quinta-feira, 5 de outubro de 2023

El Niño adiou início da temporada de fogo no Cerrado e queimadas devem aumentar no verão

Após intensificar as chuvas no Sul do Brasil, o El Niño está adiando o começo da temporada de fogo no Cerrado, que geralmente ocorre no inverno. Porém, o cenário pode mudar nos próximos meses. Com o aumento das temperaturas no verão, os incêndios florestais no bioma podem se agravar nos meses de dezembro e janeiro, quando o El Niño deve atingir seu pico.

É o que estimam pesquisadores do Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais (CSR-UFMG), a partir da análise das precipitações e do fogo nos últimos meses. Os cientistas identificaram que a instabilidade atmosférica gerada pelo El Niño – fenômeno natural de aquecimento das águas do Oceano Pacífico – provocou chuvas acima do esperado em regiões que normalmente experimentariam um clima seco durante o inverno, como o Centro-Oeste, reduzindo as chances de propagação do fogo no Cerrado. A avaliação foi passada com exclusividade à Agência Pública.

Responsáveis por uma plataforma que monitora diariamente o risco de incêndios no bioma, os pesquisadores observaram uma diminuição na quantidade de focos de calor desde o mês de junho, época em que os registros deveriam aumentar. A temporada de fogo ocorre naturalmente no inverno, já que um dos principais fatores para a ocorrência de incêndios florestais é o clima seco, que facilita a ignição da biomassa – o combustível do fogo.

O monitoramento mostra que o total de focos de calor em julho foi 19% inferior à média histórica para o mês, que considera dados desde 1998, além de ser a menor quantidade de focos registrada no mês desde 2015, ano em que também ocorreu o El Niño. Em agosto, a redução foi de 65% sobre a média, com 8.518 focos de calor.

Para os pesquisadores, o El Niño, turbinado pelo aquecimento global, parece estar por trás dessa mudança. “O Cerrado está no meio dos extremos do clima intensificados pelo El Niño que estamos vendo no Brasil neste ano: seca na Amazônia e chuvas intensas no Sul. Nesse inverno, choveu mais do que a gente esperava no Cerrado, o que pode ter feito o número de incêndios despencar”, explica Argemiro Leite-Filho, pesquisador do CSR-UFMG.

O climatologista diz que o modelo de monitoramento do fogo desenvolvido na UFMG é procurado por gestores e brigadistas dos parques estaduais e unidades de conservação do Cerrado, que utilizam as estimativas de risco de incêndio para planejar ações de prevenção. Nos últimos meses, houve uma redução do interesse desses profissionais no modelo, porque havia menos fogo, o que acendeu o alerta para os pesquisadores de que havia algo anormal acontecendo.

“Neste ano, o que tem de diferente no clima é o El Niño, que trouxe mais umidade e chuva para o Cerrado. A propagação de fogo até o momento não ocorreu da forma que nós esperávamos, mas estamos prevendo que essa situação piore nos próximos meses, infelizmente, com o aumento das temperaturas que está previsto para o verão”, diz Leite-Filho.

Ubirajara Oliveira, um dos criadores do modelo de previsão de espalhamento do fogo do CSR, explica que as condições climáticas determinam a ocorrência de grandes incêndios, e a maioria dos focos de calor registrados no inverno mais chuvoso não se converteu em incêndios. “O adiamento da temporada de fogo em anos de El Niño sempre acontece em alguma escala, a depender de sua intensidade. Mas pelo que já coletamos, a expectativa é que as queimadas sejam mais intensas no verão do que observamos em anos anteriores em que ocorreu o fenômeno.”

Os estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais e Bahia tiveram chuvas de 30 a 90 milímetros acima da média histórica no inverno. Os dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) para o mês de agosto chamam a atenção: Goiânia registrou uma precipitação 195% acima do normal para o período, com 18,5 mm a mais; choveu quase três vezes a mais do que a média histórica em Belo Horizonte; e em Brasília a chuva foi 34% superior ao esperado.

Os termômetros no Cerrado também foram na contramão dos recordes observados no resto do Brasil. “Em grande parte do bioma, a temperatura ficou dentro da média nos meses de agosto e setembro, apesar de as temperaturas estarem mais altas no resto do país. Isso também é um reflexo do El Niño e da maior incidência de chuvas”, diz Argemiro Leite-Filho.

•        Falsa sensação de que “o pior já passou” deve se traduzir em mais fogo no verão

O fogo que deixou de se alastrar no Cerrado com maior força no inverno, porém, deve ganhar intensidade entre os meses de dezembro e janeiro, afirma Leite-Filho. Modelos da Administração Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA) estimam que naquela época o El Niño terá 90% de chance de atingir seu ápice de aquecimento.

“Como os gestores e brigadistas esperavam que o inverno fosse o período com maiores incêndios, e não foi, a tendência é relaxar as medidas [de prevenção e combate]. As pessoas estão com a sensação de que o pior já passou, mas esquecem que neste ano estamos numa situação bastante atípica com o El Niño”, diz o climatologista.

As previsões para o verão apontam para um aumento de temperatura nas áreas do Cerrado, aliado a temporais mais fortes e espaçados. O pesquisador explica que os veranicos, períodos de seca prolongada dentro da estação chuvosa, aumentam o perigo para os incêndios.

“Se teve menos fogo na época seca, agora a situação tende a se inverter. As tempestades de verão não serão suficientes para evitar incêndios futuros, porque como essas chuvas são muito volumosas e duram pouco tempo, a água não consegue infiltrar no solo, criando condições propícias para a propagação de fogo”, alerta Leite-Filho. “Esperamos até mesmo uma maior quantidade de focos de incêndio comparado ao histórico dos anos anteriores, justamente por causa do El Niño”.

Outro agravante é o fato de que Cerrado vem enfrentando um aumento no desmatamento nos últimos anos, com destaque para os primeiros meses de 2023, puxado pela expansão das fronteiras agrícolas na região conhecida como Matopiba (entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). De acordo com Ubirajara Oliveira, todo esse contexto pode piorar os incêndios no fim do ano.

Ele acrescenta que é comum a ocorrência de raios durante as tempestades de verão, que podem iniciar incêndios por conta da descarga elétrica que atinge as árvores. “Quando há eventos como o El Niño, o padrão de chuvas muda, e pode acontecer de ter muitos raios, mas a chuva não ocorrer no local que o raio atingiu.” Segundo ele, isso pode aumentar a ocorrência dos incêndios naturais, comuns no Cerrado, que não dependem da ação humana e são mais difíceis de serem combatidos.

Leite-Filho relembra que as temporadas de fogo de 2010 e 2015 foram intensas no Cerrado durante o verão, anos também marcados pela ocorrência do El Niño. “Foram os anos em que aconteceram maiores queimadas e maior seca na Amazônia, e consequentemente, na divisa da Amazônia com o Cerrado e na parte mais ao centro do bioma”, explica.

Para o climatologista, são positivas as iniciativas do governo federal que se voltam para o Cerrado, como a elaboração do novo Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no bioma, mas, segundo ele, falta aos governos estaduais e municipais a disposição de mobilizar esforços e criar a tradição de preocupação com o espalhamento do fogo.

Leite-Filho defende a importância de realizar ações que possam combater os incêndios no Cerrado, que passam por aumentar a conservação florestal, incrementar a fiscalização sobre o uso do fogo e fortalecer as iniciativas de monitoramento. “Não podemos baixar a guarda nesse momento, precisamos de uma ação séria de conscientização que combata os incêndios que virão”.

 

       Seca na Amazônia deve ser a pior da história e se estender até 2024

 

Condições climáticas muito diferentes das observadas em outros anos estão por trás da seca extrema que castiga a região amazônica, alertam cientistas. A seca deve atingir uma área ainda maior e pode se prolongar até o fim do primeiro semestre de 2024, ampliando a tragédia humana e ambiental na Amazônia, e com efeitos para o clima de outras partes do país.

No fim de semana, o Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) chamou atenção que a estiagem poderia bater recordes e se estender até janeiro. Agora, Gilvan Sampaio, coordenador geral de Ciências da Terra do INPE, faz alerta similar. O especialista afirmou n’O Globo que o El Niño tem levado a culpa sozinho, mas não é o principal responsável neste momento, mas sim o aquecimento excepcional do Oceano Atlântico Tropical Norte. O El Niño, porém, deve intensificar seus efeitos já na primavera. Combinados, os efeitos dos dois fenômenos podem provocar uma seca longa e devastadora, talvez a pior dos registros.

“Temos a pior combinação possível. Se as condições atuais do Atlântico Tropical Norte permanecerem e o El Niño continuar a se intensificar, esta poderá ser a pior seca da Amazônia. E o mesmo pode acontecer no Semiárido nordestino em 2024”, enfatiza.

O aquecimento anormal do Atlântico também é ressaltado por especialistas ouvidos pela Agência Pública. Os meses de agosto, setembro e outubro – o chamado “verão amazônico” –, são tradicionalmente secos, mas neste ano, de acordo com relato de cientistas que estudam a região, o quadro ficou mais grave, e a estiagem se instalou de um modo mais rápido.

O engenheiro ambiental Ayan Fleischmann, que faz o monitoramento dos rios no Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, afirma que a estiagem ainda não chegou aos recordes de 2010, mas a expectativa é que a situação ainda piore. Isso porque, historicamente, os níveis mais baixos ocorrem em meados de outubro. “Esperamos mais um mês de crise, pelo menos.”

Os efeitos maléficos da estiagem extrema não param de crescer. Já são pelo menos 170 mil amazônidas com dificuldades de acesso a água, comida e transporte, e a expectativa é que esse número chegue a 500 mil pessoas. Nos últimos dias, especialistas do Mamirauá constataram a morte de pelo menos 110 botos e tucuxis no Lago Tefé, próximo a Manaus (AM). No fim de semana, a vila de Arumã, também no Amazonas, às margens do rio Purus, “despencou” após o fenômeno conhecido como “terras caídas”, o que matou pelo menos duas pessoas e desalojou outras 200. E a quarta maior hidrelétrica do país, Santo Antônio, em Rondônia, paralisou suas operações, pela baixa histórica registrada no rio Madeira.

As causas da mortandade dos botos e do desbarrancamento da Vila de Arumã ainda estão sendo investigadas. Mas todos os indícios apontam para uma relação direta com a seca extrema, informam Estadão e g1. No primeiro caso, a queda do nível da água pode ter provocado superaquecimento do lago e matado os animais. No segundo, a estiagem parece ter agravado um fenômeno natural na região.

O coordenador da Federação das Organizações de Comunidades Indígenas do Médio Purus, Zé Bajaga Apurinã, explica n’O Globo que normalmente grandes pedaços de terra despencam nas margens dos rios. Mas dessa vez uma grande cratera se abriu de uma vez só, incluindo um pedaço mais distante da água.

“Parece coisa de filme. A terra não despencou, mas afundou, foi sugada. Nunca tínhamos visto uma cratera assim, até conversei com os mais velhos e eles falaram isso. Normalmente, nos deslizamentos, caem pedaços grandes, blocos de até 30 metros, mas no curso do rio”, ressalta o líder indígena.

 

       Operação de guerra cerca invasores de Terra Indígena mais desmatada na Amazônia

 

O governo federal confirmou que iniciou na última 2ª feira (2/10) uma operação de grande porte para a desintrusão das Terras Indígenas Trincheira Bacajá e Apyterewa, no sudoeste do Pará. Esta última se notabilizou nos últimos anos como o território indígena mais desmatado da Amazônia. Mais de 300 servidores de órgãos como FUNAI, Polícia Federal e Força Nacional de Segurança Pública estão atuando na operação.

A retirada dos invasores vinha sendo planejada desde o começo do ano, mas a operação estava originalmente prevista para se iniciar na semana passada. No entanto, pressões de aliados políticos dos invasores, inclusive no governo estadual do Pará, acabaram atrasando a ação.

De acordo com a Agência Pública, a operação é considerada sensível por acontecer em uma região onde são comuns episódios de ataques a fiscais do IBAMA. Politicamente, a região também é marcada pelo apoio à política anti-indígena do ex-presidente Jair Bolsonaro, que intensificou a presença de invasores dentro dos territórios indígenas. Estima-se que existam cerca de mil pessoas não indígenas somente em Apyterewa, um contingente superior ao de indígenas (730).

Como consequência da presença crescente de invasores, a Terra Apyterewa acabou se tornando o território indígena mais desmatado da Amazônia. De acordo com o Imazon, a Apyterewa perdeu 80 km2 de vegetação no ano passado; nos últimos quatro anos, o desmatamento acumulado foi de 324 km2, uma área superior à do município de Fortaleza (CE).

“A desintrusão para reintegração de posse das TI ocorrerá de forma negociada com as famílias não indígenas que vivem lá e com assistência do governo federal como transporte, doação de cesta básica, cadastro para verificar se as famílias têm direito a Programa de Reforma Agrária e orientação para inscrição no Cadastro Único para as famílias que ainda não façam parte”, destacou a Secretaria-Geral da Presidência da República, em nota.

 

Fonte: Por Gabriel Gama, da Agencia Pública/ClimaInfo

 

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