quarta-feira, 25 de outubro de 2023

EUA e China metem a colher na política da América Latina

Após a custosa campanha de Sergio Massa, Argentina tem mais um mês de instabilidade pela frente até o 2º turno. Nos bastidores, Washington e Pequim tramam seu jogo geopolítico, alimentado à base de créditos generosos.Os países latino-americanos são cada vez mais envolvidos nos imbróglios geopolíticos entre Pequim e Washington. Isso ficou patente nos últimos dias, quando os Estados Unidos fecharam um acordo com a Venezuela em que esta se declarava disposta a realizar eleições idôneas em 2024 em troca de um abrandamento das sanções americanas, introduzidas em reação às óbvias fraudes eleitorais de 2019.

A indústria petroleira venezuelana poderá voltar a vender no mercado mundial. O contexto é que, após a guerra da Rússia na Ucrânia e dos recentes ataques do grupo terrorista Hamas contra Israel, os EUA temiam uma explosão dos preços do petróleo. Portanto fornecimentos adicionais do produto venezuelano para o Ocidente são bem-vindos. Mesmo porque, até agora eram sobretudo os chineses a lucrarem com as exportações de petróleo da Venezuela – baratas e, do ponto de vista americano, ilegais.

Contudo as duas potências mundiais estão metendo a colher também nas eleições gerais da Argentina – embora de maneira não tão óbvia.

O resultado do primeiro turno surpreendeu a muitos: o ministro em exercício da Economia, Sergio Massa, obteve 36,6% dos votos, enquanto seu adversário, o libertário Javier Milei, ficou aquém dos 30%, quando muitos esperavam – ou temiam – a vitória do autodenominado anarcocapitalista. Ambos voltam a se enfrentar no segundo turno, em 19 de novembro.

É espantoso Massa ter obtido tantos votos adicionais assim, desde as primárias de agosto, quando ainda aparecia em terceiro lugar. Pois, enquanto membro do gabinete do presidente Alberto Fernández, ele é responsável pela catastrófica política econômica que colocou a Argentina à beira de uma hiperinflação, como 30 anos atrás. A cotação do dólar em relação ao peso quintuplicou.

Massa acelerou ainda mais a inflação com presentes de campanha: semana após semana, decretou aumentos de salários e aposentadorias, bônus únicos, alívios fiscais. Como o Estado está falido, ele financiou a explosão de gastos imprimindo dinheiro, e no momento a cédula argentina mais alta, de mil pesos, não vale nem um dólar.

·         Entra em cena Pequim

Entretanto o que possibilita o programa de presentes eleitoreiros de Massa, acima de tudo, é o fato de ele contar com respaldo do exterior. Por um lado, o Fundo Monetário Internacional (FMI) de Washington segue concedendo crédito à Argentina, embora o governo não cumpra nenhuma das estipulações.

E agora, de repente, a China também entrou em cena como credora generosa. Desse modo o pleito argentino se transformou numa queda-de-braço geopolítica entre Washington e Pequim, com cada uma das potências tentando puxar para seu lado o país sul-americano ou mantê-lo sob seu controle.

Ainda em fins de agosto, após dias de negociações em Washington, Massa obteve do FMI uma parcela de crédito de 7,5 bilhões de dólares. Na prática, porém, todo esse dinheiro não parou nem um momento nos cofres de divisas do Banco Central argentino: Buenos Aires o empregou para pagar os juros e amortizações que devia ao FMI.

Mas com isso o tema inadimplência não está esgotado: o problema não foi resolvido, apenas adiado. O cofre de divisas argentino está vazio, e em novembro – portando após a eleição – é hora de pagar mais uma parcela da dívida. Foi quando a China se meteu na relação entre Washington e Buenos Aires, ao oferecer-lhe um crédito de 6,5 bilhões de dólares, apenas quatro dias antes da data da eleição.

Nas quatro semanas até o segundo turno, Sergio Massa poderá empregar esse crédito para continuar distribuindo presentes de campanha, acionando as máquinas eleitorais dos governadores de província peronistas e conquistando novos aliados. Para o ministro da Economia, a inesperada benesse de Pequim poderá ser decisiva no resultado das urnas.

Isso também aumenta a pressão sobre Washington para continuar proporcionando crédito do FMI. Agora que a China se apresentou como possível credor para a Argentina, é praticamente impossível os EUA abandonarem sem luta o campo, deixando-o na mão de um concorrente geopolítico.

 

Ø  Eleições na Argentina: saiba como o resultado pode impactar o Brasil

 

O resultado da eleição do novo presidente da Argentina pode ter reflexo direto aqui no Brasil. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta segunda-feira (23) que acompanha as eleições na Argentina “com interesse”.

Economistas consultados pela CNN afirmam que os impactos no Brasil serão diferentes dependendo vitória do candidato de extrema-direita, Javier Milei, ou do governista Sérgio Massa. 

O segundo turno das eleições gerais é realizado 30 dias após o primeiro turno, portanto, neste ano, está previsto para o dia 19 de novembro.

Segundo o professor e pesquisador da Strong Business School, Pedro Mello, a declaração de Haddad de que a vitória de Milei geraria uma preocupação ao governo brasileiro, significa que a Argentina se alinharia com um bloco contrário a essa onda populista de alguns governos da América do Sul e América Latina.

Para Mello, se o candidato Milei vencer, existe um grau de incerteza de como seria efetivar as políticas baseadas em uma doutrina anarco liberal, defendidas por ele na campanha.

Agora, se Massa vencer, as relações econômicas e diplomáticas devem seguir aspectos mais estruturais e fundamentais, ou seja, questões mais de Estado, e não tanto de governo, avalia o professor.

“Em termos de governo, evidentemente se Massa vencer, vai ser mais um apoio a esses países que seguem políticas populistas. Esse cenário pode impactar, positivamente, o governo brasileiro. Mas, seria ruim, numa visão de longo prazo ao Estado do Brasil.”

Já se Milei vencer, o pesquisador pontua que se deve observar as decisões do candidato. Para ele, alguns pontos polêmicos, como abolir o Banco Central, talvez seja um uma visão radical.

Para o Brasil, é muito importante manter relações econômicas com a Argentina, diz Espirito Santo. “São laços históricos, não é um parceiro qualquer. Além disso, tem toda a questão geográfica importante. Nesse sentindo, o Brasil não vai ser desprezado por qualquer um dos dois candidatos.”

Na visão do economista-chefe da Órama, Alexandre Espírito Santo, há uma tendência de o governo brasileiro preferir a vitória do Sergio Massa.

“O que acontece é que o Milei, nessa campanha, foi muito explícito e contrário a algumas ideias. Uma delas foi a declaração de que tiraria a Argentina do Mercosul e, a outra, é de suspender os negócios com países que se consideram comunistas, como o Brasil e a China.”

·         Dolarização

Com relação ao dólar, Mello diz que é natural a Argentina, depois de tantos anos de decepção com a moeda e com a inflação explodindo, querer adotar soluções radicais. “Mas, tem que tomar muito cuidado”.

Um ponto de atenção seria como a dolarização da economia argentina poderia afetar o Brasil.

“Mexer com taxa de câmbio, moedas estrangeira, não são situações fáceis. O impacto pode ser negativo e refletir na parceria comercial entre o Brasil e Argentina, pois existe o fato de encontrar uma certa rigidez política, inclusive internacional, do governo argentino”, diz Mello.

Entretanto, Espirito Santo aponta que a Argentina já está bastante dolarizada. Ele lembra que as grandes operações que acontecem no país são feitas em dólar.

De acordo com o economista, historicamente, países que vão para a hiper-inflação, usam o dólar como moeda de referência.

“Isso é natural. A sociedade expulsa moeda ruim para buscar uma moeda alternativa”.

O que pode acontecer, na análise de Espírito Santo, é que, em vez de dolarizar a economia, o governo argentino poderia criar uma cesta de moeda ponderada e use isso como referência para transações de comércio.

“Poderia, inclusive, usar o real como uma das moedas que participaria da cesta de referência. O melhor que pode acontecer na Argentina é um programa mais ortodoxo, mais centrado em corte de gastos. Nesse sentido, Milei é o candidato com esse projeto de tornar o estado argentino mais enxuto.”

·         Economia interna

Mello contextualizou que Milei já declarou ser contra o Mercosul — um cenário onde muito argentino concorda e critica muito o papel deste grupo.

“Há muitas dúvidas deste mercado comum, porque não há características para isso. Foi uma coisa imposta de cima para baixo sem que as pessoas participassem”, observa o pesquisador.

Porém, Espírito Santo diz que não adianta dizer que a Argentina não vai fazer mais parte no Mercosul, porque isso depende do Congresso Argentino. “Até o momento, não parece que vão abrir mão do grupo”, avalia.

“Essas declarações de Milei parece ser algo mais retórico e, agora, nos próximos dias, a gente vai começar a notar se efetivamente ele vai pisar no freio ou se vai continuar no extremo.”

Mello acredita que se for pelo extremo, vai ser muito difícil Milei vencer. Agora, se começar a ser menos radical, mais ponderado e mostrar que algumas ideias serão reconsideradas, ele tem chance de assumir a presidência.

Em um cenário onde Massa é eleito, o pesquisador pondera que seria uma grande decepção e “balde de água fria” ao povo argentino, afirma Mello.

“Analisando esse cenário, independente dos vencedores, serão tempos turbulentos para a Argentina.”

·         Relação Brasil X Argentina

Com uma corrente de comércio bilateral de US$ 28,4 bilhões, a Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, segundo os dados da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil).

As exportações brasileiras, em 2022, foram da ordem de US$ 15,3 bilhões, o que fez do país o segundo maior fornecedor do mercado argentino.

A pauta exportadora brasileira é diversificada, sendo seus principais itens partes e acessórios dos veículos automotivos (11%) e veículos de passageiro (9,9%) e demais produtos da indústria de transformação (4,5%).

O mercado argentino adquire ainda maior importância por ser o principal destino de manufaturas brasileiras de alta intensidade tecnológica.

Quanto às importações, a Argentina foi, em 2022, a terceira principal origem de importações brasileiras.

Sua composição é bastante diversificada, com participação significativa de grupos de produtos de maior valor agregado, como veículos automóveis para transporte de mercadorias, veículos automóveis de passageiros e motores de pistão e suas partes, além de produtos petroquímicos e do agronegócio.

Os últimos dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, mostram que, apesar das exportações para a Argentina no mês de agosto de 2023 terem caído 8,4%, no acumulado de janeiro a agosto de 2023, em relação à igual período de 2022, as vendas para o país cresceram 19,6% e atingiram US$ 12,46 bilhões.

As importações oriundas da Argentina caíram 5,0% e chegaram US$ 8,07 bilhões.

 

Ø  Assessores de Milei admitem à equipe econômica no Brasil que dolarização vai provocar recessão

 

Assessores econômicos do candidato libertário, Javier Milei, admitiram em conversas reservadas com a equipe econômica no Brasil que a dolarização pode provocar uma recessão na Argentina, apurou a CNN.

Eles acreditam que, apesar do custo social alto, é a única maneira de combater a inflação, que pode chegar a 200% no final do ano.

Nas conversas, havia uma divisão entre os assessores do candidato, se a dolarização viria logo no início de um eventual segundo mandato ou a partir do segundo ou terceiro ano.

As autoridades brasileiras que participaram dessas conversas técnicas informais se dividem. Alguns acreditam que vai ser necessário um tratamento de choque na economia argentina, outras dizem que o país não suporta o custo social de uma recessão severa.

Uma recessão dessa magnitude poderia, na avaliação dessas fontes, provocar protestos no país vizinho e profunda instabilidade política. A Argentina tem histórico de manifestações e chegou a trocar de presidente diversas vezes no auge de uma crise nos anos 2000.

Como a Argentina não emite dólares e não possui reservas suficientes, a dolarização da economia geraria uma restrição de dinheiro em circulação, o que equivale a uma fortíssima alta de juros. O que controlaria a inflação, mas também geraria uma forte recessão.

 

Fonte: Deutsche Welle/CNN Brasil

 

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