quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Sul Global tem papel essencial para processo de paz no conflito entre Israel e Palestina

Países do Sul Global têm papel fundamental em uma possível solução para o conflito entre Israel e Palestina, "mas tudo depende do quanto eles estariam dispostos a ir contra os Estados Unidos, que mantêm uma posição completamente aliada a de Israel", comentou o historiador Eden Pereira Lopes da Silva, um dos entrevistados do programa Mundioka.

O Sul Global e a paz no Oriente Médio foi o tema da edição desta terça-feira (24) do programa da Sputnik Brasil, que contou com a participação do professor de relações internacionais Christopher Mendonça, da IBMEC de Belo Horizonte, e Eden Pereira Lopes da Silva, e do professor de história na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

"Esse governos têm papel muito importante no sentido de tentar pressionar principalmente as grandes potências que têm responsabilidade historicamente nesse processo, como o Reino Unido e os Estados Unidos, não só adotarem uma posição de repreensão a Israel, respeitar os acordos que foram firmados em 1967, 1978, em Oslo, mas, principalmente, na busca de solução que passe pela fundação do Estado palestino", comentou Silva.

Entre os países muçulmanos que estão localizados na região, ele destacou o Egito e a Arábia Saudita, que já foram muito atuantes quando existia um movimento amplo dos países árabes de integração.

Segundo ele, o Egito tem relações razoáveis com o Estado de Israel e é aliado histórico, a partir dos anos 70, dos Estados Unidos: "O Egito, historicamente, era um país que tinha um papel muito importante na ajuda, na tentativa de mediação da resolução desse processo. A Síria, uma vez também reconstruída, também pode ter papel muito importante nesse aspecto."

  • China desponta como principal mediadora de conflitos

Para Silva, que também é analista internacional, o único país capaz de negociar a resolução de conflitos internacionais na atualidade é a China, por ter construído uma série de arcabouços, de processos de pacificação em nível internacional nos últimos anos e, sobretudo, nos últimos meses:

"A China tem tido uma ação concreta na direção da desescalada de conflitos na região do sudoeste da Ásia e contribuiu para a normalização das relações entre o Irã e o Arábia Saudita, que mudou completamente a configuração naquela região."

Para Mendonça, embora a China não tenha tradição em mediação em conflitos internacionais, o país tem nos últimos anos tem questionado a liderança dos EUA na comunidade internacional e tentado ocupar espaços na África, Ásia, América Latina:

"Essa postura, essa posição de ter interesse em mediar o conflito, significa que a China tem um interesse também em fazer esse papel de mediadora, de ser uma ponte entre dois oponentes na sua ocasião do Oriente Médio", comentou o professor do IBMEC.

O especialista em relações internacionais chamou ainda a atenção para o fato de a China ter poder de veto nas resoluções do Conselho de Segurança, potencial bélico e econômico importantes o que facilitaria essas mediações.

No caso do mais recente conflito israelo-palestino, a proximidade do presidente Chinês, Xi Jinping, com seu homólogo da Palestina, Mahmoud Abbas, e a existência de um "canal de diálogo" com Israel, embora "mais tenso" coloca a China em uma posição de potencial mediador do conflito para a região.

"Mahmoud visitou a China, foi recebido pelo Xi Jinping, os dois trataram de uma série de temas, firmaram acordos, inclusive um acordo de parceria estratégica da China com a Palestina, e que, em alguma medida, trazem Palestina para dentro desse grande escopo e arcabouço de projeto que a China tem construído para o século XXI, que são as Novas Rotas da Seda", argumentou Silva.

O professor lembra ainda que "esses acordos que a China mediou e organizou naquela região, sobretudo para poder expandir seus corredores das rotas da seda, acabaram isolando essa retórica belicista e militarista do governo de Israel, principalmente do governo de Netanyahu, e posicionou Israel numa situação muito difícil.

  • Hamas, grupo terrorista?

Para Silva, a mediação de um processo de paz tão complexo exige dos interlocutores entenderem o projeto de expansão dos assentamentos naquela região, principalmente sob o governo de Israel de Benjamin Netanyahu. "Entender o Hamas como terrorismo não necessariamente é uma precondição para se enxergar a ideia de uma mediação ou de um cessar-fogo", comentou Silva, ao salientar que o conflito em questão surge a partir de um processo de colonização.

Mendoça ponderou que, embora o desejo do Hamas seja a criação do Estado palestino, uma demanda legítima, as formas como o grupo tem conduzido essa demanda são bastante violentas e utilizam de todas as características de grupos terroristas, como o Estado Islâmico e da Al-Qaeda.

"O Hamas não foi criado inicialmente como grupo terrorista, mas como grupo político, que inclusive disputou eleições na faixa de Gaza e conseguiu se eleger para coordenar, para governar aquela porção palestina. No entanto, nos últimos anos, a adoção de medidas que são muito próximas do terrorismo fazem com que muitos pesquisadores, muitos analistas, considerem o Hamas como sendo um grupo terrorista", disse o professor do IBMEC.

  • Ataques a Gaza e a segurança energética da Europa

De acordo com o professor Silva, o conflito entre Israel e a Palestina também tem relação relevante com o conflito entre Rússia e Ucrânia e, consequentemente, a cadeia de abastecimento de energia da Europa.

"Os Estados Unidos, com o conflito na Ucrânia, esperavam quebrar esse processo de relação da Rússia com a Europa, principalmente entre a Rússia e a Alemanha. Eles conseguiram isso, porque houve o corte do gasoduto Corrente do Norte, o gasoduto Nord Stream 2", explicou ele.

Com a interrupção do fornecimento de gás russo, países da Europa foram forçados a buscar outras cadeias de abastecimento, inclusive no Oriente Médio, no Mediterrâneo Oriental, uma reserva de gás natural que hoje é disputada por Israel, Palestina e Líbano. O processo de negociação indireta com Líbano de estabelecer as fronteiras marítimas para extrair gás natural foi feito, "resta a Palestina. Para negociar com a Palestina tem que ter um Estado palestino ou então ocupa tudo. Que é a ideia que hoje está sendo promovida pelo governo de Israel quando se coloca que tem que acabar com Gaza, tem que ruir ao chão".

  • Estados Unidos cada vez mais isolado

Nesse processo, de acordo com o historiador, Israel se tornou um aliado preponderante dos EUA para poder diminuir a influência que tem o abastecimento do gás russo para os europeus.

"Israel é o grande aliado dos Estados Unidos naquela região. Os Estados Unidos hoje não têm mais um aliado incondicional confiável. O que era antes a Arábia Saudita e as "petromonarquias", já se foi. Ela já está nos BRICS, cada vez mais alinhada com esse eixo que é constituído pela China e pela Rússia, na Ásia", enfatizou ele.

Já Mendonça ressaltou que nos Estados Unidos, tanto o Partido Republicano como o Democrata são muito próximos do lobby judeu", o que explica o posicionamento de apoio incondicional do governo norte-americano em relação a Israel. O veto dos EUA no Conselho de Segurança da ONU à resolução brasileira do pedindo cessar-fogo no conflito na faixa de Gaza e é um indicativo desse apoio: "uma sinalização de que o presidente Biden está do lado dos judeus e está do lado de Israel e, portanto, não aceita a proposta brasileira que não deixava explícito o direito de defesa que Israel, de acordo com a Carta das Nações Unidas, tem em relação ao Hamas".

·         Falta de combustível pode interromper ações humanitárias na Faixa de Gaza, afirma a ONU

Em meio ao conflito entre Israel e o grupo Hamas na Faixa de Gaza, a Organização das Nações Unidas (ONU) anunciou, nesta terça-feira (24), que poderá interromper operações humanitárias na área na noite desta quarta (25). Segundo comunicado, a falta de combustível seria o motivo principal.

Por meio da rede social X (antigo Twitter), a agência escreveu: "Se não obtivermos combustível com urgência, seremos obrigados a interromper nossas operações na Faixa de Gaza a partir de amanhã à noite".

·         Hospitais paralisados

Cerca de seis hospitais da Faixa de Gaza foram forçados a fechar por falta de combustível, informou a Organização Mundial da Saúde (OMS) nesta terça-feira (24). Isso se soma aos hospitais que tiveram que encerrar as operações devido a danos causados por ataques aéreos, afirmou a agência em nota.

''A menos que combustível vital e suprimentos adicionais de saúde sejam entregues urgentemente a Gaza, milhares de pacientes vulneráveis ​​correm risco de morte e de complicações médicas, à medida que serviços críticos são encerrados devido à falta de energia'', disse a nota da OMS.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, na sigla em inglês) reforçou a necessidade urgente de que Israel permita a entrada de combustível na Faixa de Gaza e fez eco à OMS no apelo a um cessar-fogo imediato.

''O combustível é de suma importância para o funcionamento de instalações essenciais, como hospitais, estações de dessalinização e estações de bombeamento de água. As unidades de terapia intensiva neonatal abrigam mais de cem recém-nascidos, alguns dos quais estão em incubadoras e dependem de ventilação mecânica, tornando o fornecimento ininterrupto de energia uma questão de vida ou morte'', disse a UNICEF em nota.

 

Ø  ONU, 78 anos: CSNU tem crise de credibilidade e clama por reforma

 

Há 78 anos nascia a Organização das Nações Unidas (ONU). Foi em São Francisco, na Califórnia, que, insatisfeitos com a falta de uma bússola de soluções, 50 países decidiram se reunir para lançar a Carta das Nações Unidas.

A revolta com os crimes bárbaros e as atrocidades da Segunda Guerra Mundial (1939–1945) fez com que representantes e chefes de Estado buscassem definir meios de diálogo e entendimento entre povos e nações. Tudo isso para construir, segundo um objetivo geral, "um futuro melhor, mais próspero, pacífico e justo" para todas as pessoas.

Com o passar dos anos, alguns desafios foram encontrados dentro de alguns setores da própria organização, e não foi diferente com o Conselho de Segurança da Nações Unidas (CSNU). Quase 80 anos depois, com a insurgência de novos cenários, novas realidades, fica cada vez mais exposta a fragilidade do órgão em tomar decisões que cheguem a um denominador comum, afastando a perspectiva de paz.

Acerca disso, especialistas entrevistados pela Sputnik Brasil chegaram a uma conclusão que é quase unânime: existe uma crise no CSNU e, por mais que seja interessante a realização de uma reforma, não há qualquer intenção nesse sentido por parte de alguns membros fixos. O Brasil, por sua vez, está no centro do debate e procura, inclusive nesta terça-feira (24) — data oficial da celebração dos 78 anos da organização — reverter sua situação no conselho e garantir uma cadeira fixa. "Reformar é dançar cadeiras de poder e minimizar concentração de outras potências", avaliam.

Para o professor de relações internacionais Rodrigo Barros de Albuquerque, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), e de ciência política na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a crise de credibilidade enfrentada pelo CSNU não é novidade. Segundo ele, é preciso observar as perspectivas de revitalização dos esforços diplomáticos, bem como as reformas necessárias na própria ONU.

Albuquerque destaca que essa crise é um problema tão constante na história da organização que é difícil enquadrá-la como uma situação de crise pontual.

"Durante a Guerra Fria, por exemplo, o problema era o uso contínuo e de forma alternada do poder de veto entre a União Soviética e os Estados Unidos. Nos anos 1990, foi a incapacidade de agir face à retirada unilateral da participação estadunidense na ONU, que não saiu da organização, mas deixou de contribuir financeiramente com o orçamento compulsório e com as contribuições voluntárias, as quais eram direcionadas, em sua maior parte, às operações de paz", relembra o analista.

Ele reforça que essas crises de credibilidade, em grande parte, decorrem da estrutura do CSNU, com seus membros permanentes detentores de poder de veto, tornando-o ineficiente em muitos casos.

Para o cientista político e professor de relações internacionais da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) Antônio Lucena, é difícil vislumbrar essa reversão da credibilidade, principalmente por causa de um mundo altamente fragmentado e dividido como nós temos hoje.

"De 2003 para cá, a gente tem um mundo que é completamente diferente e, atualmente, nós temos dois grandes blocos que são visíveis: de um lado você tem Estados Unidos e Europa e alguns outros países ocidentais, como a Austrália e Nova Zelândia, com determinados tipos de posições, atuando mais de forma conjunta; e, de outro, você tem Rússia, China, Irã, e Coreia do Norte com outra visão de mundo. Alguns países que buscam ser neutros, por exemplo, como Índia, como é o caso do Brasil, buscam se afastar desse maior engajamento internacional — justamente porque eles têm dificuldade de acesso a recursos de poder e também porque são países que privilegiam diplomacia de comércio'', pontua Lucena.

·         A busca do Brasil por um papel diplomático no Oriente Médio

Rodrigo Barros de Albuquerque reforça que o Brasil procura assumir um papel de destaque como um global player (jogador/atuante global, em livre tradução) e mediador em questões internacionais, especialmente no Oriente Médio.

"O país costuma ser visto como hábil negociador e ativo na tentativa de buscar soluções pacíficas, mas o fato de não assumir posições mais duras — e ser criticado por isso — e de não ter sempre suas posições levadas a cabo faz parecer que o país não tem suas posições levadas em consideração tanto quanto gostaria", responde ao ser questionado se existem, de fato, meios de o Brasil propor formas de revitalizar esforços diplomáticos para prevenção e resolução de conflitos no Oriente Médio.

Há, segundo especialistas, uma tentativa do Brasil de aliviar a questão humanitária. O professor Antônio Lucena relembra que, recentemente, a nação brasileira apresentou proposta considerada, em suas palavras, relativamente boa e difícil de atingir certo grau de consenso. "Uma proposta em que a Rússia e o Reino Unido se abstiveram. Mostrando que, de certa forma, eles concordam com a resolução, mas se abstiveram para não ter problemas com seus aliados. Contudo, rejeitada pelos Estados Unidos", indaga o cientista político.

Acerca dos conflitos no Oriente Médio e apresentação da proposta brasileira ao CSNU, o analista sinaliza que houve um problema de "timing". Ele pontuou que a visita de Biden a Israel, além da proposta apresentada pelos Estados Unidos e o próprio veto da nação norte-americana à proposição brasileira fizeram com que a solução sugerida pelo Brasil fosse recusada.

·         Mas e a reforma?

A necessidade de uma reforma na ONU tem sido uma demanda da comunidade internacional por anos. O foco principal tem sido a reforma do Conselho de Segurança, com a adição de membros permanentes. No entanto, o cientista Rodrigo Barros de Albuquerque argumenta que a simples expansão da composição do CSNU não resolveria o problema. Ele sugere que a verdadeira reforma envolveria a anulação do poder de veto em favor de decisões por maioria ou maioria qualificada, refletindo uma distribuição mais equitativa de poder entre os membros.

Se a crítica permanente ao CSNU é sua inação em muitas situações devido ao poder de veto, as discussões eternamente presentes sobre a ampliação do número de membros permanentes, segundo o especialista, é ilógica. Mais membros com poder de veto aumentaria a quantidade de interesses que podem afetar um número maior de membros permanentes.

''O que a lógica ensina é que esse cenário é um no qual a inação é maior, e não menor. Refletir as atuais estruturas de poder no CSNU não se daria pela ampliação de membros permanentes e maior representatividade, por exemplo, do Sul Global, mas, creio, só seria possível pela anulação do poder de veto e uso do voto por maioria ou maioria qualificada no âmbito do CSNU'', pontua.

Lucena, ao ser indagado sobre a tão aguardada reforma no Conselho de Segurança, defendida pelo Brasil e vários outros países, segue o mesmo pensamento pontuado por Albuquerque e complementa: "É altamente improvável uma reforma no Conselho, atualmente. A tendência é que seja mantido o mesmo corpo do CSNU".

A implementação dessas reformas, aspiradas pelo Brasil, enfrenta desafios significativos, uma vez que qualquer mudança deve ser aprovada pelos próprios membros permanentes do CSNU, que não têm incentivo para reduzir seu próprio poder dentro da organização.

"Não consigo ver qualquer incentivo para os membros permanentes decidirem contra si próprios, decidirem reduzir seu poder dentro do CSNU", especula Rodrigo Albuquerque.

Ainda de acordo com o professor da UFS e da UFPE, a perda de relevância da ONU não é um problema real, já que a organização sempre teve a relevância que os membros permanentes permitiram. A ONU é, em última análise, limitada pela vontade de seus membros mais poderosos.

"Essa relevância [da ONU] sempre foi superestimada. A sua relevância é do tamanho e dimensão que os membros permanentes do CSNU permitem ter", expressa.

A crescente importância de organizações como o G20, BRICS e outras reflete a diversificação das arenas multilaterais. Isso é visto como uma tendência positiva, pois permite que países cooperem com base em interesses diversos e escapem da lógica de poder militar centrado no CSNU. Essa pluralidade de organizações multilaterais contribui para a manutenção de relações pacíficas em uma escala mais ampla.

''Os países operam em diferentes arenas com vários outros países em coalizões diferentes, a depender do tema em debate. E isso é bom, porque escapa à lógica centrada em poder militar que contamina o CSNU e favorece o poder econômico e outras formas de poder que não o militar. Assim, essa pulverização do poder entre diferentes regiões e níveis de cooperação tende a reforçar laços que se cruzam entre diferentes países e seus aliados, o que estabelece uma tendência de manutenção de relações pacíficas em maior escala. Parece-me que essa densa institucionalização, ao fim e ao cabo, é mais interessante para a manutenção de uma ordem internacional pacífica e descentralizada do que uma única organização que tente fazer as vezes de um governo mundial'', conclui Albuquerque.

Enquanto a busca por soluções continua, fica claro que a diplomacia e a cooperação internacional continuarão a desempenhar um papel fundamental na busca por um mundo mais pacífico e cooperativo.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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