STF não promulgou lei, estabeleceu a inconstitucionalidade do Marco
Temporal
O Supremo Tribunal Temporal por nove votos a dois
declarou a inconstitucionalidade do Marco Temporal que envolve a propriedade e
ocupação das terras indígenas, o que dá margem, isso sim, à aprovação de uma
lei complementar regulando a matéria e reconhecendo direitos, conforme acentuou
em seu voto o ministro Alexandre de Moraes, para aqueles que de boa-fé
realizaram melhorias nessas áreas.
A matéria neste ponto é complexa, envolvendo, como
a própria decisão do STF assinalou, indenizações a serem pagas pela União. Aí,
portanto, temos uma janela destinada a um amplo acesso e à uma ampla visão. Mas
o problema fundamental não é esse, mas o fato de que o Senado votou
equivocadamente um projeto já aprovado pela Câmara em maio propondo a vigência
do Marco Temporal, o que restringia as terras indígenas ocupadas até 5 de
outubro de 1988, data em que foi promulgada a Constituição Federal.
O Senado, na realidade, aprovou uma matéria
destinada a debater a decisão do STF, o que não é o caso. O objetivo da votação
do Senado é confrontar o STF, destacando sua posição de que legislar é uma
competência do Congresso e não do Supremo. Em sua essência, a questão não é
essa. Agindo dessa maneira, o Senado desconheceu a declaração de
inconstitucionalidade do Marco Temporal e, por isso, provocou uma colisão com o
Poder Judiciário.
Na verdade, o que o Senado votou foi um projeto
voltado para anular uma declaração de inconstitucionalidade. Absurdo completo
que não foi ainda comentado por esse ângulo, mas que é o verdadeiro enfoque de
um fato sensível politicamente para o governo em toda a sua extensão.
Na edição de O Globo desta sexta-feira, Sérgio
Roxo, Camila Turtelli, Marianna Muniz, Dimitrius Dantas e Fernanda Alves
publicaram ampla reportagem sobre a iniciativa do Senado, destacando que o
presidente Lula deve vetar o projeto. O veto, como qualquer outro, poderá ser derrubado
pelo Legislativo, mas nem o veto, muito menos a hipótese de sua derrubada,
funcionam para conter a crise aberta, a meu ver, pela falta de uma perspectiva
concreta relativa ao caso.
É claro que o presidente Lula, recuperado da
operação a qual se submeteu ontem, vetará a proposição. Primeiro porque se
sancionasse estaria agredindo o Supremo Tribunal Federal. Segundo, porque
estaria provocando uma reação enorme por parte dos povos indígenas e tal reação
alcançaria repercussão internacional, incluindo também o problema do
desmatamento e da expansão de empresas rurais em busca de espaço sempre
crescente para a produção agropecuária.
As direções do Senado e da Câmara, com Rodrigo
Pacheco e Arthur Lira à frente, devem se reunir com o presidente Lula ou o presidente
em exercício Geraldo Alckmin, e também com o presidente do STF, Luís Roberto
Barroso, em busca de um denominador comum capaz de superar, pelo caminho da
lógica e do interesse público, o problema criado por uma precipitação difícil
de explicar e mais ainda de entender.
O que está em questionamento é se o Poder
Legislativo tem ou não competência para anular, através de um projeto de lei,
uma declaração de inconstitucionalidade do STF. No Supremo, apenas os ministros
Nunes Marques e André Mendonça, nomeados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro,
votaram a favor do Marco Temporal e, provavelmente, foram esses dois votos que
propiciaram a frágil concepção de que o Parlamento teria o poder de anular a
definição de inconstitucionalidade por parte do Supremo.
A Constituição de 1988 definiu o STF como guardião
do texto constitucional do país. Assim, para anular uma declaração de
inconstitucionalidade, o Poder Legislativo formado pelo Senado e pela Câmara
necessitaria de uma emenda constitucional. Isso, em tese, pois uma emenda
fixando tal absurdo teria a sua legitimidade contestada pela Corte Suprema. Não
há saída para o problema desencadeado a não ser através de um consenso
reparador da votação absurda praticada pelo Senado na quarta-feira.
·
Aprovação do marco temporal no Senado liga sinal de
alerta no governo
Os 34 votos a favor do projeto do Carf (Conselho de
Administração de Recursos Fiscais), no mês passado, foram um sinal amarelo, uma
vez que o governo esperava mais. Agora, a aprovação do projeto do marco temporal
no Senado indica que o fim da lua de mel, citado nesta coluna, não é somente na
Câmara.
O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues
(sem partido-AP), ainda tentou retirar o tema de pauta, mas não conseguiu. A
avaliação de muitos líderes é de que as vitórias do governo no Parlamento
entram, a partir de agora, na entressafra. E se for proposta de emenda
constitucional, avisam alguns, melhor esquecer.
Aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o
senador Omar Aziz (PSD-AM) chegou ao Senado pisando firme e foi logo
perguntando ao líder, Otto Alencar (PSD-BA): “Você já liberou a bancada, né?”.
“Como você pediu”, respondeu Otto, referindo-se à
votação do marco temporal.
Ciente de que poderia votar como quisesse, Aziz
partiu para o ataque: “Meu estado está isolado, atravessa uma seca, e Marina
Silva não deixa asfaltar a BR-319. Se algum amazonense morrer de fome, a culpa
é dela. Fica pelo mundo e não resolve nada”, disse o senador.
Aliás… A avaliação de muitos senadores é de que,
com Marina Silva no governo, como ministra do Meio Ambiente e Mudança do
Clima), não vai ter Programa de Aceleração do Crescimento que emplaque. A
aposta é que o PAC vai “empacar” na hora do licenciamento ambiental.
·
Barroso faz aceno ao Congresso, com recuo do STF
sobre o marco temporal indígena
Empossado nesta quinta-feira como presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luís Roberto Barroso concedeu nesta
sexta-feira uma entrevista coletiva em que fez acenos ao Congresso, negou que
haja uma “crise institucional” e disse que “se não for cláusula pétrea”, a
última palavra sobre Constituição é de parlamentares.
Na entrevista à imprensa, o novo presidente
defendeu diálogo com o Legislativo, melhoria na comunicação da Corte e elogiou
os principais cotados à vaga de Rosa Weber.
“Em não se tratando de uma decisão sobre cláusula
pétrea, o Congresso é no fim quem tem a última palavra, porque sempre pode
aprovar PEC incluindo emendas na Constituição Federal” — afirmou Barroso.
A entrevista é o seu primeiro ato oficial como
presidente da Corte, cargo que ocupará pelos próximos dois anos. O imbróglio
mais recente entre o STF e o Congresso está sendo travado em razão do marco
temporal das terras indígenas, que a Corte declarou inconstitucional em
julgamento concluído na última quarta-feira, mas que foi aprovado em projeto
pelo Senado no mesmo dia.
“Eu pretendo dialogar com o Congresso de uma forma
institucional, como deve ser. Eu não vejo crise, o que eu vejo é a necessidade
de diálogo, boa-fé” — disse.
O novo presidente do STF também defendeu o PL das
Fake News, em tramitação no Congresso: “Uma regulação mínima deveria se
transformar num senso comum. Nós todos estamos de acordo que não pode ter
pedofilia na rede, não pode ter venda de drogas e ataques às instituições. É
preciso regular para impedir conteúdos inaceitáveis, para enfrentarmos
comportamentos desordenados, inautênticos e regular para compartilhar as
receitas”.
Questionado a respeito da diminuição do número de
mulheres no STF, com a saída da ministra Rosa Weber e da possível substituição
dela por um homem, Barroso afirmou, na entrevista, que a escolha de um ministro
para a Corte é competência do presidente da República, e defendeu os principais
nomes cotados para serem escolhidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT).
“Os três nomes, Flávio Dino, Jorge Messias e Bruno
Dantas, são excelentes dos pontos de vista de qualificação técnica e
idoneidade. Eu defendo a feminilização dos tribunais de maneira geral, mas essa
é uma prerrogativa do presidente” — disse.
Segundo Barroso, a reação do Congresso a
determinados julgamentos pelo Supremo não interferirá na escolha dos temas que
serão pautados. O ministro ressaltou, por exemplo, que no caso que a Corte está
analisando a respeito do porte de drogas para consumo pessoal, o Supremo não
está interferindo nas atribuições do Legislativo.
“Não estamos descriminalizando, mudando a política
estabelecida pelo Congresso, estamos dando uma diretriz para a polícia. O STF é
deferente para com a competência do Congresso quanto a se legalizar ou
criminalizar (as drogas)” — explicou.
De acordo com o presidente do STF, o que o está em
discussão é uma definição sobre qual quantidade de droga vai ser considerada
porte, e qual quantidade vai ser considerada tráfico. “E isso é da competência
do Supremo pois quem prende é o juiz” — disse.
Ao falar sobre mudanças que estuda implementar na
Corte durante sua gestão, Barroso disse que há o debate da volta das ações
penais para as turmas. Em 2020, uma mudança regimental levou as ações penais
para o plenário, mas uma ala de ministros da Corte vem entendendo que a
alteração acarretou em um congestionamento dos julgamentos pelo plenário, como
já havia antecipado O Globo.
“As ações penais tomam muito tempo do plenário, e o
plenário deve ser reservado para as ações de impacto coletivo, mais do que para
os casos individuais, que geralmente ficam nas turmas. Há essa ideia de voltar
as ações penais para as turmas para agilizar os processos” — afirmou Barroso,
para quem também é possível que haja uma mudança para estipular um prazo para o
julgamento dos embargos de declaração.
Fonte: Tribuna da Internet/Correio Braziliense/O
Globo
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