clima, eu nunca tinha
sentido tanto como agora que estamos falando sério sobre o que importa”,
comentou a ambientalista canadense Catherine Abreu, da organização Destination
Zero, em sua conta no X/Twitter neste domingo.
Al-Jaber tinha convidado os ministros presentes a fazerem parte de uma
majlis, uma espécie de roda de conversa franca da tradição árabe. “Abrindo o coração”,
como o presidente da COP pediu, muitos foram bastante vocais sobre a
necessidade de haver uma decisão de eliminar gradualmente o uso dos fósseis
para salvar a humanidade dos desastres do aquecimento global.
Nesta segunda-feira, porém, logo que saiu o novo texto, o entusiasmo
desapareceu. Reduzir a produção e o consumo apenas por volta de 2050, argumenta
ela, implicaria em adiar os esforços que precisam ser feitos até 2030. Ela
estava confiante, no entanto, que dificilmente o texto seria aprovado em
plenária e que ainda há margem para mudança.
“Acho que a gente criou uma expectativa muito alta, foi um sonho de uma
noite de verão, mas também porque já estamos há 29 anos sem atacar a doença, só
discutindo os sintomas e o mundo está entrando no limite”, afirmou Márcio
Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de ONGs
brasileiras voltada para a crise climática.
“Quando aparece na mesa um texto [com opções de phase out,
obviamente dá a esperança de que a realidade chegou para dentro das
negociações, mas aí tem a realidade do multilateralismo, da autodefesa dos
países. Até hoje eles continuam sendo vencedores e o texto da presidência
reflete isso”, complementou.
Para Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, outro problema
do texto, além de ser uma “quebra de expectativa forte por não falar de phase
out” é que ele prevê um pacote de outras estratégias que poderiam ser
adotadas, como o abatimento de emissões por meio de tecnologia. “Isso dá menos
foco em zerar as emissões e um sinal forte para essas tecnologias. Além de não
ter um cronograma claro para a transição.”
O ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore também comentou em suas
redes que a COP está sob risco de se tornar um “fracasso completo”. “O mundo
desesperadamente precisa de um phase out para os combustíveis fósseis o mais
rápido possível. Este rascunho servil pode ser lido como se a Opep tivesse
ditado palavra por palavra. É dos petroestados, pelos petroestados, para os
petroestados. É profundamente ofensivo para todos aqueles que levam este
processo a sério”, disse.
Fonte: Por Giovana Girardi, da Agencia Pública
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