Ações judiciais sobre trabalho intermitente aumentam 116% em 2 anos;
entenda o que é e como funciona
O número de processos que questionam contratos
de trabalho intermitente cresceu 116% em dois anos. O volume de ações sobre
o assunto na Justiça do Trabalho passou de 1.180, em 2020,
para 2.553, em 2022.
Em 2023, o movimento seguiu em alta: até
outubro, mais de 2.885 processos chegaram aos Tribunais do país.
Apesar de ocupar uma pequena parcela no
mercado, inferior a 1% de todos os trabalhadores ocupados no setor formal da
economia, os contratos intermitentes cresceram ao longo dos seus seis anos de
vigência, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A modalidade
pagou em média menos de um salário mínimo em 2021.
➡️ O QUE É?
No contrato intermitente, o trabalhador tem a
carteira assinada para prestar o serviço somente quando
chamado pela empresa e recebe pelas horas trabalhadas. Entre as
ocupações com postos de trabalho nesta categoria estão:
- 💼🛒
Comércio: atendente, operador de loja e vendedor;
- 🧹🚗
Serviços: cozinheiro, garçom, faxineiro e ajudante de motorista;
- 🔨🏗️
Construção civil: servente de obras e ajudante de pedreiro.
Nesta modalidade, o funcionário pode firmar
contrato com mais de uma empresa ao mesmo tempo, mas não tem garantia de
jornada mínima de trabalho. É diferente, portanto, dos contratos
convencionais, temporários e por tempo parcial (veja as diferenças
abaixo).
⚖️ CONTROVÉRSIAS JURÍDICAS:
O sistema intermitente, que foi instituído no
Brasil a partir da Reforma Trabalhista (Lei 13.467 de 2017), estabelece direitos e
obrigações para os funcionários e empregadores (entenda abaixo).
No entanto, a constitucionalidade do modelo
tem sido objeto de questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF), por
meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adin).
A tese é que essa forma de contrato precariza o
trabalho e acaba sendo prejudicial à classe trabalhadora, segundo o diretor de
assuntos legislativos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do
Trabalho (Anamatra) e juiz do trabalho, Marco Aurélio Marsiglia Treviso.
Mais de 10 mil casos envolvendo processos
trabalhistas nesta modalidade foram levados para o Judiciário desde 2017,
de acordo com os dados da empresa Data Lawyer.
Os valores das causas somam R$ 655,21 milhões,
o que representa um pedido médio de R$ 63,9 mil por ação por ação. O
levantamento da empresa foi feito a partir de processos não sigilosos.
Dos desfechos por processo entre 1° de janeiro de
2020 até outubro deste ano, 21,81% das ações terminaram em acordos entre as
empresas e os trabalhadores e 24,53% parcialmente procedentes, ou seja, quando
parte das alegações é acatada pelo juiz.
"Esta modalidade contratual se configura como
um contrato espoliativo, pois busca legalizar violências e fraudes em nosso
ordenamento jurídico. Não por acaso, os dados demonstram que mais de metade das
ações tem desfecho favorável a trabalhadores e que há um risco considerável de
passivo trabalhista para as sociedades empresariais", avalia Lawrence
Estivalet de Mello, professor de direito da Universidade Federal da Bahia
(UFBA).
Caso em supermercado do RS
Um dos pedidos negados pela Justiça ocorreu no Rio
Grande do Sul. Na ocasião, o Tribunal Regional do Trabalho (4ª Região) não
acatou os pedidos de indenização por danos morais e de anulação do contrato
intermitente envolvendo um operador de loja, que ficou mais de três anos sem
receber chamados para atuar no supermercado.
Os desembargadores da 11ª Turma consideraram
que é da natureza desta modalidade contratual a existência de períodos de
inatividade, nos quais o empregado poderá prestar serviços a outros
contratantes.
A decisão, que foi aprovada por unanimidade em
outubro deste ano, confirmou a sentença da juíza Sheila dos Reis Mondin Engel,
da 11ª Vara de Porto Alegre. Não foi interposto recurso contra a decisão.
📝 O QUE ESTÁ NO PROCESSO?
O contrato intermitente foi assinado em agosto de
2019. Desde então, ele prestou serviço em períodos variáveis de, no máximo, 15
dias por mês.
Segundo a Justiça, o operador de loja afirma que
foi chamado para ocupar vaga destinada a funcionário efetivo, e que há três
anos aguarda ser chamado para trabalhar. Por não ter sido informado sobre seu
futuro dentro da empresa, ele alega que não consegue novo emprego.
“A ausência de convocação do autor por um longo
período não é circunstância que invalide o contrato firmado sob esta
modalidade, pelo contrário, lhe é característica inerente”, afirmou a juíza.
O trabalhador apresentou recurso ao TRT-4. A
relatora do caso na 11ª Turma, desembargadora Vânia Mattos, manteve a sentença
de primeiro grau. A magistrada fundamentou que a ausência de convocação por
longos períodos é da essência do contrato de trabalho intermitente, “tanto que
a legislação dispõe sobre tais períodos não serem considerados tempo à
disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros
contratantes”.
Além disso, a desembargadora citou na decisão que
foi comprovado o regular pagamento pelo trabalho prestado, inclusive das horas
extras.
💰Salários e contribuição ao INSS
Remuneração média mensal
Ano |
Não intermitente (média) |
Intermitente (média) |
2017 |
R$ 3.246 |
R$ 1.919 |
2018 |
R$ 3.214 |
R$ 1.693 |
2019 |
R$ 3.184 |
R$ 1.690 |
2020 |
R$ 3.008 |
R$ 1.537 |
2021 |
R$ 2.925 |
R$ 1.485 |
Fonte: Rais/Ipea
Como o trabalhador recebe apenas pelas horas
trabalhadas, a renda média mensal tende a ser significativamente inferior à
observada para os que não trabalham sob a modalidade intermitente, de acordo
com o estudo do Ipea.
Em 2021, 48% dos vínculos intermitentes
apresentaram rendimento médio de até um salário mínimo mensal, ao
passo que esse percentual foi próximo de 9% para os não intermitentes.
"Isso levanta maior preocupação pelo fato de o
salário mínimo no Brasil ser não apenas o piso de referência para a remuneração
do trabalho assalariado, como também ser a base de cálculo de contribuição
mínima dos indivíduos ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o que lhes
garante o acesso ao sistema público de seguridade social", explica Sandro
Pereira Silva, técnico de planejamento e pesquisa.
O trabalhador só tem direito à cobertura
previdenciária (auxílio-doença, licença-maternidade, entre outros) se
contribuir com o valor mínimo.
👉🏻Entenda as diferenças entre contrato parcial, temporário e intermitente
O g1 conversou
com o juiz do Trabalho Marco Aurélio Marsiglia Treviso e com o professor de
Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Paulo Renato
Fernandes, que explicaram as principais diferenças entre os contratos parcial,
intermitente e temporário:
- No contrato
por prazo indeterminado ou convencional (normal), a prestação de serviço
ocorre de forma contínua, ou seja, prestado em todos os dias da
semana, garantindo-se, pelo menos, um dia de folga e o respeito a uma
jornada de trabalho de 44 horas semanais. Pode ser contratado por pessoa
jurídica ou física.
- No contrato
temporário, é obrigatório que exista a necessidade de substituição de
pessoal ou para atender a uma certa demanda extraordinária de
serviço. A prestação de serviço é contínua por prazo determinado, por
no máximo de 180 dias corridos, podendo ser prorrogado por mais 90 dias, e
a contratação desse funcionário precisa ser realizada por empresa
terceirizada.
- No contrato
intermitente, a principal característica é a existência de
uma demanda não contínua e para atender a uma demanda
específica. É preciso ter o chamado por parte do empregador, que deve
avisar qual será o horário de trabalho a ser prestado naquele evento. A
modalidade se destaca pela alternância entre os momentos de atividade
e inatividade do trabalho. O trabalhador intermitente tem direito a
receber imediatamente o pagamento pelos serviços prestados, assim como
parcelas proporcionais de férias, décimo terceiro e repouso semanal
remunerado.
- No contrato
a tempo parcial, a diferença consiste no número de horas trabalhadas,
podendo ser uma jornada máxima de 30 horas semanais, sem
possibilidade de realização de horas extras, ou de 26 horas semanais, com
possibilidade de realizar seis horas extras.
🤔 Quais cuidados os funcionários interessados em trabalhar de forma
intermitente devem ter?
- Ficar
atento aos chamados que receber, já que deve responder em até um dia
útil, presumindo que recusou o serviço se ultrapassado esse prazo;
- Esse
contrato deve ser celebrado por escrito e especificar o valor da hora
de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo;
- No
chamado que receber, deve constar expressamente as informações do
trabalho, em especial, a jornada de trabalho;
- A lei
vai prever que a parte que descumprir o combinado deve pagar à outra o
equivalente a 50% do dia; assim, o trabalhador precisa ter certeza de que
conseguirá cumprir o compromisso assumido ao atender ao chamado, para não
correr o risco de sofrer essa penalidade.
Ø Regras para
trabalho por app ficam para o próximo ano
Em maio, o governo instituiu um grupo de
trabalho para tentar construir um acordo sobre direitos trabalhistas entre
associações de motoristas e entregadores e representantes de plataformas, como
Uber, 99, iFood, entre outras.
Ao todo, mais de 1,6 milhão de trabalhadores estão
desamparados de seguros sociais, de acordo com o Centro de Brasileiro de
Análise e Planejamento (Cebrap).
São pessoas sem vínculo empregatício e,
consequentemente, sem direitos como 13º salário, aviso-prévio, férias
remuneradas. Também não têm acesso a benefícios do Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS), como
auxílio-doença e seguro-desemprego.
Embora o tema tenha sido listado por Lula como uma
das prioridades para este ano, durante os seis meses de funcionamento, o grupo
não conseguiu chegar a um consenso entre as partes envolvidas.
O governo tenta
definir valores-base da remuneração dos trabalhadores e os
custos de operação por serviço.
No início de dezembro o ministro do trabalho, Luiz
Marinho, disse que já há tratativas avançadas com os aplicativos de transporte
de pessoas, mas não com os de entrega.
"Com os trabalhadores de entregas, não há
acordo, pois querem pagar um salário menor que o salário mínimo, o que é
inaceitável. Então, vamos propor um projeto nos moldes do de transporte”
afirmou Marinho.
Na última reunião do grupo de trabalho neste ano, o
secretário nacional de Economia Popular e Solidária do Ministério
do Trabalho, Gilberto Carvalho, afirmou que, se os representantes não chegarem a um
acordo, o governo deve intervir.
“Havendo um acordo, maravilha. Não havendo acordo,
o governo vai tomar providências para que haja de fato regras mínimas que
assegurem os direitos dos trabalhadores e, naturalmente, condições para que as
empresas possam continuar servindo no Brasil”, afirmou o secretário.
Fonte: g1
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