Por que Milei fará demissão em massa de funcionários públicos na
Argentina
O novo presidente argentino, Javier
Milei, publicou na madrugada desta terça-feira (26/12) um decreto que proíbe
a renovação dos contratos de servidores públicos contratados há menos de um
ano.
Na prática, isso levará à demissão de milhares de
funcionários públicos cujos contratos vencem em dezembro.
O número total de trabalhadores e serviços
atingidos não foi divulgado pela Casa Rosada, mas os jornais argentinos Clarín
e La Nation estimam cerca de 7 mil demissões, com base em fontes do governo.
Além disso, outros 45 mil funcionários públicos
contratados há mais tempo foram colocados sob "observação" por 90
dias — o que significa que poderão ser demitidos ao final desse período.
A medida já havia sido anunciada pelo ministro da
Economia, Luis Caputo, e faz parte de um grande
pacote de medidas que ficou conhecido como "decretaço".
O pacote prevê uma série de mudanças
radicais e polêmicas em diversos setores da economia da Argentina.
Segundo o governo, o objetivo das medidas
(incluindo as demissões) é enxugar a máquina estatal e reduzir o déficit
fiscal.
Ainda conforme o governo, as mudanças eliminarão
burocracias e obstáculos que dificultam a vida dos argentinos e ajudarão a
impulsionar setores econômicos atualmente negligenciados, modernizando o
Estado.
Para os críticos, no entanto, a desregulamentação
da economia beneficiará os empresários e deixará os argentinos comuns
desamparados – num momento
em que cerca de 50% da população do país vive na pobreza.
O governo não divulgou quais faixas salariais serão
mais atingidas, nem quanto espera economizar com as demissões.
Também não há detalhes sobre a auditoria que será
feita, segundo informações do governo à imprensa argentina, para avaliar a
manutenção ou demissão dos 45 mil servidores "sob observação" por 90
dias.
A Argentina tem hoje cerca de 338 mil servidores na
administração federal, segundo o Indec (instituto de estatística argentino,
equivalente ao IBGE).
As demissões vão afetar funcionários do Poder
Executivo, de empresas públicas ou de maioria estatal e de entidades
governamentais autônomas — que incluem agências reguladoras e administrações de
hospitais e institutos de pesquisa.
Trabalhadores que cumpram as cotas de pessoas trans
e com deficiência não estão incluídos na medida.
Pelo que prevê o decreto, as demissões acontecerão
em massa, ou seja, sem uma análise individual dos casos.
Não está claro como a medida vai afetar o
funcionamento dos serviços públicos atingidos, mas o governo diz que é possível
que os responsáveis por cada área peçam exceções para manter contratações e
justifiquem o pedido.
Essa é a segunda medida do novo governo no que diz
respeito aos funcionários públicos – a primeira foi a determinação de trabalho
presencial para todo o serviço público.
O governo diz que pretende tomar medidas envolvendo
o "alto escalão" do funcionalismo, que incluiriam congelamento de
salários e reduções de até 15% dos vencimentos. Não há previsão de cortes de
cargos para esse grupo, nem de quando o decreto será publicado.
·
Protestos e briga judicial
Não há garantia de quais mudanças promovidas por
Milei se tornarão permanentes.
Há uma ação na Justiça argentina que questiona a
legalidade do "decretaço" e o Congresso argentino já deu sinais de
que pode barrar algumas das medidas.
As mudanças foram feitas por Milei através de um
instrumento legal chamado Decreto de Necessidade e Urgência (DNU).
De acordo com a Constituição, o DNU só pode ser
utilizado em "circunstâncias excepcionais" em que o Congresso não
consiga seguir os "procedimentos ordinários" para a promulgação de
leis.
Pouco depois da assinatura do DNU, na semana
passada, o "decretaço" enfrentou inúmeros protestos – incluindo os
famosos panelaços, quando os argentinos fazem barulho (usando panelas) para
mostrar seu descontentamento.
Milei argumenta que a regulação estatal ao longo
dos últimos governos kirchneristas estagnaram
a economia e afastaram investimentos.
Segundo a imprensa argentina, líderes sindicais já
estão se mobilizando para uma greve geral contra as demissões e diversas das
medidas econômicas.
No entanto, eles podem encontrar dificuldades, já
que a defesa da desregulamentação por parte do novo governo não se reflete em
sua política com relação aos protestos e à liberdade de manifestação.
Na primeira semana de governo, Milei lançou um
polêmico protocolo "para garantir a ordem pública" que gerou fortes
críticas.
Entre outros pontos, ele ameaça prender em
flagrante quem fizer piquetes que impeçam a circulação total ou parcial da
população; prevê que, em caso de protestos, as autoridades atuarão até todas as
ruas e pontes bloqueadas serem liberadas; e determina que as organizações
sociais responsáveis deverão arcar com os custos das operações de segurança.
Representantes de movimentos sociais e estudiosos
manifestam preocupação com a medida, por considerarem que ela pode restringir o
direito ao protesto no país.
Ø Governo
Milei pressiona Congresso a aprovar 'decretaço'
O governo de Javier Milei, novo
presidente da Argentina,
pressionou o Congresso nesta terça-feira (26) a tentar aprovar o
"decretaço" proposto na semana passada. Além do texto, os
parlamentares discutirão um pacote de leis promovido pelo Executivo em sessões
extraordinárias previstas para os próximos dias.
“Os deputados e senadores terão que escolher entre
apoiar o que o povo votou, a mudança, esta Argentina que queremos para o povo
de bem e sem o peso do Estado, ou continuar a obstruir esta mudança e [impedir
o que] a maioria do povo quer”, disse Manuel Adorni, porta-voz do governo, em
comunicado divulgado nas redes sociais.
O partido de Milei, o Liberdade Avança, é minoria
no Congresso: tem 39 dos
257 deputados e 7 dos 72 senadores.
Na última quarta-feira (20), Milei
anunciou o Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), que viabiliza a
desregulação econômica do país. O texto modifica ou revoga mais de 350 normas
e, embora já tenha entrado em vigor, ainda pode ser barrado pelo Congresso.
Entre outros pontos, o decreto desregulamenta o
serviço de internet via satélite e a medicina privada, flexibiliza o mercado de
trabalho e revoga uma série de leis nacionais. As medidas incluem também a
conversão de diversas empresas estatais em sociedades anônimas, facilitando o
processo de privatização dessas instituições.
Após uma semana com diversos protestos contra as
reformas, o presidente convocou o parlamento para sessões extraordinárias entre
os dias 26 de dezembro e 31 de janeiro. O Congresso poderá provar ou rejeitar o
texto integralmente, sem a possibilidade de debater os detalhes de seu
conteúdo.
Na pauta das sessões extraordinárias, Milei incluiu
ainda propostas para a restituição de impostos sobre os salários, modificações
na lei eleitoral e reformas do Estado.
“Apelamos à boa vontade e que estejam à altura da
situação no contexto de urgência em que todos os argentinos estão
imersos", disse Adorni.
·
Ação coletiva
No sábado (23), a Justiça
federal admitiu uma ação coletiva de organizações civis para
declarar o texto inconstitucional.
As organizações e as centrais sindicais convocaram
uma manifestação na próxima quarta-feira (27) diante dos tribunais. O intuito é
entregar à Justiça o pedido de contestação do decreto, e uma ação para
suspender todos os seus efeitos.
O Ministério Público Federal terá que responder às
contestações em um processo que pode chegar até a Suprema Corte da Argentina.
·
Crise
A Argentina vive uma das piores crises econômicas
de sua história recente, com 40% da população vivendo na pobreza e a inflação
ultrapassado os 140% anuais. Milei tem dito que o corte dos gastos públicos
será equivalente a 5% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Ø Decisões do
novo governo argentino impactam inflação
Na Argentina, o fim do controle de preços e a
desvalorização da a moeda em relação ao dólar tiveram um impacto
na inflação.
Adesivos com números brancos sobre os antigos
preços que estavam em preto. O quadro de giz também é uma solução para
uma Argentina
que viu a inflação disparar em dezembro.
"Os preços estão descontrolados", afirma
um argentino.
Lorena diz que é uma loucura, que os aumentos são
diários, que um dia está um preço e no outro já mudou: "Continuamente.
Passa a manhã e o preço já aumentou. Passa o outro dia, é outro".
Consultorias apontam que os preços subiram em média
de 25 a 30% em dezembro. Em novembro, a alta havia sido de 12,8%. No discurso
de posse, o presidente Javier Milei havia
dito que as primeiras medidas que o governo tomaria fariam que a inflação
aumentasse ainda mais.
O novo governo decidiu que não iria mais represar
ou controlar os preços da economia. Colocou fim ao tabelamento de itens básicos
nos supermercados. Também desvalorizou o peso em 54% para que se aproximasse da
cotação das ruas.
Uma argentina entrevistada diz que está tudo muito
caro. O macarrão, arroz, leite... Isso que ela foi num supermercado que, em
teoria, é barato, mas que ela se surpreendeu com os preços.
O macarrão, por exemplo, subiu de 350 pesos a 1000
em um mês.
O preço da massa para pizza mais do que dobrou
desde o fim de novembroO óleo de girassol subiu 400%, agora custa 4.105,
equivalente a 25 reais; e a embalagem de café solúvel, 57%.
Maximiliano, que trabalha num açougue, disse que
percebeu que houve queda no consumo de carne. Deu para notar bastante que as
pessoas buscaram cortes mais econômicos.
O economista Hernán Letcher explica que, no caso da
carne, a desregulação da economia faz com que preço local passe a ser o mesmo
do preço internacional, já que os produtores podem vender para o mercado local
ou exportar. E que isso teve muito efeito sobre os preços nos últimos dias.
Economistas afirmam que ao longo
dos últimos anos, a Argentina passou por diferentes programas de controle de
preços e congelamentos que, no máximo, impediram uma inflação
ainda maior.
O novo governo diz que quer acabar com essas
distorções na economia e cortar gastos públicos para combater a inflação.
O economista Hernan Letcher pondera que essa
desregulação da economia, somada à desvalorização e a política de cortes
públicos, irá pesar nos bolsos dos assalariados argentinos e que os aumentos de
salário não conseguem acompanhar. A perda de poder aquisitivo impacta de uma
forma maior nas pessoas que ganham menos.
O mega decreto de desregulação da economia tem 366
artigos e entrará em vigor na sexta-feira (29). O decreto se manterá vigente
enquanto o Congresso analisa o texto. Os parlamentares não podem sugerir
mudanças, ou é aprovado na íntegra, ou rechaçado.
Ao menos 10 ações de inconstitucionalidade já foram
apresentadas à Justiça para barrar o decreto.
Durante a tarde desta sexta, o presidente argentino
publicou um novo decreto, demitindo 7 mil funcionários públicos que foram
contratados em 2023.
Ø Em menos de
um mês de governo, Milei já é rejeitado por 63% dos argentinos
Pesquisa conduzida pela consultoria Javier Miglino
y Asociados (JMyA) focou no desempenho do novo presidente argentino, o
ultraliberal de extrema direita Javier Milei.
O estudo, que incluiu entrevistas com 5150 pessoas
entre 10 e 23 de dezembro, revelou uma acentuada queda na aprovação de Milei,
com apenas 37% dos entrevistados aprovando sua gestão.
Javier Miglino, diretor da JMyA, citou fatores como
a insatisfação da população argentina com as "mentiras" e
"bravatas" de Milei. "Por mais que os 4 meios de
comunicação e seus satélites provincianos digam que tudo vai bem, as pessoas
estão tristes e pela primeira vez desde 1810 não tivemos Natal. A mentira e a
bravata na campanha são toleráveis. A mentira e a bravata como forma de
governo, não", disse ele, segundo o portal Infopaís.
Fonte: BBC News Mundo/g1
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