O novo 'oceano' que pode estar se abrindo na África e partindo
continente em dois
Um novo oceano está surgindo na África.
Acreditava-se que ele seria fruto de um processo que levaria entre 5 e 10
milhões de anos para ocorrer. Mas novas descobertas científicas apontam que
isso pode acontecer antes do previsto.
"Cortamos o tempo para algo como 1 milhão de
anos, talvez até metade disso", diz a geocientista Cynthia Ebinger à BBC
Brasil. Pesquisadora da Universidade de Tulane, nos Estados Unidos, ela estuda
o tema desde os anos 1980 e se tornou referência no assunto.
Segundo o site Google Acadêmico, Ebinger escreveu,
ao longo da carreira, artigos citados mais de 16 mil vezes por seus pares de
profissão e publicadas em periódicos científicos do porte da revista inglesa
Nature. Em 2023, assinou 17 textos, a maioria dos quais em torno de questões
sobre o novo canal oceânico que está sendo aberto na região de Afar, nas
fronteiras de três placas tectônicas, a Arábica, a Africana (também chamada de
Núbia) e a Somaliana.
A geocientista está atenta ao assunto desde o fim
dos anos 1980. Em 1998, publicou na Nature seu artigo de maior repercussão no
meio científico, citado mais de 900 vezes por seus pares: Cenozoic magmatism
throughout East Africa resulting from impact of a single plume
("Magmatismo do Cenozóico em toda a África Oriental resultante do impacto
de um único ponto quente", em livre tradução para o português).
No estudo, analisou a ação de magma no planalto
etíope com um modelo que pode ser expandido para a ação de vulcanismo por toda
a África Oriental, o que ocorre há 45 milhões de anos.
Também identificou que "os maiores volumes de
magma estão nos planaltos etíopes e na África Oriental, com mais de mil
quilômetros de largura, atravessados pelo Mar Vermelho, o Golfo de Aden e
sistemas de rifte da África Oriental".
·
Extensão do Mar Vermelho
"Há um pequeno vulcão no subsolo (dessa região
da Etiópia) que está impedindo a passagem de um largo corpo de água
salgada", diz Ebinger.
As três placas tectônicas — a Somaliana, à leste; a
Africana (ou Núbia), que é mais extensa; e a Arábica, a nordeste — pressionam
uma placa menor, a Victoriana. Conforme se expande uma fenda nesse encontro de
placas, parte da placa Somaliana pode se desprender em direção ao Oceano
Índico, abrindo caminho para o novo oceano.
"Na verdade, não se tratará exatamente de um
novo oceano, apesar de comumente chamarmos assim", esclarece Ebinger.
"Visualize como uma expansão do Mar
Vermelho."
As três placas tectônicas se movem em ritmos
distintos.
A Arábica, distancia-se 2,5 centímetros por ano da
África. As outras duas, meio centímetro, cada uma. Esse lento movimento
dividirá o continente no meio, cortado por uma imensa massa de água salgada
vinda do Mar Vermelho e do Golfo de Aden.
A principal evidência para a teoria vem de um
evento colossal ocorrido em 2005. Em setembro daquele ano, 420 terremotos
sacudiram o solo de uma área de deserto na Etiópia. A atividade vulcânica
lançou cinzas no ar.
No processo, foi aberta uma fenda de 60 quilômetros
de extensão na região de Afar, em uma das áreas mais inóspitas do planeta.
Um estudo publicado em 2009, liderado pelo
geofísico Atalay Ayele, da Universidade de Addis Ababa, da Etiópia, identificou
três fontes de magma que causaram o episódio, nos complexos vulcânicos de
Dabbahu-Gab'ho e de Ado'Ale, sendo que a maior parte do fluxo veio deste
segundo.
Segundo o texto publicado por Ayele no periódico
científico Geophysical Research Letters, essa "crise
vulcânica-tectônica" irá "eventualmente formar a morfologia de uma
incipiente fenda oceânica".
Em respostas a questionamentos sobre o trabalho
enviadas por e-mail pela BBC Brasil, o geofísico esclareceu: "Muitas
atividades de ruptura já estão em ação. A placa africana está se movendo para o
norte e colidindo com a placa da Eurásia, formando montanhas nos Alpes".
Todo esse processo geológico, todavia, não ocorrerá
nem nos próximos séculos, tampouco em poucas dúzias de milênios.
"O mapa sísmico mostra que está surgindo um
oceano, mas isso levará milhões e milhões de anos", resumiu Ayele.
·
Talvez antes do que se pensava
No mês passado, Ayele e Ebinger fizeram parte de um
grupo de nove cientistas que publicou, no periódico Tectonophysics, um estudo
que apresentou um modelo em 3D das ações geológicas ocorridas na região.
Dentre as conclusões, eles detectaram novas e
volumosas crostas balsâmicas se formando na região e que a camada sob a
Depressão de Afar teria uma espessura menor do que 25 quilômetros.
"Esses padrões sugerem (...) uma zona estreita
de início de expansão do assoalho marinho na depressão de Afar",
escreveram os pesquisadores no artigo.
"Eventos intensos podem acelerar o processo da
abertura da fenda e da passagem de água salgada", teoriza a geocientista
Cynthia Ebinger, na entrevista à BBC Brasil, realizada por videochamada.
Ela calcula agora uma estimativa de menos de um
milhão de anos para formar o novo oceano, a partir das águas do Mar Vermelho.
"Mas também pode ocorrer um grande terremoto
que acelere ainda mais", diz.
"O problema é que a ciência atual não consegue
prever com precisão eventos como erupções vulcânicas e terremotos."
As pesquisas sobre a grande fenda formada no
deserto da Etiópia pretendem, além de responder a questões sobre acontecimentos
que só devem ocorrer em centenas de milhares de anos, criar modelos sísmicos
capazes de prever com maior exatidão as futuras catástrofes ambientais.
"Há objetivos mais imediatos, como ajudar a
aprimorar a forma como nos preparamos para nos defender (dos fenômenos da
natureza)", conclui Ebinger.
Fonte: BBC News Mundo

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