EUA e China metem a colher na política da América
Latina
Após a custosa campanha
de Sergio Massa, Argentina tem mais um mês de instabilidade pela frente até o
2º turno. Nos bastidores, Washington e Pequim tramam seu jogo geopolítico,
alimentado à base de créditos generosos.Os países latino-americanos são cada
vez mais envolvidos nos imbróglios geopolíticos entre Pequim e Washington. Isso
ficou patente nos últimos dias, quando os Estados Unidos fecharam um acordo com
a Venezuela em que esta se declarava disposta a realizar eleições idôneas em
2024 em troca de um abrandamento das sanções americanas, introduzidas em reação
às óbvias fraudes eleitorais de 2019.
A indústria petroleira venezuelana
poderá voltar a vender no mercado mundial. O contexto é que, após a guerra da
Rússia na Ucrânia e dos recentes ataques do grupo terrorista Hamas contra
Israel, os EUA temiam uma explosão dos preços do petróleo. Portanto
fornecimentos adicionais do produto venezuelano para o Ocidente são bem-vindos.
Mesmo porque, até agora eram sobretudo os chineses a lucrarem com as
exportações de petróleo da Venezuela – baratas e, do ponto de vista americano,
ilegais.
Contudo as duas potências
mundiais estão metendo a colher também nas eleições gerais da Argentina –
embora de maneira não tão óbvia.
O resultado do primeiro
turno surpreendeu a muitos: o ministro em exercício da Economia, Sergio Massa,
obteve 36,6% dos votos, enquanto seu adversário, o libertário Javier Milei,
ficou aquém dos 30%, quando muitos esperavam – ou temiam – a vitória do
autodenominado anarcocapitalista. Ambos voltam a se enfrentar no segundo turno,
em 19 de novembro.
É espantoso Massa ter
obtido tantos votos adicionais assim, desde as primárias de agosto, quando
ainda aparecia em terceiro lugar. Pois, enquanto membro do gabinete do
presidente Alberto Fernández, ele é responsável pela catastrófica política
econômica que colocou a Argentina à beira de uma hiperinflação, como 30 anos
atrás. A cotação do dólar em relação ao peso quintuplicou.
Massa acelerou ainda mais
a inflação com presentes de campanha: semana após semana, decretou aumentos de
salários e aposentadorias, bônus únicos, alívios fiscais. Como o Estado está
falido, ele financiou a explosão de gastos imprimindo dinheiro, e no momento a
cédula argentina mais alta, de mil pesos, não vale nem um dólar.
·
Entra em cena Pequim
Entretanto o que
possibilita o programa de presentes eleitoreiros de Massa, acima de tudo, é o
fato de ele contar com respaldo do exterior. Por um lado, o Fundo Monetário
Internacional (FMI) de Washington segue concedendo crédito à Argentina, embora
o governo não cumpra nenhuma das estipulações.
E agora, de repente, a
China também entrou em cena como credora generosa. Desse modo o pleito
argentino se transformou numa queda-de-braço geopolítica entre Washington e
Pequim, com cada uma das potências tentando puxar para seu lado o país
sul-americano ou mantê-lo sob seu controle.
Ainda em fins de agosto,
após dias de negociações em Washington, Massa obteve do FMI uma parcela de
crédito de 7,5 bilhões de dólares. Na prática, porém, todo esse dinheiro não
parou nem um momento nos cofres de divisas do Banco Central argentino: Buenos
Aires o empregou para pagar os juros e amortizações que devia ao FMI.
Mas com isso o tema
inadimplência não está esgotado: o problema não foi resolvido, apenas adiado. O
cofre de divisas argentino está vazio, e em novembro – portando após a eleição
– é hora de pagar mais uma parcela da dívida. Foi quando a China se meteu na
relação entre Washington e Buenos Aires, ao oferecer-lhe um crédito de 6,5
bilhões de dólares, apenas quatro dias antes da data da eleição.
Nas quatro semanas até o
segundo turno, Sergio Massa poderá empregar esse crédito para continuar
distribuindo presentes de campanha, acionando as máquinas eleitorais dos
governadores de província peronistas e conquistando novos aliados. Para o
ministro da Economia, a inesperada benesse de Pequim poderá ser decisiva no
resultado das urnas.
Isso também aumenta a
pressão sobre Washington para continuar proporcionando crédito do FMI. Agora
que a China se apresentou como possível credor para a Argentina, é praticamente
impossível os EUA abandonarem sem luta o campo, deixando-o na mão de um
concorrente geopolítico.
Ø Eleições na Argentina: saiba como o resultado pode impactar o Brasil
O resultado da eleição do
novo presidente da Argentina pode ter reflexo direto aqui no Brasil. O ministro
da Fazenda, Fernando
Haddad, disse nesta segunda-feira (23) que acompanha as eleições na Argentina
“com interesse”.
Economistas consultados
pela CNN afirmam que os impactos no Brasil serão diferentes dependendo
vitória do candidato de extrema-direita, Javier Milei, ou do
governista Sérgio Massa.
O segundo turno das
eleições gerais é realizado 30 dias após o primeiro turno, portanto, neste ano,
está previsto para o dia 19 de novembro.
Segundo o professor e
pesquisador da Strong Business School, Pedro Mello, a declaração de Haddad de que a vitória de Milei geraria uma preocupação ao governo
brasileiro, significa que a Argentina se alinharia com um bloco contrário a
essa onda populista de alguns governos da América do Sul e América Latina.
Para Mello, se o
candidato Milei vencer, existe um grau de incerteza de como seria efetivar as
políticas baseadas em uma doutrina anarco liberal, defendidas por ele na
campanha.
Agora, se Massa vencer,
as relações econômicas e diplomáticas devem seguir aspectos mais estruturais e
fundamentais, ou seja, questões mais de Estado, e não tanto de governo, avalia
o professor.
“Em termos de governo,
evidentemente se Massa vencer, vai ser mais um apoio a esses países que seguem
políticas populistas. Esse cenário pode impactar, positivamente, o governo
brasileiro. Mas, seria ruim, numa visão de longo prazo ao Estado do Brasil.”
Já se Milei vencer, o
pesquisador pontua que se deve observar as decisões do candidato. Para ele,
alguns pontos polêmicos, como abolir o Banco Central, talvez seja um uma visão
radical.
Para o Brasil, é muito
importante manter relações econômicas com a Argentina, diz Espirito Santo. “São
laços históricos, não é um parceiro qualquer. Além disso, tem toda a questão
geográfica importante. Nesse sentindo, o Brasil não vai ser desprezado por
qualquer um dos dois candidatos.”
Na visão do
economista-chefe da Órama, Alexandre Espírito Santo, há uma tendência de o
governo brasileiro preferir a vitória do Sergio Massa.
“O que acontece é que o
Milei, nessa campanha, foi muito explícito e contrário a algumas ideias. Uma
delas foi a declaração de que tiraria a Argentina do Mercosul e, a outra, é de suspender os negócios com países que
se consideram comunistas, como o Brasil e a China.”
·
Dolarização
Com relação ao dólar,
Mello diz que é natural a Argentina, depois de tantos anos de decepção com a
moeda e com a inflação explodindo, querer adotar soluções radicais. “Mas, tem
que tomar muito cuidado”.
Um ponto de atenção seria
como a dolarização da economia argentina poderia afetar o Brasil.
“Mexer com taxa de
câmbio, moedas estrangeira, não são situações fáceis. O impacto pode ser
negativo e refletir na parceria comercial entre o Brasil e Argentina, pois
existe o fato de encontrar uma certa rigidez política, inclusive internacional,
do governo argentino”, diz Mello.
Entretanto, Espirito
Santo aponta que a Argentina já está bastante dolarizada. Ele lembra que as
grandes operações que acontecem no país são feitas em dólar.
De acordo com o
economista, historicamente, países que vão para a hiper-inflação, usam o dólar
como moeda de referência.
“Isso é natural. A
sociedade expulsa moeda ruim para buscar uma moeda alternativa”.
O que pode acontecer, na
análise de Espírito Santo, é que, em vez de dolarizar a economia, o governo
argentino poderia criar uma cesta de moeda ponderada e use isso como referência
para transações de comércio.
“Poderia, inclusive, usar
o real como uma das moedas que participaria da cesta de referência. O melhor
que pode acontecer na Argentina é um programa mais ortodoxo, mais centrado em
corte de gastos. Nesse sentido, Milei é o candidato com esse projeto de tornar
o estado argentino mais enxuto.”
·
Economia interna
Mello contextualizou que
Milei já declarou ser contra o Mercosul — um cenário onde muito argentino
concorda e critica muito o papel deste grupo.
“Há muitas dúvidas deste
mercado comum, porque não há características para isso. Foi uma coisa imposta
de cima para baixo sem que as pessoas participassem”, observa o pesquisador.
Porém, Espírito Santo diz
que não adianta dizer que a Argentina não vai fazer mais parte no Mercosul,
porque isso depende do Congresso Argentino. “Até o momento, não parece que vão
abrir mão do grupo”, avalia.
“Essas declarações de
Milei parece ser algo mais retórico e, agora, nos próximos dias, a gente vai
começar a notar se efetivamente ele vai pisar no freio ou se vai continuar no
extremo.”
Mello acredita que se for
pelo extremo, vai ser muito difícil Milei vencer. Agora, se começar a ser menos
radical, mais ponderado e mostrar que algumas ideias serão reconsideradas, ele
tem chance de assumir a presidência.
Em um cenário onde Massa
é eleito, o pesquisador pondera que seria uma grande decepção e “balde de água
fria” ao povo argentino, afirma Mello.
“Analisando esse cenário,
independente dos vencedores, serão tempos turbulentos para a Argentina.”
·
Relação Brasil X
Argentina
Com uma corrente de
comércio bilateral de US$ 28,4 bilhões, a Argentina é o terceiro maior parceiro
comercial do Brasil, segundo os dados da Agência Brasileira de Promoção de
Exportações e Investimentos (ApexBrasil).
As exportações brasileiras, em 2022, foram da ordem de US$ 15,3 bilhões, o que
fez do país o segundo maior fornecedor do mercado argentino.
A pauta exportadora
brasileira é diversificada, sendo seus principais itens partes e acessórios dos
veículos automotivos (11%) e veículos de passageiro (9,9%) e demais produtos da
indústria de transformação (4,5%).
O mercado argentino
adquire ainda maior importância por ser o principal destino de manufaturas
brasileiras de alta intensidade tecnológica.
Quanto às importações, a Argentina foi, em 2022, a terceira principal origem de importações
brasileiras.
Sua composição é bastante
diversificada, com participação significativa de grupos de produtos de maior
valor agregado, como veículos automóveis para transporte de mercadorias,
veículos automóveis de passageiros e motores de pistão e suas partes, além de
produtos petroquímicos e do agronegócio.
Os últimos dados do
Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, mostram que,
apesar das exportações para a Argentina no mês de agosto de 2023 terem caído
8,4%, no acumulado de janeiro a agosto de 2023, em relação à igual período de
2022, as vendas para o país cresceram 19,6% e atingiram US$ 12,46 bilhões.
As importações oriundas
da Argentina caíram 5,0% e chegaram US$ 8,07 bilhões.
Ø Assessores de Milei admitem à equipe econômica
no Brasil que dolarização vai provocar recessão
Assessores econômicos do
candidato libertário, Javier Milei, admitiram em conversas reservadas com a
equipe econômica no Brasil que a dolarização pode provocar uma recessão na
Argentina, apurou a CNN.
Eles acreditam que,
apesar do custo social alto, é a única maneira de combater a inflação, que pode
chegar a 200% no final do ano.
Nas conversas, havia uma
divisão entre os assessores do candidato, se a dolarização viria logo no início
de um eventual segundo mandato ou a partir do segundo ou terceiro ano.
As autoridades
brasileiras que participaram dessas conversas técnicas informais se dividem.
Alguns acreditam que vai ser necessário um tratamento de choque na economia
argentina, outras dizem que o país não suporta o custo social de uma recessão
severa.
Uma recessão dessa
magnitude poderia, na avaliação dessas fontes, provocar protestos no país
vizinho e profunda instabilidade política. A Argentina tem histórico de
manifestações e chegou a trocar de presidente diversas vezes no auge de uma
crise nos anos 2000.
Como a Argentina não
emite dólares e não possui reservas suficientes, a dolarização da economia
geraria uma restrição de dinheiro em circulação, o que equivale a uma
fortíssima alta de juros. O que controlaria a inflação, mas também geraria uma
forte recessão.
Fonte: Deutsche Welle/CNN
Brasil
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