El Niño adiou início da temporada de fogo no Cerrado e queimadas devem
aumentar no verão
Após intensificar as chuvas no Sul do Brasil, o El
Niño está adiando o começo da temporada de fogo no Cerrado, que geralmente
ocorre no inverno. Porém, o cenário pode mudar nos próximos meses. Com o
aumento das temperaturas no verão, os incêndios florestais no bioma podem se agravar
nos meses de dezembro e janeiro, quando o El Niño deve atingir seu pico.
É o que estimam pesquisadores do Centro de
Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais (CSR-UFMG), a
partir da análise das precipitações e do fogo nos últimos meses. Os cientistas
identificaram que a instabilidade atmosférica gerada pelo El Niño – fenômeno
natural de aquecimento das águas do Oceano Pacífico – provocou chuvas acima do
esperado em regiões que normalmente experimentariam um clima seco durante o inverno,
como o Centro-Oeste, reduzindo as chances de propagação do fogo no Cerrado. A
avaliação foi passada com exclusividade à Agência Pública.
Responsáveis por uma plataforma que monitora
diariamente o risco de incêndios no bioma, os pesquisadores observaram uma
diminuição na quantidade de focos de calor desde o mês de junho, época em que
os registros deveriam aumentar. A temporada de fogo ocorre naturalmente no
inverno, já que um dos principais fatores para a ocorrência de incêndios
florestais é o clima seco, que facilita a ignição da biomassa – o combustível
do fogo.
O monitoramento mostra que o total de focos de
calor em julho foi 19% inferior à média histórica para o mês, que considera
dados desde 1998, além de ser a menor quantidade de focos registrada no mês
desde 2015, ano em que também ocorreu o El Niño. Em agosto, a redução foi de
65% sobre a média, com 8.518 focos de calor.
Para os pesquisadores, o El Niño, turbinado pelo
aquecimento global, parece estar por trás dessa mudança. “O Cerrado está no
meio dos extremos do clima intensificados pelo El Niño que estamos vendo no
Brasil neste ano: seca na Amazônia e chuvas intensas no Sul. Nesse inverno,
choveu mais do que a gente esperava no Cerrado, o que pode ter feito o número
de incêndios despencar”, explica Argemiro Leite-Filho, pesquisador do CSR-UFMG.
O climatologista diz que o modelo de monitoramento
do fogo desenvolvido na UFMG é procurado por gestores e brigadistas dos parques
estaduais e unidades de conservação do Cerrado, que utilizam as estimativas de
risco de incêndio para planejar ações de prevenção. Nos últimos meses, houve
uma redução do interesse desses profissionais no modelo, porque havia menos
fogo, o que acendeu o alerta para os pesquisadores de que havia algo anormal
acontecendo.
“Neste ano, o que tem de diferente no clima é o El
Niño, que trouxe mais umidade e chuva para o Cerrado. A propagação de fogo até
o momento não ocorreu da forma que nós esperávamos, mas estamos prevendo que
essa situação piore nos próximos meses, infelizmente, com o aumento das
temperaturas que está previsto para o verão”, diz Leite-Filho.
Ubirajara Oliveira, um dos criadores do modelo de
previsão de espalhamento do fogo do CSR, explica que as condições climáticas
determinam a ocorrência de grandes incêndios, e a maioria dos focos de calor
registrados no inverno mais chuvoso não se converteu em incêndios. “O adiamento
da temporada de fogo em anos de El Niño sempre acontece em alguma escala, a
depender de sua intensidade. Mas pelo que já coletamos, a expectativa é que as
queimadas sejam mais intensas no verão do que observamos em anos anteriores em
que ocorreu o fenômeno.”
Os estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,
Goiás, Minas Gerais e Bahia tiveram chuvas de 30 a 90 milímetros acima da média
histórica no inverno. Os dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet)
para o mês de agosto chamam a atenção: Goiânia registrou uma precipitação 195%
acima do normal para o período, com 18,5 mm a mais; choveu quase três vezes a
mais do que a média histórica em Belo Horizonte; e em Brasília a chuva foi 34%
superior ao esperado.
Os termômetros no Cerrado também foram na contramão
dos recordes observados no resto do Brasil. “Em grande parte do bioma, a
temperatura ficou dentro da média nos meses de agosto e setembro, apesar de as
temperaturas estarem mais altas no resto do país. Isso também é um reflexo do
El Niño e da maior incidência de chuvas”, diz Argemiro Leite-Filho.
• Falsa
sensação de que “o pior já passou” deve se traduzir em mais fogo no verão
O fogo que deixou de se alastrar no Cerrado com
maior força no inverno, porém, deve ganhar intensidade entre os meses de
dezembro e janeiro, afirma Leite-Filho. Modelos da Administração Oceânica e
Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA) estimam que naquela época o El Niño terá
90% de chance de atingir seu ápice de aquecimento.
“Como os gestores e brigadistas esperavam que o
inverno fosse o período com maiores incêndios, e não foi, a tendência é relaxar
as medidas [de prevenção e combate]. As pessoas estão com a sensação de que o
pior já passou, mas esquecem que neste ano estamos numa situação bastante
atípica com o El Niño”, diz o climatologista.
As previsões para o verão apontam para um aumento
de temperatura nas áreas do Cerrado, aliado a temporais mais fortes e
espaçados. O pesquisador explica que os veranicos, períodos de seca prolongada
dentro da estação chuvosa, aumentam o perigo para os incêndios.
“Se teve menos fogo na época seca, agora a situação
tende a se inverter. As tempestades de verão não serão suficientes para evitar
incêndios futuros, porque como essas chuvas são muito volumosas e duram pouco
tempo, a água não consegue infiltrar no solo, criando condições propícias para
a propagação de fogo”, alerta Leite-Filho. “Esperamos até mesmo uma maior quantidade
de focos de incêndio comparado ao histórico dos anos anteriores, justamente por
causa do El Niño”.
Outro agravante é o fato de que Cerrado vem
enfrentando um aumento no desmatamento nos últimos anos, com destaque para os
primeiros meses de 2023, puxado pela expansão das fronteiras agrícolas na
região conhecida como Matopiba (entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí
e Bahia). De acordo com Ubirajara Oliveira, todo esse contexto pode piorar os
incêndios no fim do ano.
Ele acrescenta que é comum a ocorrência de raios
durante as tempestades de verão, que podem iniciar incêndios por conta da
descarga elétrica que atinge as árvores. “Quando há eventos como o El Niño, o
padrão de chuvas muda, e pode acontecer de ter muitos raios, mas a chuva não ocorrer
no local que o raio atingiu.” Segundo ele, isso pode aumentar a ocorrência dos
incêndios naturais, comuns no Cerrado, que não dependem da ação humana e são
mais difíceis de serem combatidos.
Leite-Filho relembra que as temporadas de fogo de
2010 e 2015 foram intensas no Cerrado durante o verão, anos também marcados
pela ocorrência do El Niño. “Foram os anos em que aconteceram maiores queimadas
e maior seca na Amazônia, e consequentemente, na divisa da Amazônia com o
Cerrado e na parte mais ao centro do bioma”, explica.
Para o climatologista, são positivas as iniciativas
do governo federal que se voltam para o Cerrado, como a elaboração do novo
Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no
bioma, mas, segundo ele, falta aos governos estaduais e municipais a disposição
de mobilizar esforços e criar a tradição de preocupação com o espalhamento do
fogo.
Leite-Filho defende a importância de realizar ações
que possam combater os incêndios no Cerrado, que passam por aumentar a conservação
florestal, incrementar a fiscalização sobre o uso do fogo e fortalecer as
iniciativas de monitoramento. “Não podemos baixar a guarda nesse momento,
precisamos de uma ação séria de conscientização que combata os incêndios que
virão”.
Seca
na Amazônia deve ser a pior da história e se estender até 2024
Condições climáticas muito diferentes das
observadas em outros anos estão por trás da seca extrema que castiga a região
amazônica, alertam cientistas. A seca deve atingir uma área ainda maior e pode
se prolongar até o fim do primeiro semestre de 2024, ampliando a tragédia
humana e ambiental na Amazônia, e com efeitos para o clima de outras partes do
país.
No fim de semana, o Centro de Monitoramento e
Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) chamou atenção que a estiagem poderia
bater recordes e se estender até janeiro. Agora, Gilvan Sampaio, coordenador
geral de Ciências da Terra do INPE, faz alerta similar. O especialista afirmou
n’O Globo que o El Niño tem levado a culpa sozinho, mas não é o principal responsável
neste momento, mas sim o aquecimento excepcional do Oceano Atlântico Tropical
Norte. O El Niño, porém, deve intensificar seus efeitos já na primavera.
Combinados, os efeitos dos dois fenômenos podem provocar uma seca longa e
devastadora, talvez a pior dos registros.
“Temos a pior combinação possível. Se as condições
atuais do Atlântico Tropical Norte permanecerem e o El Niño continuar a se
intensificar, esta poderá ser a pior seca da Amazônia. E o mesmo pode acontecer
no Semiárido nordestino em 2024”, enfatiza.
O aquecimento anormal do Atlântico também é
ressaltado por especialistas ouvidos pela Agência Pública. Os meses de agosto,
setembro e outubro – o chamado “verão amazônico” –, são tradicionalmente secos,
mas neste ano, de acordo com relato de cientistas que estudam a região, o
quadro ficou mais grave, e a estiagem se instalou de um modo mais rápido.
O engenheiro ambiental Ayan Fleischmann, que faz o
monitoramento dos rios no Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá,
afirma que a estiagem ainda não chegou aos recordes de 2010, mas a expectativa
é que a situação ainda piore. Isso porque, historicamente, os níveis mais
baixos ocorrem em meados de outubro. “Esperamos mais um mês de crise, pelo
menos.”
Os efeitos maléficos da estiagem extrema não param
de crescer. Já são pelo menos 170 mil amazônidas com dificuldades de acesso a
água, comida e transporte, e a expectativa é que esse número chegue a 500 mil
pessoas. Nos últimos dias, especialistas do Mamirauá constataram a morte de
pelo menos 110 botos e tucuxis no Lago Tefé, próximo a Manaus (AM). No fim de
semana, a vila de Arumã, também no Amazonas, às margens do rio Purus,
“despencou” após o fenômeno conhecido como “terras caídas”, o que matou pelo
menos duas pessoas e desalojou outras 200. E a quarta maior hidrelétrica do
país, Santo Antônio, em Rondônia, paralisou suas operações, pela baixa
histórica registrada no rio Madeira.
As causas da mortandade dos botos e do
desbarrancamento da Vila de Arumã ainda estão sendo investigadas. Mas todos os
indícios apontam para uma relação direta com a seca extrema, informam Estadão e
g1. No primeiro caso, a queda do nível da água pode ter provocado
superaquecimento do lago e matado os animais. No segundo, a estiagem parece ter
agravado um fenômeno natural na região.
O coordenador da Federação das Organizações de
Comunidades Indígenas do Médio Purus, Zé Bajaga Apurinã, explica n’O Globo que
normalmente grandes pedaços de terra despencam nas margens dos rios. Mas dessa
vez uma grande cratera se abriu de uma vez só, incluindo um pedaço mais
distante da água.
“Parece coisa de filme. A terra não despencou, mas
afundou, foi sugada. Nunca tínhamos visto uma cratera assim, até conversei com
os mais velhos e eles falaram isso. Normalmente, nos deslizamentos, caem
pedaços grandes, blocos de até 30 metros, mas no curso do rio”, ressalta o
líder indígena.
Operação
de guerra cerca invasores de Terra Indígena mais desmatada na Amazônia
O governo federal confirmou que iniciou na última
2ª feira (2/10) uma operação de grande porte para a desintrusão das Terras
Indígenas Trincheira Bacajá e Apyterewa, no sudoeste do Pará. Esta última se
notabilizou nos últimos anos como o território indígena mais desmatado da
Amazônia. Mais de 300 servidores de órgãos como FUNAI, Polícia Federal e Força
Nacional de Segurança Pública estão atuando na operação.
A retirada dos invasores vinha sendo planejada
desde o começo do ano, mas a operação estava originalmente prevista para se
iniciar na semana passada. No entanto, pressões de aliados políticos dos
invasores, inclusive no governo estadual do Pará, acabaram atrasando a ação.
De acordo com a Agência Pública, a operação é
considerada sensível por acontecer em uma região onde são comuns episódios de
ataques a fiscais do IBAMA. Politicamente, a região também é marcada pelo apoio
à política anti-indígena do ex-presidente Jair Bolsonaro, que intensificou a
presença de invasores dentro dos territórios indígenas. Estima-se que existam
cerca de mil pessoas não indígenas somente em Apyterewa, um contingente
superior ao de indígenas (730).
Como consequência da presença crescente de
invasores, a Terra Apyterewa acabou se tornando o território indígena mais
desmatado da Amazônia. De acordo com o Imazon, a Apyterewa perdeu 80 km2 de
vegetação no ano passado; nos últimos quatro anos, o desmatamento acumulado foi
de 324 km2, uma área superior à do município de Fortaleza (CE).
“A desintrusão para reintegração de posse das TI
ocorrerá de forma negociada com as famílias não indígenas que vivem lá e com
assistência do governo federal como transporte, doação de cesta básica,
cadastro para verificar se as famílias têm direito a Programa de Reforma
Agrária e orientação para inscrição no Cadastro Único para as famílias que
ainda não façam parte”, destacou a Secretaria-Geral da Presidência da
República, em nota.
Fonte: Por Gabriel Gama, da Agencia
Pública/ClimaInfo

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