quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

A doença do suor: a epidemia que dizimou parte da população da Inglaterra

No verão de 1528, o rei Henrique VIII da Inglaterra e Ana Bolena estavam muito apreensivos com o andamento das negociações no Vaticano para a anulação do casamento real. Eles aguardavam avidamente por notícias do cardeal Wolsey sobre esse assunto, quando uma epidemia voltou a grassar pela cidade de Londres, forçando uma separação do casal. A doença do suor, ou “suor inglês”, aparecia esporadicamente na Inglaterra, deixando atrás de si muitas mortes. De acordo com o médico John Caius, autor de A Boke or Counseill Against the Disease Commonly Called the Sweate, or Sweatyng Sicknesse (1552), seus sintomas começavam com uma dor de cabeça, vertigem e prostração, evoluindo rapidamente para delírios e aceleração dos batimentos. O corpo então começava a transpirar em excesso e a morte podia chegar entre 3 e 18 horas a partir dos sintomas iniciais de manifestação. Caso o doente sobrevivesse às primeiras 24 horas, então era sinal de que suas forças logo seriam restabelecidas. Por outro lado, o paciente não criava imunidade após a contaminação, de modo que poderia contrair a febre mais de uma vez. Como tinha apenas uma filha para sucede-lo no trono, Henrique VIII tinha muito o que temer caso fosse acometido pela enfermidade.

De acordo com os registros, a doença do suor se espalhou pela Inglaterra em pelo menos cinco ocasiões, nos anos de 1485, 1508, 1517, 1528 e 1551, desaparecendo poucas semanas depois do primeiro caso confirmado. Inicialmente restrita a algumas localidades, ela acabou se espalhando para outros países do continente europeu, como Hamburgo e Escandinávia, aparecendo depois na Holanda, Polônia, Lituânia e Rússia. Até hoje é difícil saber exatamente o que provocou os surtos da enfermidade, embora Caius atribuísse sua origem às péssimas condições sanitárias dos centros urbanos ingleses, principalmente durante o final da primavera e o verão, quando as cidades eram infestadas por insetos. Estudiosos contemporâneos, porém, acreditam que ela poderia ser causada por uma proliferação de hantavírus, transmitida por roedores infectados através de fezes, urina ou saliva. Naquele verão de 1528, muitos acreditavam que a afeição do rei por Ana Bolena não sobreviveria à epidemia, principalmente depois que uma de suas damas foi diagnosticada com o suor. Amedrontado com a possibilidade de o contrair também, Henrique VIII começou a se mover de casa em casa, procurando se manter seguro enquanto seus súditos rapidamente sucumbiam em um nível muito rápido de contaminação.

Segundo Du Bellay, embaixador francês em Londres, era “uma doença muito perigosa. A pessoa sente um pouco de dor na cabeça e no coração; de repente, começa a suar; não há necessidade de um médico, pois, se você se envolve muito ou pouco, em quatro horas, às vezes em duas ou três, é despachado sem definhar” (NORTON, 2009, p. 62). Quando Ana Bolena começou a apresentar os primeiros sinais da doença do suor, Henrique VIII ordenou que sua amada fosse enviada para o castelo de sua família, Hever, onde ela ficaria em quarentena. Em 18 de junho de 1528, Du Bellay escreveu o seguinte:

Umas das filles de chambre de Mademoiselle de Boulen foi atacada na terça-feira pela doença do suor. O rei partiu com grande pressa a doze milhas; mas é negado que a senhora Ana Bolena tenha sido mandada embora, como se suspeita, para o seu irmão, o visconde, que está em Cainet [Kent]. Esta doença, que surgiu há quatro dias, é a mais fácil do mundo para morrer. Você sente uma leve dor na cabeça e no coração; de repente você começa a suar. Não há necessidade de um médico; pois se você se descobrir o mínimo, ou se cobrir muito pouco, você parte sem definhar, como essas terríveis febres o fazem. Mas não é grande coisa, pois durante o tempo especificado cerca de dois mil foram infectados por ela em Londres (apud NORTON, 2013, p. 105-6).

Apesar de inicialmente relativizar o contágio da doença, poucos dias depois que Du Bellay escreveu essa carta o nível de contaminação aumentou 43 mil casos em apenas 12 dias, devido à não adoção do isolamento por parte da população londrina, que continuava visitando ruas e lojas em meio à epidemia. As pessoas ficaram apavoradas quando o número de mortos começou a crescer. Famílias eram forçadas a ver os corpos de seus parentes transportados em carroças para valas coletivas, que tinham sido cavadas para sepultar aqueles que não resistiam à enfermidade. Apenas médicos devidamente protegidos com roupas especiais podiam chegar perto do doente, devido ao alto grau de contágio da febre. Assim que descobriu que Ana Bolena havia sido diagnosticada com o “suor”, o rei enviou o seu segundo médico, William Butts, para cuidar pessoalmente dela, uma vez que o primeiro, “em quem eu ponho mais confiança se encontra agora ausente, quando ele poderia me dar maior alívio”, conforme escreveu para Ana numa carta assinada com as iniciais HR e AB dentro de um coração (IVES, 2010, p.101).

Com efeito, Henrique VIII parecia estar devastado com a notícia de que Ana Bolena fora acometida por aquela doença. Na Inglaterra, houve até mesmo quem interpretasse o surto de suor como um castigo divino pelo rei procurar a anulação de seu casamento com Catarina de Aragão. O que teria acontecido caso Ana morresse naquele verão, como aconteceu com muita gente, incluindo seu cunhado, William Carey? Para Antonia Fraser (2010, p. 199), talvez Henrique retornasse para os braços de Catarina, ou, mais provavelmente, Wolsey tivesse aproveitado a ocasião para procurar alguma princesa estrangeira capaz de gerar os herdeiros masculinos que o seu senhor tanto queria. Tal possibilidade se constitui num fascinante exercício de conjectura para aqueles que adoram perguntar o “e se” na História. Por outro lado, o monarca tinha razões para temer pela vida de Ana Bolena, conforme ele mesmo disse em carta endereçada a ela:

De repente, chegaram-me à noite as notícias mais terríveis que poderiam vir, e preciso lamentá-las por três razões: a primeira é ouvir a doença de minha senhora, a quem amo mais do que todo o mundo e cuja saúde desejo como minha, e suportaria voluntariamente a metade de sua doença para que você se curasse; a segunda, por medo de ser mais uma vez constrangido pela minha própria ausência inimiga, que até agora me deu todo o aborrecimento possível, e até onde posso julgar provavelmente piorará, embora ore a Deus para me impedir de ser um rebelde tão importuno (apud NORTON, 2009, p. 63).

A terceira razão lamentada pelo rei, porém era o fato de não poder dispor de seu melhor médico para atender Ana Bolena, enviando então do Dr. Butts, de quem esperava “obter uma das maiores alegrias nesse mundo, que quer dizer, que minha senhora será curada” (NORTON, 2009, p. 63). Rapidamente, o irmão de Ana, George, e o seu pai, Thomas, também foram infectados pela doença do suor.

Contudo, em 30 de junho daquele ano, Du Bellay escreveu que Ana começava a dar sinais de melhora, embora ainda fosse mantida na casa de seu pai em quarentena. Henrique VIII estava muito preocupado, pois “uma boa quantidade de seus servos morreram dentro desses dois ou três dias” e “todos aqueles do seu quaro de dormir, exceto um, tinham sido contaminados”. O diplomata acrescentou que “foi dito ontem que alguns a mais deles estão à beira da morte: eu não tenho certeza se escaparão” (NORTON, 2013, p. 106). Du Bellay julgava que Henrique havia abandonado seus amigos e sua amada por medo de infecção, permanecendo afastado deles durante todo o período de quarentena. “Aqueles que não se expõem ao ar, raramente morrem; de modo que das mais de quarenta e cinco mil pessoas que foram infectadas em Londres, nem duas mil morreram” (NORTON, 2013, p. 106). No dia 21 de julho, porém, ele contava que a contaminação na capital começava a diminuir, embora tivesse se espalhado para outras partes do país. Em Kent, Ana Bolena, assim como seu pai e irmão, já estavam convalescendo. Assim que soube da novidade, o rei escreveu uma carta ordenando que ela retornasse para a corte quando sua saúde estivesse plenamente restabelecida, dizendo que sua ausência havia lhe causado “a maior dor no coração”.

 

Fonte: Rainhas Trágicas

 

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