Como a demência pode estar relacionada à saúde bucal e à saúde mental
Você já se perguntou se sua boca é importante para
o resto do seu corpo?
A boca, assim como outras partes, está interligada
aos órgãos e ao bom funcionamento do corpo. Deixar de se preocupar com isso
pode causar danos ao seu cérebro, afetando sua vida.
A partir da gengivite – também conhecida como
periodontite – podem se desenvolver doenças como o Alzheimer. Esses problemas
que começam na boca são a porta de entrada do nosso corpo e podem se
transformar em outras doenças com riscos cada vez mais graves
• Explicando
a periodontite
A periodontite é uma doença silenciosa, pois é uma
inflamação localizada abaixo da superfície da gengiva, ou seja, não é visível
nos sorrisos. A maioria dos pacientes com esta doença só se apercebe da sua
existência aos 40 ou 50 anos, altura em que a doença já se encontra avançada,
com a estrutura dentária já danificada, sendo necessária a remoção de alguns
dentes.
• Mas
como um problema nos dentes pode se deslocar para outras partes do corpo?
O sangue está presente em todo o nosso organismo,
desde a ponta dos pés até o topo de nossas cabeças, logo a boca, não seria
diferente. Um pequeno corte, uma mordida na bochecha, qualquer lesão pode
permitir que microrganismos passem da boca para a corrente sanguínea. Se alguma
infecção entrar nessa corrente, ela pode se instalar em algum órgão muito
importante, como o coração ou o cérebro. E como a boca é um lugar muito
visitado por bactérias e vírus, com acesso direto ao restante do mundo, por
meio da alimentação, da respiração, dos beijos, dentre outras coisas.
As bactérias presentes na periodontite, ao
deslocarem-se pelo restante do corpo, podem levar a doenças cardiovasculares,
como alzheimer, pneumonia, artrite reumatoide, diabetes, parkinson, e outras
complicações.
• E
qual seria a relação da nossa saúde dentária com a demência?
Estudos realizados por Bei Wu, doutora e professora
da Universidade de Nova York, indicaram que quanto mais dente você perde,
maiores são os riscos para se desenvolver demência. Algumas respostas para essa
consequência da perda de dentes é a deficiência de alguns nutrientes. Com menos
dentes há uma dificuldade maior na mastigação, diminuindo a variedade de
alimentos consumidos, o que acarreta na falta de alguns nutrientes. Essa
deficiência pode comprometer regiões do cérebro, provocando demência. Exemplo
disso é a Vitamina D, que segundo os estudos da doutora Bei Wu é capaz de
inibir a atividade de certas citocinas relacionadas a periodontite e demência.
Outra possibilidade dada pelo estudo é que a
própria falta ou mudança na mastigação pode levar a mudanças morfológicas ou
colinérgicas em regiões específicas do cérebro.
Viu como escovar os dentes e ir ao dentista é tão
importante para a sua saúde em geral?
Um
guia para entender a demência: sintomas, causas e avanços tecnológicos
Demências são condições neurológicas progressivas
que afetam a capacidade cognitiva e funcional de um indivíduo, impactando
significativamente sua memória, linguagem, julgamento e habilidades de
raciocínio. Embora frequentemente associadas ao envelhecimento, é importante
ressaltar que a demência não é uma consequência natural do processo de
envelhecer. Existem diversos tipos de demências, sendo a doença de Alzheimer a
mais conhecida e prevalente. As causas das demências podem variar, incluindo
fatores genéticos, degenerativos e vasculares, e sua manifestação pode alterar
profundamente a vida diária do paciente e de seus familiares. Reconhecer os
primeiros sinais e buscar intervenções precoces são essenciais para melhorar a
qualidade de vida e retardar a progressão da doença.
>>> Leia a entrevistamos com o Dr. Fabio
Porto, renomado neurologista, que responderá questões pertinentes sobre o tema,
esclarecendo dúvidas e abordando os avanços mais recentes na área.
• Afinal,
o que é demência e como ela se difere de esquecimentos comuns que todos nós
temos?
O termo “demência” é frequentemente visto com
significado negativo, indicando “loucura”, “insanidade” ou “descontrole”. Mas
tecnicamente falando, demência é uma síndrome (um conjunto de sinais e sintomas
que têm várias causas) caracterizada por:
• Declínio
cognitivo: ocorre redução de algum aspecto da cognição (memória, atenção,
linguagem, funções executivas, percepção visual, cognição social, etc). É
importante ressaltar que a função cognitiva precisa piorar (ao contrário de
algumas situações em que sempre houve uma dificuldade cognitiva).
• Alterações
de comportamento: muito frequentemente ocorrem mudanças comportamentais que
refletem as alterações do funcionamento do cérebro, ou seja, a síndrome
demencial não causa apenas problemas cognitivos. Mudanças de humor, ansiedade,
apatia, dificuldades de controlar impulsos e até mesmo psicoses (ideias falsas
ou delírios, percepções sem estímulo ou alucinações) podem acontecer.
• Declínio
funcional: a pessoa afetada não consegue viver com a mesma capacidade funcional
ou independência que antes. Nas fases iniciais, isso se reflete com a
dificuldade de executar as funções do trabalho, dificuldades de lidar com as
finanças, esquecimento com as medicações, entre outras. À medida que os
sintomas progridem, atividades como escolher as próprias roupas, vestir-se e
outras coisas simples do dia a dia são afetadas.
• Quais
são os primeiros sinais ou sintomas de demência que as pessoas devem ficar
atentas?
Aqui é importante definirmos de qual demência
estamos falando, já que demência é uma síndrome e não uma doença por si
própria. A principal causa de demência é a doença de Alzheimer, que, na sua
apresentação clássica, causa uma dificuldade progressiva em aprender novas
informações. Nesse caso, ocorrem repetições das mesmas perguntas ou sentenças,
perda de objetos pessoais, dificuldades de lembrar se uma atividade já foi
feita (uma conta de luz, por exemplo). Dificuldades de localização, como se
perder ao dirigir, também podem acontecer. Esses sintomas são causados pelo
acometimento das regiões do cérebro que processam as memórias recentes, na
doença de Alzheimer. Mas cada tipo de demência pode ter um sintoma inicial
diferente. Podem ocorrer dificuldades de linguagem (não achar palavras, não
conseguir entender as conversas, não saber o significado das palavras),
sintomas atencionais ou executivos (dificuldade de organização, planejamento ou
de colocar um plano em ação), dificuldades na cognição social (redução da
empatia, desinibição, dificuldade de perceber emoções, etc). O que une as
demências é a perda da funcionalidade devido à soma das alterações cognitivas e
comportamentais.
Um ponto importante é que a demência não é um
desfecho normal com o envelhecimento. O termo muito usado “demência senil” na
verdade significa demência após os 65 anos, e não “demência pelo envelhecimento
normal”.
• Existem
diferentes tipos de demência? Se sim, você poderia explicar um pouco sobre as
diferenças entre eles?
Demência é a síndrome. Mas existem várias causas de
demência. Podemos didaticamente dividir entre causas degenerativas e não
degenerativas.
Degenerativas: situação em que ocorre acúmulo
anormal de proteínas no cérebro que causam a disfunção e morte dos neurônios
nas regiões afetadas. Cada doença tem um tipo específico de proteína, como as
proteínas amiloide e tau na doença de Alzheimer. Lembrando que estamos falando
de proteínas que ocorrem no corpo, e não proteínas que ingerimos na dieta. A
doença de Alzheimer é a causa mais comum de demência em todas as idades. Outras
demências degenerativas, como a demência frontotemporal (que afeta o
comportamento e/ou a linguagem inicialmente), demência com corpos de Lewy (uma
demência com sintomas tipo Parkinson, dificuldades visuais e alucinações
visuais), um conjunto de demências que causam sintomas motores chamados de
parkinsonismos atípicos, entre outras.
Não-degenerativas: Aqui temos a demência causada
por lesões vasculares no cérebro, ou AVCs. Nesse caso, não há proteínas
anormais acumuladas no cérebro, mas a destruição dos neurônios ou de suas
conexões pelas isquemias é responsável pelos sintomas. Outros exemplos de
causas não-degenerativas são tumores cerebrais, hipotireoidismo, deficiência de
vitamina B12, inflamações ou infecções no sistema nervoso central, traumatismos
cranianos, etc.
• Em
que fase da vida as alterações cognitivas e a demência costumam aparecer? Isso
é algo que só afeta os mais idosos?
As demências normalmente são doenças relacionadas
ao envelhecimento (mas não parte normal dele). Desta maneira, a prevalência
(número de pessoal com o diagnóstico) aumenta exponencialmente após os 65 anos.
Como a população mundial está envelhecendo, o número de pessoas vivendo com
demência está aumentando. No entanto, existem casos mais raros de demências em
pessoas com menos de 65 anos, chamadas de demências pré-senis.
• Como
a tecnologia e a inovação estão ajudando no diagnóstico ou tratamento da
demência?
A tecnologia e inovação têm sido fundamentais para
vários aspectos nas demências, desde diagnóstico precoce, acesso a informações
relevantes sobre a doença (psicoeducação), acesso aos tratamentos e manejo de
sintomas comportamentais. Por exemplo, testes cognitivos automatizados e à
distância podem servir como forma de rastreio de alterações cognitivas,
inovações na capacidade de diferenciar os vários tipos de demências com exames
mais simples e menos invasivos como exames de sangue, acesso a grupos de
familiares de pessoas vivendo com demência através da internet (um exemplo
disso, são os grupos de apoio online da ABRAz – Associação Brasileira de
Alzheimer) e até o uso de robôs para manejo não-farmacológico de sintomas
comportamentais (nas fases mais avançadas das demências). Enfim, existem
inúmeras estratégias em que a tecnologia e inovação podem ajudar.
• Quais
são os principais fatores de risco para o desenvolvimento de demência e existe
alguma forma de evitá-la?
Os principais fatores de risco para as demências
são idade e genética, que são fatores de risco não modificáveis. Porém é
possível reduzir a chance em cerca de 40%, segundo alguns estudos, intervindo
em fatores de risco modificáveis. Os principais fatores de risco modificáveis
são: baixa escolaridade, fatores de risco cardiovasculares como hipertensão
arterial, diabetes, colesterol aumentado, sedentarismo, obesidade e tabagismo.
Ao intervir nestes fatores, reduz-se a chance de doenças cerebrovasculares que
ajudam a causar demência. Outros fatores como perda auditiva não corrigida,
consumo excessivo de alimentos ultra-processados, exposição à poluição
ambiental, isolamento social e depressão também são possíveis de serem
prevenidos. A “correção” desses fatores não significa que a pessoa está livre
de ter demência, mas reduz a chance da doença e pode também atrasar o seu
aparecimento.
• Como
a demência afeta a vida diária de um paciente e seus familiares? Existem
estratégias para tornar o convívio mais fácil?
As demências são doenças da família, pois seus
sintomas causam grande impacto direto e indireto na vida das pessoas. As
pessoas que vivem com demência vão tendo uma perda progressiva da independência
e vão necessitando cada vez mais de supervisão e cuidado. Além disso, o
tratamento medicamentoso e as reabilitações vão sendo cada vez mais necessárias
(fisioterapia, reabilitação cognitiva, terapia ocupacional, fonoterapia, etc).
Esses são os custos diretos. Os custos indiretos refletem o fato que
frequentemente alguém da família tem que parar com as atividades de sua vida para
cuidar do parente com demência. Além de questões financeiras, existe um enorme
sofrimento emocional associado ao quadro, estresse e sobrecarga dos cuidadores
e dificuldades de lidar com as alterações de comportamento que acontecem nas
demências.
• Existem
tratamentos disponíveis que podem desacelerar ou reverter os sintomas da
demência?
Sim. Existem tratamentos que desaceleram a
progressão das demências, além de tratamento sintomáticos para a maioria dos
sintomas associados às demências. Recentemente, novos tratamentos que
desaceleram a progressão da doença de Alzheimer estão sendo estudados e
recentemente foram aprovados nos Estados Unidos e estão sendo avaliados pela
ANVISA. Raramente existem causas potencialmente reversíveis de
• Há
algum avanço recente na pesquisa sobre demência que o público deveria saber?
Os principais avanços nas pesquisas foram uma
melhor compreensão dos fatores de risco para as demências e como preveni-las. O
melhor entendimento dos processos que acontecem no cérebro (por que e como as
proteínas anormais se acumulam) e alguns tratamentos inovadores. Um grupo de
medicações chamadas de “anticorpos monoclonais contra a proteína beta amiloide”
consegue limpar a proteína amiloide que se acumula no cérebro na doença de
Alzheimer. Isso é uma grande inovação, apesar de causar impacto clínico
modesto. Outras novidades são tratamentos que podem reduzir aspectos
inflamatórios relacionados às demências e tratamentos para sintomas
comportamentais na doença de Alzheimer (especialmente agitação e
agressividade).
• Que
conselho daria a alguém que acabou de receber um diagnóstico de demência ou à
sua família?
O conselho seria “entender para aceitar”. Esse
processo de “entender” é a parte racional do processo. Ter os conhecimentos
necessários para compreender os fatos a respeito das demências, os sintomas
cognitivos e comportamentais, a progressão e o que esperar do tratamento e
evolução. Algumas vezes ter uma “segunda opinião” médica… “Aceitar” não é
sinônimo de “entender”. Aceitar é o aspecto emocional e está relacionado com
aceitação e resiliência. A aceitação reduz o sofrimento psíquico. Facilita as
mudanças comportamentais que são necessárias no manejo das demências. Por isso,
o acesso a grupos e associações sobre a doença é parte fundamental do
tratamento.
• Como
as aplicações e dispositivos de monitorização podem ajudar no dia a dia das
pessoas com demência ou dos seus familiares?
Nas fases moderadas das demências, é comum ter
dificuldade de localização e sintomas de perambulação (sair andando de forma
descontrolada). Isso causa o risco da pessoa com demência se perder ou se
colocar em riscos. Os dispositivos de localização, por exemplo, podem ajudar a
reduzir o risco nessas situações.
• Há
alguma tecnologia emergente, como inteligência artificial ou realidade virtual,
que promete revolucionar o modo como entendemos ou tratamos a demência?
A inteligência artificial pode ajudar (não
revolucionar) em algumas situações. Especialmente nas fases leves das
demências, onde apenas atividades complexas estão comprometidas. A inteligência
artificial pode prolongar a independência.
• Como
a telemedicina está impactando o diagnóstico e o tratamento da demência,
especialmente em áreas rurais ou para pessoas com mobilidade reduzida?
Sem dúvida o Brasil é um país continental e não
temos especialistas o suficiente para avaliar todas as pessoas que vivem com
demência. Dessa forma, a telemedicina é uma solução inovadora para esse
problema. É possível avaliar as pessoas por telemedicina e fazer avaliações
cognitivas automatizadas ou por profissionais de saúde, através de aplicativos
de telemedicina. Durante a pandemia de COVID-19, esse formato de atendimento se
expandiu muito e provavelmente vai continuar ajudando na prática clínica.
Fonte: IstoÉ
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