A falsa 'invasão alienígena' que mudou os EUA para sempre
Um incidente amplamente citado na cultura popular
completou 85 anos no último dia 30 de outubro.
A dramatização radiofônica da invasão da Terra
pelos marcianos em 1938, por Orson Welles
(1915-1985), foi tão realista que teria despertado pânico generalizado nos Estados
Unidos.
A história de histeria coletiva ficou tão
entranhada no folclore dos meios de comunicação que passou décadas sem ser
contestada.
Mas, nos últimos anos, historiadores como o
professor W. Joseph Campbell, da Universidade Americana em Washington D.C.,
defenderam que o suposto pânico sempre foi exagerado e que a maioria dos
ouvintes compreendeu que o programa era uma obra de ficção.
A ideia de uma nação mergulhada na histeria foi
impulsionada ativamente pelos jornais da época.
Em 1938, o rádio era um meio de comunicação
emergente, mas que já concorria pelas notícias com a imprensa escrita. Por
isso, os jornais estavam ávidos para retratar o rádio como um meio
irresponsável, que não merecia confiança.
E o próprio Orson Welles promoveu o mito, repetindo
a história incontáveis vezes em entrevistas nos anos que se seguiram.
Embora não se saiba ao certo até que ponto
realmente chegou o pânico causado pela produção de Orson Welles, alguns fatos
permanecem – principalmente, que o programa demonstrou o poder e o potencial do
rádio como meio de comunicação.
Welles era diretor e astro da série de radioteatro
Mercury Theatre on the Air, transmitida pela rede americana CBS.
Na noite de 30 de outubro de 1938, pouco antes
do Dia das
Bruxas, ele estava realizando os últimos ensaios do seu novo e inovador
programa.
Welles tinha apenas 23 anos de idade e muitos o
consideravam um prodígio.
Ele estava trabalhando no seu projeto mais
ambicioso até então: uma atualização do romance de ficção científica A
Guerra dos Mundos, publicado em 1898 pelo escritor britânico H. G. Wells
(1866-1946).
Sua ideia era dar vida à história de Wells,
ambientando ela nos dias atuais, e criando um senso de urgência e medo.
Ele mudou o local da Inglaterra para Nova Jersey,
nos Estados Unidos, e a história foi reescrita como uma série de boletins
jornalísticos realistas, informando sobre uma invasão alienígena incontrolável
pelo planeta
Marte.
Tudo soava como uma transmissão ao vivo, borrando
os limites entre realidade e ficção.
"Nós fizemos aquilo com muito cuidado e
reproduzimos exatamente o que teria acontecido. Pensando em como tornar tudo
mais eficaz. Mas não tínhamos de ideia do quanto seria eficaz", contou
Welles em 1955, em um episódio de uma série da BBC intitulada Orson
Welles's Sketch Book ("O caderno de rascunhos de Orson Welles", em
tradução livre).
As circunstâncias forneceram o pano de fundo
perfeito para a produção radiofônica.
Naquele tempo, o rádio vinha substituindo
rapidamente os jornais como a fonte das notícias do dia para a maioria dos
americanos.
E havia também a sensação geral de ansiedade com a
possibilidade de mais um conflito na Europa.
À medida que se aceleravam os eventos que levariam
o mundo para a Segunda
Guerra Mundial, o público americano ficava cada vez mais acostumado aos programas de
rádio sendo interrompidos com notícias importantes.
Às 20 horas, pelo horário da costa leste dos
Estados Unidos, Welles começou o programa apresentando a dramatização e
esclarecendo que se tratava de uma obra de ficção.
Mas os ouvintes que sintonizaram o programa mais
tarde perderam esse aviso.
E alguns que ouviram, na verdade, não prestaram
atenção no que ele estava dizendo ou simplesmente esqueceram à medida que a
dramatização se desenvolvia.
·
Marte ataca!
O que se seguiu foi um programa musical regular,
conhecido dos ouvintes, interrompido por uma série de boletins de notícias
extraordinárias simuladas e cada vez mais frenéticas.
Os atores interpretavam repórteres e funcionários
do governo ofegantes, descrevendo a chegada dos invasores alienígenas. As
descrições eram combinadas com efeitos sonoros assustadoramente realistas dos
raios de calor mortais dos extraterrestres – e da destruição de cidades
inteiras.
Os efeitos foram poderosos e aterrorizaram os
ouvintes.
O estilo de documentário e o diálogo natural da
dramatização fizeram com que alguns chegassem a confundir o programa com uma
transmissão jornalística de verdade.
Os jornais relataram posteriormente que ouvintes
ansiosos, acreditando que o fim do mundo era iminente, tentaram fugir de suas
casas, enquanto outros juntavam armas e se preparavam para se defender contra
os alienígenas.
As linhas telefônicas ficaram congestionadas com
ouvintes tentando ligar para a polícia e jornais em busca de informações ou de
confirmações.
O fluxo de chamadas pode ter convencido muitos
jornalistas de que o programa estaria causando um pânico nacional.
A polícia logo apareceu no estúdio da CBS onde
acontecia a dramatização e começou uma discussão entre policiais e executivos
da rádio, que tentavam desesperadamente evitar que eles invadissem e
interrompessem o programa.
Welles estava em meio à transmissão da peça e só
percebeu seus efeitos "porque, na metade do programa, enquanto dávamos
seguimento ao roteiro à nossa frente, nós víamos que, na sala de controle,
havia muitos policiais, cada vez mais. Eu não fazia ideia que havia me tornado,
de repente, uma espécie de evento nacional".
"Imediatamente depois que nosso programa saiu
do ar, Walter Winchell [jornalista americano, 1897-1972] estava em uma rede
concorrente e ficou sabendo que nossas linhas telefônicas estavam
congestionadas", contou Welles.
"No seu programa de comentários sobre as
notícias, ele disse: 'Sr. e Sra. América, não há razão para alarme. A América
não caiu. Repito, a América não caiu'."
Nos dias que se seguiram, Orson Welles e sua equipe
enfrentaram fortes reações negativas da imprensa e do governo.
O programa dominou as manchetes dos jornais do dia
seguinte e muitos jornalistas extrapolaram os relatos individuais para afirmar
que os americanos entraram em pânico de forma generalizada. Isso ajudou a
solidificar a impressão de que o programa de Welles teria criado histeria
coletiva.
Houve ameaças de ações na Justiça e pedidos de
censura e regulação do conteúdo transmitido pelo rádio.
A CBS convocou apressadamente uma entrevista
coletiva, na qual Welles negou repetidamente que houvesse tentado enganar as
pessoas.
Por fim, a Comissão Federal de Comunicações dos
Estados Unidos (FCC, na sigla em inglês) investigou o incidente e concluiu que
nenhuma lei foi desrespeitada, mas as redes precisaram concordar que seriam
mais cautelosas com sua programação no futuro.
O escândalo serviu apenas para amplificar a
reputação de Welles como gênio criativo e mestre na arte de contar histórias.
Ele impulsionaria sua ida para Hollywood, onde viria a dirigir e estrelar Cidadão Kane (1941),
frequentemente mencionado como o maior filme de todos os tempos.
A gravação da BBC revela que, questionado sobre a
transmissão posteriormente, Welles – sempre um contador de histórias – fazia
grandes afirmações sobre o impacto permanente do seu programa sobre a opinião
pública.
Ele contou como, alguns anos depois, a notícia de
que o Japão havia lançado um ataque-surpresa
contra a base americana de Pearl Harbor foi divulgada durante uma
apresentação patriótica de Welles no rádio.
"Eu estava no meio de um hino de louvor aos
campos de milho americanos ou algo do tipo", ele conta, "quando, de
repente, um senhor entrou no estúdio da rádio, levantou a mão e disse:
'Interrompemos este programa para trazer um anúncio: Pearl Harbor acaba de ser
atacada'."
"E, é claro, ninguém acreditou naquela notícia
terrível e muito séria", prossegue Welles. "Ninguém na América
acreditou por horas, porque todos diziam 'bem, lá vem ele de novo, realmente de
muito mau gosto, foi engraçado uma vez, mas não novamente'."
Nos anos que se seguiram, surgiram muitos debates
sobre o real nível de pânico causado pelo programa e se ele realmente foi
superestimado, ou quantas pessoas ouviram de fato a dramatização, contrariando
o que indicam as reportagens dos jornais da época.
Mas, independentemente disso, A Guerra dos
Mundos de Orson Welles permanece sendo um marco na história do rádio e
um testemunho do poder da arte de contar histórias para capturar a imaginação
do público.
Fonte: BBC Culture
Nenhum comentário:
Postar um comentário