Divórcio no Brasil: da impossibilidade à rapidez e festa
Em cartaz nos cinemas brasileiros, o filme Ângela
trouxe um lembrete à tona: até bem pouco tempo atrás, era extremamente difícil
para uma mulher separar-se de seu marido. Essa foi uma das violências sofridas
pela protagonista da história, a socialite Ângela Diniz: seu assassinato pelo
então companheiro em 1976, aos 32 anos, desencadeou uma série de protestos
feministas.
Aprovada no ano seguinte, a Lei do Divórcio nasceu
nessa esteira. Finalmente estava feito o arcabouço legal para conferir direitos
a casais que optassem pela dissolução do casamento no Brasil. Antes, na
história da República, havia a previsão da "separação de corpos",
desde 1890 – apenas para causas consideradas aceitáveis, como adultério ou
injúria grave –, e o desquite, desde 1916 – também com justificativas e
mantendo o vínculo matrimonial.
Para especialistas, a instituição do divórcio pode
ser vista como uma conquista feminina. "É uma pauta feminista porque tira
aquela mulher da dependência do homem, dá autonomia para que reconstrua sua
vida, já que as legislações todas subjugavam a mulher ao homem depois de
casada, criando uma dependência para essencialmente tudo. O divórcio emancipa a
mulher, que volta a ter domínio sobre o corpo e as decisões", analisa a
historiadora Maíra Rosin, pesquisadora na Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp).
"Os casamentos sempre foram sustentados por
uma resignação histórica das mulheres: casou, tinha de aguentar até o
fim", comenta o jurista Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto
Brasileiro de Direito de Família. Ele aponta o movimento feminista como um dos
responsáveis para que "as mulheres, como sujeitos desejantes, passassem a
se entender como sujeito de direitos e desejos". "E isso mudou o rumo
da história dos casamentos no mundo todo, com a quebra da estrutura patriarcal
hierarquizada."
"Posso afirmar, em 40 anos de advocacia de
família, que a maioria da iniciativa dos divórcios é por parte da mulher",
acrescenta. Vale ressaltar que o primeiro divórcio do Brasil, em 1977, partiu
da vontade de uma mulher, a juíza de paz Arethuza de Aguiar, então com 38 anos,
dois dias após a lei ter sido sancionada.
Mas se antes era preciso recorrer à Justiça, mesmo
para casos consensuais, desde 2007 houve uma simplificação: divórcios amigáveis
passaram a ser concedidos por via administrativa, ou seja, apenas com os dois
comparecendo a um tabelionato de notas e apresentando o pedido.
• Agilidade
bem-vinda
"A chamada 'fuga do poder judiciário' é uma
tendência moderna, que busca ao máximo evitar os conhecidos percalços de se
recorrer à estrutura estatal", contextualiza o advogado Marco Antonio dos
Anjos, colaborador do grupo Direito Privado Europeu da Universidade de
Compostela, na Espanha. Ele cita exemplos de outros países que admitem prática
semelhante, como Portugal, Espanha e Itália, onde divórcios podem ser
oficializados por via administrativa também em órgãos notariais.
"Entretanto, na Argentina, país vizinho que
tem um Código Civil mais recente [2016] que o brasileiro, o divórcio deve ser
judicial. Talvez isso ocorra porque exista a compreensão de que se trata da
maneira mais adequada de o Estado acompanhar os efeitos do fim da relação
conjugal", compara o juiz de direito Fábio Calheiros do Nascimento,
professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie Alphaville.
Dos Anjos avalia que a implementação do divórcio
extrajudicial no Brasil tornou o processo "mais rápido e mais
barato", facilitando "o exercício de direitos". De acordo com
dados levantados pelo Colégio Notarial do Brasil (CNB), de lá para cá mais de 1
milhão de divórcios já foram concedidos dessa forma: 255 mil em São Paulo, 113
mil no Paraná e 98 mil em Minas Gerais. Importante frisar: essa modalidade só
funciona para casais sem filhos e que desejam fazer o trâmite de modo
consensual.
Segundo o vice-presidente da seção paulista do CNB,
Andrey Guimarães Duarte, o maior ganho para o cidadão está na agilidade. Um
processo judicial atualmente leva uma média de dois anos, conforme dados do
CNJ, enquanto no administrativo, "com todos os documentos em mãos, o casal
pode sair com o divórcio no mesmo dia", compara.
Os custos obedecem a tabelas estaduais. No caso de
São Paulo, um divórcio extrajudicial custa R$ 548,68. Caso haja bens a
partilhar, o valor muda e segue uma faixa de valores. "Tomemos como
exemplo uma partilha de imóvel de R$ 500 mil. Nesse caso, a escritura pública
de divórcio sairá pelo valor de R$ 4.839,75", calcula Duarte.
Já os custos judiciais podem variar muito. Conforme
juristas ouvidos pela reportagem, dificilmente sai por menos de R$ 4,5 mil. Dos
Anjos estima que, no total, considerando todas as taxas, a via administrativa
representa uma economia de pelo menos 50% para o casal.
Há também benefício aos cofres públicos: em média,
um divórcio pela via judicial acaba custando ao país R$ 1.676, de acordo com
números do Conselho Nacional de Justiça. Isso significa que a via
administrativa já representa uma economia pública na casa de R$ 1,7 bilhão.
• Mudanças
recentes no direito conjugal
Nos últimos anos, algumas medidas facilitaram ainda
mais o divórcio no Brasil. Em 2010 começou a vigorar uma emenda constitucional
que retirou os prazos para a dissolução – antes era preciso comprovar a
separação de pelo menos um ano. Já no primeiro ano da medida, os divórcios
extrajudiciais no Brasil aumentaram de quase 38 mil em 2009 para mais de 63 mil
em 2010.
Como lembra Cunha, essa emenda também trouxe outros
avanços: "Sepultou de vez a discussão de culpa. Não existe mais,
juridicamente, um culpado pelo fim do casamento. Ambos são responsáveis pelo
fim do amor. Em outras palavras, trocamos o discurso da culpa pelo da
responsabilidade. E o Estado não mais interfere na vida privada."
"Isso foi um grande avanço, pois um dos
motivos da demora dos processos de divórcio é que se ficava anos e anos
discutindo quem era o culpado pelo fim do casamento. E esse era um dos maiores
sinais de atraso do ordenamento jurídico brasileiro, algo que a Alemanha, por
exemplo, já tinha abolido há muitos anos." Especialista em direito de
família, o advogado Benito Conde ressalta que a questão da motivação ainda é
levada em conta nos Estados Unidos, por exemplo, "o que pode causar
entraves e dificultar" o processo.
Outra inovação recente resultou das necessidades
impostas pela pandemia de covid-19, mas acabou incorporada ao sistema: desde
2020 os cartórios de notas foram autorizados a realizar divórcios de forma
online. Uma das primeiras a se beneficiar desse formato foi a analista de comércio
exterior Nair Castilho. Casada no Brasil e morando na Irlanda, ela precisaria
viajar ao país para formalizar seu divórcio. Foi quando soube que o divórcio
online fora aprovado.
"Marcamos a data e, em agosto de 2020, o
cartório em São Bernardo, nossa advogada em Santos, eu em Limerick e meu marido
em Dublin participamos de uma videochamada e oficializamos o divórcio direto
consensual. A facilidade de fazer tudo online ajudou em vários aspectos,
especialmente naquele momento caótico em que estávamos."
• Divórcio
tem boa aceitação no Brasil
O advogado Conde cita uma pesquisa realizada pela
Universidade de Granada, Espanha, de que constou que o Brasil é o país em que
melhor se aceita o divórcio, considerando 35 nações analisadas. "O
amadurecimento da população com relação ao tema contribuiu de forma
significativa para tornar o país um dos menos burocráticos quando o assunto é a
extinção da relação conjugal."
Divorciada em 2009 depois de um casamento de quatro
anos, a empresária Meg Sousa é a prova dessa maturidade. No processo de sua
separação, decidiu fazer uma festa para "finalizar um ciclo que,
normalmente, é doloroso" com "criatividade e leveza".
Passou a ser procurada por outras que queriam
também uma festa de divórcio. E fez da ideia um negócio. "O mais
interessante é que a maioria dos meus clientes são mulheres", comenta
Sousa, ressaltando que acha "importante quebrar o paradigma de que todo
término de casamento precisa ser triste e sofrido".
Fonte: Deutsche Welle
Nenhum comentário:
Postar um comentário