'Imposto do pecado': o que se sabe sobre o novo tributo seletivo em
discussão no Congresso
A reforma tributária, que agora deve começar a
tramitar no Senado, prevê a implementação de um imposto seletivo sobre bens e
serviços que sejam prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. O tributo ganhou o
apelido de “imposto do pecado” porque deve incidir sobre itens como cigarros,
bebidas alcoólicas e pesticidas.
Acontece que a lista final de produtos que serão
taxados — e a alíquota que vai incidir sobre eles — ainda permanecerá pendente
de detalhamento por algum tempo. Isso porque a definição só se dará por meio de
uma lei complementar, que será redigida e aprovada após a conclusão das bases
da reforma.
Segundo especialistas ouvidos pelo g1, a ausência
de detalhes abre margem para discussões sobre quais produtos são enquadrados
nos critérios do texto e como a lista de produtos pode espalhar efeitos pela
cadeia econômica.
<<<< Entenda abaixo o que se sabe e o
que ainda se falta saber sobre o novo “imposto do pecado”.
• O que
se sabe sobre o novo imposto seletivo?
Segundo o texto da reforma tributária, o novo
tributo seletivo estabelece uma alíquota maior que a padrão para bens e
serviços que sejam prejudicais à saúde e ao meio ambiente.
A cobrança de um imposto desse tipo não é novidade.
No Brasil, tanto o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) quanto o
Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) já têm um caráter
de seletividade.
Nesse caso, a principal diferença está na forma
como essa seletividade é vista. No atual modelo de tributação, por exemplo,
essa cobrança acontece “em função da essencialidade do produto” – ou seja,
quanto mais essencial é um bem, menor a alíquota que incide sobre ele e
vice-versa.
Agora, foram tipificados produtos que, em tese, são
nocivos. É o caso, por exemplo, de cigarros e bebidas alcóolicas: dois produtos
normalmente citados por tributaristas como bens que podem ser taxados pelo novo
imposto – e que, inclusive, já têm umas das maiores cargas tributárias
embutidas no preço.
A expectativa, segundo o secretário extraordinário
para a reforma tributária, Bernard Appy, é que esse tributo seja criado em
2027, já com a alíquota cheia (sem necessariamente passar por um valor de
transição).
• E o
que ainda falta saber?
Segundo especialistas tributários e empresários, a
grande expectativa sobre esse tributo está no seu detalhamento, que deve ser
discutido amplamente apenas em 2024, depois da aprovação do texto base da
reforma tributária. Entre as perguntas que ainda precisam ser respondidas,
estão:
• Qual
deve ser a lista de bens e serviços que devem ser taxados pelo novo imposto do
pecado?
• Qual
será a alíquota do novo tributo?
• A
aplicação dessa alíquota pode refletir em um aumento do mercado ilegal e do
contrabando?
• Quais
os efeitos práticos desse novo imposto na economia?
>>>> Há indícios sobre quais produtos
podem ser taxados pelo novo imposto?
Uma das principais dúvidas que ainda existem sobre
o novo tributo sequer começou a ser discutida pelo governo. Segundo o
Ministério da Fazenda, o foco agora está em “aprovar a Emenda Constitucional”,
e o debate sobre quais devem ser os produtos e serviços taxados pelo novo
tributo só deve vir depois da aprovação da reforma.
“Caberá à lei ordinária instituir e regulamentar o
imposto seletivo. É nesse momento que se discutirá, por exemplo, sobre quais
bens ou serviços prejudiciais ele incidirá. Ressalta-se que a finalidade desse
imposto é regulatória, não arrecadatória”, disse o ministério em nota,
acrescentando que a elaboração desse projeto de lei será feita “por meio de
amplo diálogo com a sociedade”.
Para especialistas, no entanto, o tema é muito
abrangente e abre um grande espaço para debate e discussão.
“Hoje, pela proposta, a ideia é que haja uma
redução da imaterialidade, ou seja, [o novo tributo] não poderá incidir sobre
produtos que não prejudiquem a saúde ou o meio ambiente”, afirma o advogado
tributarista e sócio da SouzaOkawa Advogados, Francisco Leocádio Ribeiro
Coutinho Neto.
“Além disso, o imposto também não poderá incidir
sobre os vários itens que foram beneficiados pelas alíquotas reduzidas, como os
relacionados à saúde e educação, por exemplo”, acrescenta.
Outra dúvida destacada por tributaristas diz
respeito a como o novo imposto seletivo deve se encaixar em outros pontos da
reforma tributária — como na intenção de trazer um regime diferenciado de
tributação para produtos consumidos pela população de baixa renda, por exemplo
(veja mais abaixo).
Além disso, o detalhamento da cobrança desse
tributo sobre produtos similares aos produzidos na Zona Franca de Manaus,
prevista no texto da reforma, também tem ficado no radar.
Recentemente, o Ministério da Fazenda informou que
produtos como bicicletas, motos, smartphones, TVs, condicionadores de ar e
notebooks, por exemplo – todos fabricados tanto na Zona Franca como em outras
regiões do país – também podem sofrer a incidência do novo imposto seletivo.
• O que
pode ser classificado como prejudicial à saúde?
Mesmo com a delimitação desse tributo para itens
que sejam prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, especialistas reforçam que a
lista de produtos e bens que podem acabar sendo tributados continua enorme.
No exterior, há casos de países que adotaram o chamado
“sugar tax”, ou imposto do açúcar, que incide normalmente sobre alimentos e
bebidas açucarados. Um levantamento feito pela Obesity Evidence Hub, por
exemplo, aponta que mais de 50 países já implementaram um tributo do tipo pelo
mundo.
Na teoria, dizem especialistas, essa também pode
ser uma das bases de incidência adotadas para o novo imposto do pecado, uma vez
que produtos com grande volume de açúcar em sua composição podem ser
classificados como sendo prejudiciais à saúde.
O tema, no entanto, ainda traz dúvidas. Segundo a
advogada tributária e sócia da Utumi Advogados, Ana Claudia Utumi, o debate
sobre o que pode ou não ser danoso à saúde tem causado bastante preocupação
entre especialistas e empresários.
“Há um dito popular que fala que a diferença entre
o remédio e o veneno é a quantidade. O açúcar, por exemplo, pode ser danoso ao
organismo, mas também pode ser saudável. Tudo depende da quantidade consumida.
O produto, por si só, muitas vezes não é danoso”, afirma.
Para o presidente executivo da Associação
Brasileira da Indústria de Alimentos (ABAI), João Dornellas, no entanto, a
classificação sobre os alimentos ultraprocessados não encontra consenso e que
produtos do tipo provavelmente não devem ter a incidência do imposto seletivo,
uma vez que "não são nocivos à saúde ou ao meio ambiente".
"Trata-se de uma discussão que vai muito além
do impacto financeiro para o setor e para toda a cadeia produtiva de alimentos.
Ela atinge diretamente a questão da promoção da segurança alimentar. Quanto
mais impostos, menos acessíveis ficam os alimentos", acrescenta Dornellas.
• O que
pode ser considerado prejudicial ao meio ambiente?
Outro ponto trazido por especialistas é a
indefinição sobre o que pode ser considerado danoso ao meio ambiente, e quais
os efeitos que isso poderia gerar nas cadeias de produção.
Um exemplo usado pelos tributaristas seria a
possibilidade desse novo imposto incidir em produtos como plásticos e outros
derivados de petróleo, considerados prejudiciais ao meio ambiente.
Nesse caso, a dúvida seria sobre como impedir que o
tributo maior para esses bens tenha impacto em outras cadeias de produção —
como embalagens, por exemplo — e reflita, indiretamente, nos preços de produtos
que, na teoria, não se encaixariam na definição do imposto seletivo.
“Há o ponto de vista de que o plástico seja nocivo
[ao meio ambiente]. Mas muitos alimentos possuem embalagens que utilizam esse
material em sua composição, inclusive dentro da própria cesta básica [veja mais
abaixo]. Então ainda é necessário um debate para entender de que maneira esse
imposto seletivo vai acontecer”, completa Coutinho Neto, da SouzaOkawa.
Em nota, o Ministério da Fazenda afirma que não há
a intenção de tributar derivados do petróleo via imposto seletivo.
“A diferenciação na tributação entre combustíveis
fósseis e biocombustíveis será feita através do regime específico do IBS e da
CBS, gerando créditos para as empresas que adquirirem combustíveis”, diz a
pasta.
• Impactos
na economia e como o imposto se encaixa na reforma
Os especialistas reforçam, ainda, que o debate
sobre a lista de produtos e serviços também pode envolver consequências
indiretas na economia — e que podem, inclusive, ir contra alguns dos pontos que
a própria reforma tributária estabelece.
O texto da reforma prevê, por exemplo, a
desoneração de bens considerados essenciais, com um regime diferenciado de
cobrança para alcançar itens consumidos pela população de baixa renda.
Além disso, o relator também incluiu no texto a
criação de uma cesta básica nacional de alimentos com isenção de tributos,
cujos produtos também serão estabelecidos por meio de uma lei complementar.
“Nesse cenário, se acabarmos com uma lista que
inclua alimentos ultraprocessados no imposto do pecado, por exemplo, podemos
acabar impactando o orçamento da população de baixa renda, tributando produtos
que são o que essas pessoas conseguem comprar”, diz Utumi.
“Hoje pessoas de baixa renda provavelmente não
conseguem comprar aquele macarrão feito com trigo orgânico e de forma
artesanal, mas podem conseguir comprar aquele macarrão instantâneo. Então é um
ponto de atenção que pode acabar gerando muita insegurança nessa questão da
seletividade”, acrescenta a advogada.
Questionado sobre como o governo pretende driblar
eventuais conflitos do novo imposto com as propostas da reforma tributária e
evitar eventuais aumentos de preços, o Ministério da Fazenda reafirmou que a
elaboração do projeto de lei será feita em amplo diálogo com a sociedade.
“Como a reforma tributária é neutra em termos de
carga tributária, alguns preços poderão cair e outros poderão subir. A
transição para o novo modelo tributário desenhada na reforma assegura que
eventuais ajustes nos preços — tanto para cima quanto para baixo — ocorram de
forma gradual no tempo”, diz a Fazenda.
• Haddad
comemora aprovação de projeto do Desenrola: "Boa notícia"
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comemorou
nas redes sociais a aprovação do projeto de lei do programa de renegociação de
dívidas, o Desenrola Brasil, no plenário do Senado Federal, nesta segunda-feira
(2/10).
"A aprovação do Desenrola Brasil pelo Senado
garante a continuidade do programa. Boa notícia para quem tem dívidas e quer
limpar o nome com desconto e parcelado", afirmou o ministro no X, o antigo
Twitter.
A medida provisória que originalmente criou o
programa perderia a validade na terça-feira (3), com o programa já em atividade
desde julho.
O governo negociou com os deputados que a MP
caducasse e o programa foi apensado a uma proposta que envolvia limitar os
juros rotativos do cartão de crédito, de autoria do deputado Elmar Nascimento
(União-BA).
O relator do texto, o senador Rodrigo Cunha
(Podemos-AL), manteve o texto aprovado na Câmara que inclui, dentre outros
pontos, que as emissoras de cartões terão até 90 dias após a sanção da lei para
submeter ao Conselho Monetário Nacional (CMN) um novo patamar de taxação. Caso
isso não ocorra, o órgão deverá fixar os juros em até 100% do valor da dívida.
Atualmente, o rotativo está em 445,7 %.
Campos
Neto sobre governo Lula: "Sempre estivemos bem alinhados"
O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos
Neto, detalhou o encontro que teve na semana passada com o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, no Planalto. Apesar dos conflitos envolvendo a alta taxa
de juros, tema de embate frequente entre o governo e a autoridade monetária,
Campos Neto disse estar "bem alinhado" com o Executivo, e elogiou a
disposição de Lula durante a conversa na última quarta-feira (27/9).
O chefe do BC participou do programa Conversa com o
Bial, da TV Globo, transmitido na madrugada desta terça-feira (3/10). Ele comparou, na entrevista, o comportamento
do petista com o do ex-Jair Bolsonaro (PL), e garantiu não ser "tão
próximo" do ex-presidente.
Campos Neto foi indicado por Bolsonaro. Questionado
sobre a diferença entre os dois presidentes, o chefe do BC afirmou que
Bolsonaro nunca tentou interferir na autoridade monetária, nem ligou para
reclamar de medidas tomadas por ele. Porém, disse que o atual presidente tem
mais disposição para o diálogo.
"O Lula gasta mais tempo prestando atenção no
que você fala. Ele dedica mais tempo. Tem mais paciência para as conversas.
Bolsonaro era mais rápido. Eu sempre sabia que, quando tinha uma conversa com o
Bolsonaro, eu tinha três minutos para falar alguma coisa. Depois dos três
minutos, ficaria mais difícil, porque ele ficava mais disperso", explicou.
Segundo ele, o governo atual "por construção,
tem pessoas que pensam de forma diferente, que estão tentando chegar em um
lugar comum: melhorar a vida dos brasileiros".
"Obviamente, não vamos pensar igual em tudo,
mas estamos bem alinhados. Na verdade, sempre estivemos bem alinhados",
respondeu Campos Neto ao ser questionado sobre a gestão do ministro Fernando
Haddad à frente da Fazenda.
• Reunião
no Planalto
O presidente Lula e outros integrantes do governo
criticam Campos Neto por sua proximidade com Bolsonaro e pela decisão de manter
alto o patamar da Selic — taxa básica de juros. Mesmo com a política do BC de
reduzir gradualmente os juros nos últimos meses, ainda há pontos de tensão.
Lula e o presidente do BC se reuniram pela primeira
vez na quarta-feira passada (27/9), no Palácio no Planalto. O encontro durou
quase uma hora e meia, e teve a presença de Haddad. Campos Neto, porém, evitou
dar detalhes sobre o que foi discutido na reunião.
Fonte: g1/Correio Braziliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário