Paulo Kliass: Vamos cortar os gastos públicos?
O empenho da área econômica do governo em promover
a ferro e fogo a política de austeridade fiscal surpreende a todos e todas que
não estão muito habituados a acompanhar com certo detalhe e proximidade a
evolução do debate e das decisões do Ministério da Fazenda a esse respeito. Na
verdade, a postura de Fernando Haddad não tem deixado quase nenhuma diferença
com relação aos representantes do financismo quando se trata de recomendações
para medidas de orientação da política fiscal.
Essa tendência em atender aos desejos do sistema
financeiro começou a tomar forma já no período que transcorreu entre a
oficialização da vitória de Lula em outubro do ano passado e a posse em 1º de
janeiro. Naquele momento foi gestada a chamada PEC da Transição, que deveria
ter tido por objetivo apenas assegurar recursos orçamentários para que o novo
governo pudesse começar o exercício de 2023 com dinheiro suficiente para
cumprir com algumas de suas principais promessas de campanha. Mas aquele teria
sido também o instrumento adequado para estabelecer a revogação da EC 95, dispositivo
que abrigava o famigerado teto de gastos. A referida PEC foi promulgada sob a
forma da Emenda Constitucional 126/22.
Mas o problema é que Haddad incluiu na medida uma
condicionante inesperada para a eliminação de tal instrumento extremo de austeridade.
Ao invés de simplesmente revogá-lo, como havia sido prometido por Lula durante
a campanha, a política do bom mocismo estabeleceu uma novidade preocupante. A
proposta estabelecia que o teto só seria extinto a partir do momento em que o
governo eleito encaminhasse ao Congresso Nacional, até o mês de agosto, uma lei
complementar que tratasse de um “novo arcabouço fiscal”. A sequência é
conhecida de todo mundo. O titular da Fazenda fechou-se em copas, atendendo
apenas às demandas e sugestões do Presidente do Banco Central e dos demais
dirigentes do capital financeiro privado. O prazo de agosto foi encurtado para
evitar maiores discussões públicas e críticas ao modelo que foi sendo
construído. O governo encaminhou a proposta ao legislativo ainda em abril.
·
A austeridade segue a
todo vapor.
A sanção da Lei Complementar nº 200/23 ocorreu em
31 de agosto e o novo arcabouço fiscal passou a substituir as regras muito mais
draconianas do teto de gastos. Porém, o artifício retórico de comparar o novo
modelo com a desgraceira representada pelo teto de Temer & Meirelles não
resiste ao menor debate a respeito do conteúdo da proposta da neo-austeridade.
Não é por outra razão que o sistema proposto por Haddad foi logo chamado
“carinhosamente” de calabouço fiscal. Afinal, ele mantém as mesmas ideias
equivocadas de mirar na busca de superávit primário, de restringir o
crescimento de despesas orçamentárias em relação ao crescimento das receitas,
de proibir a capitalização de empresa as estatais e de não incluir as despesas
financeiras no cálculo dos gastos a serem limitados. Enfim, pode-se dizer que
se trata de um teto de novo tipo.
Passada a fase de aprovação dos dispositivos da
austeridade, agora vem a etapa da implementação de novos ajustes. O alerta que
fazíamos desde o início a respeito da compressão que seria provocada pela
existência de pisos constitucionais para saúde e educação ganha agora a
centralidade no debate. E representantes da área econômica já falam abertamente
que o governo deve enviar uma PEC para eliminar a vinculação dos mínimos de
ambas as áreas sociais à receita tributária da União. Uma loucura! Imaginemos
um governo progressista, com uma proposta desenvolvimentista para o País,
fazendo o trabalho sujo que nenhum outro governo de direita ousou ou teve força
para implementar. Pior do que isso, foi o Executivo ter enviado uma consulta ao
Tribunal de Contas da União (TCU) pedindo autorização à corte de para o
descumprimento de determinação constitucional. Ao invés de limitar as
atribuições do Tribunal às suas funções de controle, o próprio governo busca,
de forma escancaradamente oportunista, uma via para reforçar o austericídio
presente na cabeça dos formuladores da área econômica.
A memória curta parece não trazer à tona o doloroso
processo de impedimento de Dilma Roussef, quando esse mesmo TCU criou
jurisprudência própria e encomendada para que as tais “pedaladas fiscais”
fossem utilizadas de forma ilegal para justificar o afastamento da Chefe do
Executivo. A partir do momento que o governo solicita a um órgão de controle
autorização para não cumprir a Constituição, abre-se uma avenida de
ilegitimidade para decisões posteriores ao arrepio dos princípios democráticos
e republicanos.
·
Cortar nas despesas juros
e não em gastos sociais.
Mas se o governo insiste mesmo em cortar gastos
para atingir o fatídico zeramento do déficit fiscal, talvez fosse o caso de
olhar com mais honestidade e transparência para o estado atual das despesas da
União. A esse título, vale registrar as informações trazidas pelo Banco Central
em sua recente Nota sobre
Estatísticas Fiscais. Ali se percebe que o governo federal gastou,
apenas durante o mês de agosto passado, o equivalente a R$ 84 bilhões a título
de pagamento de juros da dívida pública. Com isso, cai por terra a máscara
falaciosa a respeito da necessidade de cortar despesas nas áreas sociais. Se
somarmos os valores dos últimos 12 meses, a conta total dos dispêndios com
juros sobe a R$ 690 bilhões.
Mas como a malandragem da metodologia das últimas
décadas foca apenas nas despesas “primárias”, os gastos financeiros (não
primários) ficam de fora dos cálculos. Ora, que os representantes do financismo
pensem e ajam de tal forma é até compreensível. Mas não cabe a um governo
eleito com um projeto de retomar o desenvolvimento econômico e social do País e
de promover a redução de desigualdades de toda ordem incorporar esse tipo de
análise distorcida e visada da realidade econômica.
Se vamos cortar mesmo gastos, por que não começar
pelas despesas que são inquestionavelmente as mais parasitas do Orçamento e de
menor impacto positivo sobre a recuperação da atividade da economia de forma
geral? Mas não! A equipe econômica insiste em responsabilizar saúde, educação,
previdência, assistência social, saneamento, investimento, salários de
servidores e similares como sendo os “vilões” da busca desenfreada de um mítico
equilíbrio nas contas públicas no curto prazo a qualquer custo.
O próprio Presidente Lula já estabeleceu que, em seu
governo, a responsabilidade fiscal não pode ser desassociada da
responsabilidade social. Além disso, ele definiu por diversas ocasiões que as
rubricas em saúde e em educação, por exemplo, devem ser consideradas como
investimento e não como mero gasto corrente. Tais abordagens mudam
completamente a forma de se avaliar e solucionar as equações da área fiscal.
Apenas a título de comparação, o total de despesas previstas para saúde para o
presente ano é de R$ 183 bi e o da educação é de R$ 147 bi. Ou seja, os dois
somados não atingem nem a metade do valor dos gastos com juros da dívida.
A intenção é mesmo essa de promover o corte de
gastos orçamentários? Então que a tesoura comece pelas despesas financeiras.
Como os adeptos do austericídio gostam de dizer, há muita gordurinha para
queimar nas rubricas associadas ao pagamento de juros da dívida pública.
Ø Marcio Pochmann: No Brasil, os super-ricos, que compreendem apenas 1%
da população, ficam com 48,4% da riqueza nacional
Ao se utilizar como referência a riqueza definida
como valor dos ativos financeiros, acrescidos dos ativos reais por propriedades
físicas (moradia, fábrica e outras), menos suas dívidas, constata-se a dimensão
da riqueza das nações e a repartição no interior da população.
Neste quesito, o Brasil se destaca por aumentar o
número de super-ricos, mesmo que a riqueza se mantenha relativamente estancada.
Para o banco suíço UBS, no Relatório de Riqueza
Global 2023, o Brasil desponta como o mais desigual, uma vez que os
super-ricos, que compreendem apenas 1% da população, ficam com 48,4% da riqueza
nacional.
Na sequência, vem a Índia com o 1% concentrado no
segmento mais rico, que absorve 41% da riqueza, seguido dos EUA (34,3%), da
China (31,1%), da Alemanha (30%), da Coreia do Sul (23,1%) e da Itália (23,1%).
Em síntese, os super-ricos no Brasil detêm mais do
que o dobro na participação da riqueza do que o 1% mais ricos, por exemplo na
Coreia do Sul e Itália.
No ano de 2019, por exemplo, o relatório da ONU
colocou o Brasil no posto de 2ª maior concentração de renda do mundo. Isto
porque o 1% mais rico concentrava 28,3% da renda total do país, perdendo apenas
para o Catar.
Na comparação do período de 2001 a 2015, o Brasil
já se destaca por ser o país com maior concentração de renda do mundo,
considerando a apropriação dos super-ricos.
Pela pesquisa liderada por Thomas Piketty, o Brasil
era apontado como o país cujos super-ricos abocanharam 27,8% da riqueza
nacional (Pesquisa Desigualdade Mundial).
A tributação dos super-ricos, superprotegidos no
Brasil, é uma exigência necessária para a inflexão da trajetória concentradora
da renda e riqueza nacional.
O presidente @lulaoficial lidera a reivindicação
histórica de um país democrático, justo e solidário.
Fonte: Jornal GGN/Viomundo
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