Quem foi São Judas Tadeu, o protetor do Flamengo
O Clube de Regatas Flamengo amargava quase uma
década sem títulos no início dos anos 1950. A última conquista havia sido o
campeonato carioca de 1944 quando, em 1953, o então pároco da Igreja de São
Judas Tadeu, em Cosme Velho, foi até a Gávea celebrar uma missa junto ao time.
A ideia era espantar a urucubaca. O padre ainda
teria pedido para que todos os jogadores acendessem uma vela e dedicassem o
gesto a São Judas Tadeu — e torcedores também aderiram. Coincidência ou não,
deu certo: o Flamengo foi tricampeão carioca consecutivo, levantando a taça em
1953, 1954 e 1955.
São Judas, considerado o santo das causas
impossíveis, se tornaria então o protetor do time mais famoso do Brasil. E isto
só aumentaria sua popularidade entre os fiéis brasileiros.
• O
primo que se tornou seguidor
Judas Tadeu foi contemporâneo de Jesus. Tanto seu
nascimento quanto a data de sua morte são incertos — muito provavelmente ele
morreu por volta do ano 70. Mais do que contemporâneo de Jesus, ele foi um dos
primeiros seguidores daquele homem de caráter messiânico, um dos chamados 12
apóstolos.
Há indícios, inclusive, de um parentesco de sangue.
Especialistas defendem que Judas seria primo de Jesus, filho de uma irmã de
Maria. "Segundo a tradição, São Judas era filho de Cléofas e de Maria de
Cléofas, que segundo consta era irmã da Virgem Maria", pontua o hagiólogo
Thiago Maerki, pesquisador da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e
associado da Hagiography Society, dos Estados Unidos.
"São Judas foi um dos apóstolos escolhidos por
Jesus, natural da Galileia, na Palestina. Provavelmente era um primo-irmão de
Jesus e Tiago. Temos poucas citações dele nos evangelhos. Temos uma citação em
Mateus, quando ele foi escolhido, e uma em João, na qual na verdade ele faz uma
pergunta para Jesus", comenta o padre Guilherme César da Silva, autor do
livro 'Devocionário a São Judas Tadeu: O Santo da Esperança para Além de Toda
Esperança' e gerente da rede de Livrarias Paulus.
A tradição cristã também aponta para um destino
trágico do pai de Judas, Cléofas. "Ele teria sido assassinado pela
admiração, pela devoção aberta e descrita que ele cultivava pelo Cristo
ressuscitado, algo que era inadmissível naquela época e vista com maus olhos
pelo Império Romano", diz Maerki.
Segundo o texto bíblico, Judas foi um dos doze
escolhidos para seguir Jesus.
"Os evangelhos narram que São Judas foi
escolhido por Jesus, que tinha passado a noite toda em oração para fazer essa
escolha. Na lista presente no Evangelho de Mateus, em vez de Judas de Tiago,
aparece o nome 'Tadeu', que, em aramaico, significa magnânimo, pessoa
generosa", explica Silva. "É também um adjetivo aplicado a uma pessoa
do peitoral largo. Diz-se que, ao longo do tempo, muitos preferiram se referir
a esse Apóstolo como 'Tadeu', para não pronunciar o nome do traidor de Jesus."
• Não
confundir com o xará
Esta é uma confusão recorrente. Por conta do mesmo
nome, muitos associam São Judas Tadeu a Judas Iscariotes, aquele que, segundo a
narrativa bíblica, teria sido o apóstolo traidor que, em troca de moedas de
ouro, entregou Jesus aos que pretendiam condená-lo à morte na cruz.
"Antes de tudo, é preciso esclarecer que são
duas pessoas distintas. Judas Iscariotes é aquele que traiu Jesus. Na verdade,
Judas era um nome muito comum entre os judeus. É uma variação de 'Judá', em
hebraico, Yehuda, uma das doze tribos de Israel, cuja ascendência remonta ao
quarto filho de Jacó com Lia", contextualiza o padre.
"A preocupação em diferenciar São Judas Tadeu
do traidor é grande. Em inglês, por exemplo, São Judas Tadeu é chamado 'Saint
Jude' e o traidor é identificado como 'Judas Iscariot'", exemplifica
Silva.
Mesmo nos evangelhos, ao menos nas versões que
acabaram chegando até o tempo presente, observa-se um cuidado para evitar que
um seja confundido com o outro. "Assim, no Evangelho de São Lucas , ele
aparece como 'Judas de Tiago'. O evangelista Mateus e também Marcos o
apresentam com o nome de 'Tadeu'. Nem sequer mencionam o nome 'Judas', que é
reservado para o traidor", ressalta Silva. "No Evangelho de João, São
Judas Tadeu é mencionado como 'Judas, não o Iscariotes'. Essa diferenciação é
mesmo uma forma de exorcizar a memória do que vendeu Jesus por 30 moedas."
Há quem defenda que a alcunha Tadeu teria sido
criada justamente para diferenciar um Judas do outro. "Seria uma espécie
de apelido dado a ele para que não fosse confundido com o Iscariotes, o
traidor. É muito curioso, muito particular, algo específico e único na
Bíblia", afirma Maerki.
• Biografia
incerta, morte por linchamento
Como costuma acontecer com esses personagens dos
primórdios do cristianismo, historicamente pouco se sabe sobre a vida de Judas.
"A maior parte do que se conhece está no Novo Testamento, mas há também um
evangelho apócrifo chamado Evangelho de Tadeu, atribuído a ele. O texto se
perdeu, conhecemos apenas fragmentos", diz Maerki.
O hagiólogo afirma que, ao que tudo indica, Judas
se comunicava tanto em aramaico quanto em grego, "como acontecia com
muitos de seus contemporâneos da região da Galileia" e era
"fazendeiro por profissão".
Considerado o primeiro historiador do cristianismo
e autor de pesquisas importantes sobre os primeiros seguidores de Jesus, o
bispo Eusébio de Cesareia (265-339) diz, em sua obra 'História Eclesiástica',
que Judas Tadeu é o noivo da famosa passagem bíblica das "bodas de
Canaã". Trata-se da narrativa em que Jesus teria feito seu primeiro ato
milagroso, transformando água em vinho para salvar uma festa de casamento onde
a bebida havia acabado.
Depois da morte de Jesus, acredita-se que Judas
Tadeu tenha sido enviado para pregar em outras regiões do Oriente Médio. Ele
teria sido executado por conta desse trabalho de evangelização.
"Ele teria pregado na Judeia, na Síria, na
Líbia antiga, acredita-se que tenha visitado Beirute e trabalhado na
evangelização de pessoas nessas partes", cita Maerki.
Segundo pesquisas de Silva, após pregar em diversas
regiões da Palestina, Judas Tadeu teria se fixado na Síria. "Sua morte
teria acontecido na cidade de Edessa, sob o domínio do rei Abgar, ou ainda em
Beirute, juntamente com São Simão, que é festejado também no dia 28 de outubro",
comenta ele.
Nesta época, era comum que os cristãos partissem em
duplas para missões, com o objetivo de que um ajudasse e protegesse o outro.
De acordo com Maerki, acredita-se que tanto Judas
quanto Simão tenham sido linchados. "Eles foram martirizados juntos por
uma multidão, provavelmente insuflados por sacerdotes de Zoroastro [seguidores
da doutrina criada pelo profeta Zoroastro, que viveu na Pérsia no século 7
a.C.]", aponta o pesquisador.
Silva conta que os restos mortais atribuídos a São
Judas estão sepultados no Vaticano. Mais precisamente, "no transepto
esquerdo da Basílica de São Pedro, no altar de São José", conforme ele
detalha.
Na iconografia católica, São Judas costuma ser
representado com dois símbolos: o machado e o livro. "O machado provavelmente
é o objeto com o qual ele sofreu o martírio. E o livro representa a carta que
ele escreveu, que compõe o Novo Testamento", explica padre Silva.
• Causas
perdidas
Já a sua vocação de padroeiro das causas perdidas
ou das causas impossíveis tem explicação na atuação de outra santa, a
beneditina e teóloga alemã Gertrudes (1256-1302). "Em sua biografia, ela
diz que Jesus a orientou a colocar sob a intercessão de São Judas os casos mais
desesperados", explica Silva. "E, aos poucos, os fiéis foram atribuindo
a ele a intercessão de causas impossíveis, difíceis. Hoje temos esta devoção
forte de São Judas, por acreditar que ele intercede em situações adversas,
muito complicadas ou, até mesmo, impossíveis."
O padre ressalta que, no relato do Evangelho de Mateus,
"São Judas Tadeu aparece entre aqueles aos quais o Senhor deu autoridade
para expulsar espíritos impuros e libertar as pessoas de qualquer tipo de mal
ou de enfermidade".
Fonte: BBC News Brasil
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