Das palafitas ao centro de treinamento do tráfico, saiba como a Maré se
transformou num desafio à segurança pública do Rio
Cercada pelas mais importantes vias expressas do
Rio, o Complexo da Maré se tornou ao longo dos anos um território quase que
inexpugnável. Em 2014, o governo do Rio pediu ajuda ao Exército para ocupar as
16 favelas, o que seria o pontapé para a instalação de Unidades de Polícia
Pacificadora (UPPs). Um ano e três meses depois, os militares deixaram a
comunidade, que retomou a rotina de antes: bandidos fortemente armados no
controle de áreas onde o poder público não chega. As imagens de um centro de
treinamento do tráfico, divulgadas semana passada pelo Fantástico, da TV Globo,
franquearam essa realidade de anos.
A cena de bandidos tendo aulas de guerra levou o
governo federal a oferecer o apoio da Força Nacional, que ficará nos arredores
do complexo controlado por três grupos criminosos. Lá, a maior facção do Rio
comanda duas comunidades: a Nova Holanda e o Parque União. A Vila do João —
onde fica o centro de treinamento no espaço com piscina que deveria ser uma
área de lazer pública — está sob o controle de um grupo de traficantes rival,
que também domina outras favelas. Até a milícia tem sua fatia: a Roquete Pinto
e o Piscinão de Ramos.
— Essas imagens, inclusive para nós, gestores, têm
um tom de libertação. Porque, infelizmente, tem parte da sociedade que coloca
traficante como bonzinho, vítima da sociedade. E essas imagens mostram o
contrário: são criminosos de altíssima periculosidade, que não têm a menor pena
de usar criança como escudo, de usar equipamento público da comunidade para
fins de treinamento quase militar — disse o governador Cláudio Castro na última
sexta-feira, após reunião da cúpula de segurança com o secretário-executivo do
Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli.
Castro afirmou ainda que a Maré se tornou abrigo
para traficantes de outras favelas. Até chefes de quadrilhas de outros estados
foram presos no complexo, onde está instalado um batalhão da PM. E não é só o
tráfico que move as quadrilhas que dominam a região. Em julho, uma operação das
polícias Civil e Militar no conjunto apreendeu 25 carros roubados, entre eles
um Porsche avaliado em R$ 479 mil. Um dos veículos usava uma placa com o nome
de uma facção.
No meio dessa guerra que se arrasta, estão 140 mil
moradores e dezenas de escolas, que funcionam quando não tem tiroteios.
Pesquisa divulgada recentemente pela ONG Redes da Maré mostrou o impacto da
violência na vida das crianças de até 6 anos, que já reconhecem até o barulho
do motor do veículo blindado da polícia.
Agora, o governo do Rio planeja conter a violência
na comunidade com inteligência: o uso de drones e câmeras de reconhecimento
facial. Uma outra meta é levar para a cadeia os 1.125 suspeitos identificados
durante a investigação da Polícia Civil sobre o centro de treinamento.
• A
origem
Os primeiros moradores chegaram à região, às
margens da Baía de Guanabara, na década de 1940. No início, as casas eram de
palafita e sofriam impactos conforme as variações da maré. Isso explica a
origem do nome da comunidade. Aos poucos, a área foi sendo aterrada, e a população
foi crescendo com a chegada de mais migrantes, principalmente oriundos do
Nordeste. No início da década de 80, moradores foram removidos para novos
conjuntos habitacionais (Vila do João, Vila do Pinheiro, Conjunto Pinheiro e
Conjunto Esperança), agora considerados favelas do complexo.
A Maré foi transformada em bairro por meio de
decreto do prefeito Cesar Maia, em 1994. Hoje o conglomerado, que se estende da
Avenida Brasil até a Linha Vermelha, pelos dois lados da Linha Amarela, está no
caminho de quem segue do Centro para a Baixada Fluminense, a Região Serrana, a
Costa Verde, São Paulo e o Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Galeão.
Secretário
do Ministério da Justiça diz que ações no Rio não terão pirotecnia; um plano
nacional será anunciado segunda-feira
Após reunião com o governador do Rio, Cláudio
Castro, o secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública,
Ricardo Cappelli, que anunciou que o ministro da Justiça, Flávio Dino, llançará
o Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas na
segunda-feira. Cappelli também afirmou que as ações no Rio não terão
pirotecnia. O encontro, realizado na manhã desta sexta-feira, teve o objetivo
de tratar da segurança pública do estado. A decisão por uma integração das
forças estaduais e federais foi tomada após a divulgação de uma investigação da
Polícia Civil que revela o treinamento de traficantes no Complexo da Maré, na
Zona Norte da capital fluminense.
Segundo o secretário, a determinação é apoiar o
Governo do Estado do Rio naquilo que julgar necessário e adequado, em apoio
harmônico e integrado:
— O poder público precisa estar mais unido porque
esse é um problema não só do Rio de Janeiro — explica Cappelli, que continua: —
Aquelas imagens são inaceitáveis. Treinamento de guerrilha urbana à luz do dia,
criminosos andando com fuzis .50 à luz do dia, isso não é aceitável em nenhum
lugar do mundo. Vamos atuar com inteligência, com proporcionalidade,
respeitando a APDF (635), sem nenhuma ação pirotécnica ou espetacular.
Inteligência, mínimo de efeito colateral possível
Cappelli afirmou, ainda, que os governos devem
“afinar os ponteiros ao longo dos próximos dias” e que a ação deve ocorrer de
“forma cirúrgica, com o mínimo de efeito colateral possível”, sem "gerar
espetáculo".
O mais importante é atuar com inteligência, de
forma cirúrgica, com o mínimo de efeito colateral possível. Trabalho que não é
para gerar espetáculo — Ricardo Cappelli, secretário-executivo do Ministério da
Justiça
Após a reunião, que durou cerca de uma hora, o
governador Cláudio Castro agradeceu à integração das polícias — a qual definiu
como “ímpar”, não só no Estado do Rio, mas nacionalmente.
— Os estados não são ilhas e a gente precisa ter
uma segurança pública colaborativa. O secretário Ricardo Cappelli está sendo
uma peça fundamental, um amigo que a gente tem encontrado nesse tempo.
Sobre o treinamento na Maré, Castro disse que as
imagens são um “avanço” para a sociedade entender o tamanho do desafio da
segurança pública:
— A dificuldade e a complexidade do que é fazer
segurança pública. Essas imagens, inclusive para nós, gestores, têm um tom de
libertação. Porque, infelizmente, tem parte da sociedade que coloca traficante
como bonzinho, vítima da sociedade. E essas imagens mostram o contrário: são
criminosos de altíssima periculosidade, que não têm a menor pena de usar
criança como escudo, de usar equipamento público da comunidade para fins de
treinamento quase militar.
• Castro
se reuniu com cúpula na quinta-feira
Nesta quinta-feira, o governador Cláudio Castro
compartilhou uma foto nas redes sociais ao lado da cúpula da segurança pública
fluminense, "definir os principais pontos" a serem tratados no
encontro.
A reunião acontece na mesma semana que investigação
da Polícia Civil foi divulgada, revelando que traficantes recebem treinamento
no Complexo da Maré, na Zona Norte da Capital.
Ao longo da semana, o governo federal anunciou que
oferecerá o envio de homens da Força Nacional de Segurança para combater o
tráfico no conjunto de favelas. Também é possível o acionamento da Marinha do
Brasil, já que a localidade está às margens da Baía de Guanabara, conforme
divulgou o blog do jornalista Bernardo Mello Franco.
Outra medida do pacote de segurança é que a Polícia
Rodoviária Federal passe a fazer patrulhamento ostensivo, numa tentativa de
coibir arrastões e roubos de cargas, conforme também noticiou o colunista
Bernardo Mello Franco. A medida é uma determinação do ministro Flávio Dino,
após um ônibus da linha 771 (Campo Grande—Coelho Neto) ter sido alvejado com um
explosivo, deixando três pessoas feridas.
• Centro
de treinamento na Maré
O levantamento da polícia Civil, que durou dois
anos, é o maior já feito sobre a atuação dos dois grupos criminosos — tráfico e
milícia — que disputam o controle de territórios na região. Os investigadores
fizeram centenas de horas de imagens usando drones. Em uma das sequências, é
possível ver dois instrutores ensinando grupos de 15 a 20 homens armados com
fuzis táticas para atacar e se defender com uso de armamento pesado.
Os exercícios de guerra acontecem em uma área que
poderia servir de lazer para a comunidade, em uma quadra de futebol com
piscina, ao lado de uma creche e de cinco escolas municipais, mas são de uso
exclusivo dos criminosos.
O espaço de treinamento fica às margens da Baía de
Guanabara e a poucos metros das três principais vias expressas que cortam a
cidade: a Avenida Brasil, a Linha Amarela e a Linha Vermelha, caminho para o
aeroporto internacional do Galeão, para Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), e onde também há um batalhão da Polícia Militar.
• Bomba
em ônibus
O ataque ocorreu por volta das 21h da última
quarta-feira. De acordo com a Polícia Militar, uma equipe do Batalhão de
Policiamento em Vias Especiais (BPVE) foi acionada para o trecho em que o
ônibus estava, na pista sentido Zona Oeste, altura da comunidade Joana D'Arc. A
corporação informou que bandidos tentavam atear fogo no coletivo e acabaram
lançando um explosivo artesanal contra o veículo.
A situação foi definida pelo motorista do coletivo
como uma "cena de guerra". Cercado por 10 criminosos, o rodoviário
falou que ainda teve um revólver colocado em sua cabeça. Depois de invadir o
coletivo e roubar os passageiros, um dos integrantes do grupo arremessou um
explosivo no ônibus.
— Eu só escutei o estrondo nas minhas costas. Meu
Deus! Fiquei sem saber o que fazer. Sem saber como agir. Você fica paralisado,
traumatizado com o que está acontecendo. Muitas pessoas gritando dentro do
carro, chorando, gente ferida — descreveu o motorista.
Os três feridos foram encaminhados para o Hospital
Municipal Albert Schweitzer, em Realengo, na Zona Oeste. Na madrugada de
quinta-feira, Elaine Ivo, de 35 anos, teve alta, mas foi para casa se queixando
das dores causadas por queimaduras. Já Eduardo Pontes, de 61 anos, e Luís
Silva, 65, permaneciam internados.
• Governo
federal já atuou pelo menos 11 vezes, desde 1992, na segurança pública do Rio
São três décadas de trabalhos conjuntos e pontuais,
com acertos e fracassos. A primeira vez que forças federais atuaram na
segurança do Rio foi em junho de 1992 durante a Conferência Mundial do Meio
Ambiente, a Rio 92. O então presidente Fernando Collor assinou uma Garantia da
lei e da ordem (GLO), para enviar tropas para a capital.
Militares e tanques permaneceram em pontos
estratégicos, especialmente no caminho onde passavam as delegações
estrangeiras. A Rocinha e o Vidigal foram ocupados. Dois anos depois, em novembro
de 1994, os militares estiveram em praticamente todos os pontos de votação para
garantir o bom andamento das eleições Meses antes, as eleições para deputados
federais e estaduais tinham sido anuladas por fraude. Nesse mesmo ano,
militares ocuparam favelas como o Borel.
No topo do morro, retiraram uma cruz supostamente
colocada por uma quadrilha e hastearam no lugar uma bandeira do Brasil. Mais
tarde, se descobriu que a cruz havia sido colocada ali por religiosos. Em 1995,
o exército foi novamente acionado. Desta vez para conter uma onda de
sequestros. Durante o Carnaval de 2003, o exército voltou a capital. Blindados
e militares dividiram as ruas com os foliões.
O período foi marcado pela morte do professor de
inglês Frederico Branco de Farias. Na época, a família disse que ele não viu a
ordem de parar durante uma blitz e acabou fuzilado. Em 2007, a vinda ao Rio,
que seria para dar suporte aos Jogos Pan-Americanos, foi antecipada por causa
de uma sequência de atos violentos. Os soldados da força nacional ficaram
alojados em dormitórios super lotados, sem cama e nem colchões.
Em 2008, o exército ocupou o Morro da Providência,
no Centro. O resultado foi uma tragédia: um grupo de militares deteve três
jovens entre 17 e 24 anos. No lugar de prendê-los, entregou os rapazes para
traficantes de uma facção rival. Os corpos foram encontrados com dezenas de
perfurações. 2010 foi um ano emblemático, com destaque para as tropas militares
na ocupação dos Complexos do Alemão e da Penha. A ação durou dois anos.
As forças armadas sempre estiveram presentes para
dar segurança aos períodos eleitorais e em grandes eventos, como na Jornada
Mundial da Juventude, em 2013, e na Copa do Mundo, em 2014. Nesse mesmo ano, as
forças armadas ocuparam o Complexo da Maré. Houve resistência por parte dos
bandidos e os tiroteios não cessaram. A ação durou um ano e três meses. Vinte e
sete militares ficaram feridos em confrontos. Nove pessoas morreram, entre elas
um sargento. Foi a primeira morte de um militar durante um processo de pacificação.
Houve 674 prisões e 255 apreensões de menores.
2016, ano das Olimpíadas do Rio, e mais uma vez os homens da força nacional se
queixaram dos alojamentos precários. Em julho de 2017, o governo federal deu
início a mais uma ação. Em 2018, veio a intervenção federal na segurança
pública do Estado. Foram quase onze meses de forças armadas nas ruas. O combate
ao roubo de cargas foi uma das prioridades. O índice caiu em 20%.A primeira vez
que forças federais atuaram na segurança do Rio foi em junho de 1992 durante a
Conferência Mundial do Meio Ambiente, a Rio 92. À época, O então presidente
Fernando Collor assinou uma Garantia da lei e da ordem (GLO), para enviar
tropas para a capital. Militares e tanques permaneceram em pontos estratégicos,
especialmente no caminho onde passavam as delegações estrangeiras. A Rocinha e
o Vidigal foram ocupados.
>>>>Relembre:
1994:
• Militares
estiveram em praticamente todos os pontos de votação para garantir o bom
andamento das eleições.
• Meses
antes, as eleições para deputados federais e estaduais tinham sido anuladas por
fraude.
• Nesse
ano, militares ocuparam favelas. Uma delas foi o Borel, na Tijuca, onde foi
retirada uma cruz, supostamente colocada por uma quadrilha. No lugar, foi
hasteada uma bandeira do Brasil. Mais tarde, se descobriu que a cruz havia sido
colocada ali por religiosos.
1995:
• O
exército foi novamente acionado.
• Desta
vez, para conter uma onda de sequestros.
2003:
• Durante
o carnaval, o Exército voltou à capital fluminense.
• Blindados
e militares dividiram as ruas com os foliões.
• O
período foi marcado pela morte do professor de inglês Frederico Branco de
Farias. Na época, a família disse que ele não viu a ordem de parar durante uma
blitz e acabou fuzilado.
2007:
• Nesse
ano, a vinda ao Rio, que seria para dar suporte aos Jogos Pan-Americanos, foi
antecipada por causa de uma sequência de atos violentos.
• Os
soldados da Força Nacional ficaram alojados em dormitórios super lotados, sem
cama e nem colchões.
2008:
• O
Exército ocupou o Morro da Providência, no Centro.
• O
resultado foi uma tragédia: um grupo de militares deteve três jovens entre 17 e
24 anos. Em vez de prendê-los, entregou os rapazes para traficantes de uma
facção rival.
• Os
corpos foram encontrados com dezenas de perfurações.
2010:
• Ano
emblemático, com destaque para as tropas militares na ocupação dos Complexos do
Alemão e da Penha.
• A
ação durou dois anos.
2013 e 2014:
• As
Forças Armadas sempre estiveram presentes para dar segurança aos períodos
eleitorais e em grandes eventos, como na Jornada Mundial da Juventude, em 2013,
e na Copa do Mundo, em 2014.
• Nesse
período, as Forças Armadas ocuparam o Complexo da Maré.
• Houve
resistência por parte dos bandidos, e os tiroteios não cessaram.
• A
ação durou um ano e três meses.
• Vinte
e sete militares ficaram feridos em confrontos. Nove pessoas morreram, entre
elas um sargento. Foi a primeira morte de um militar durante um processo de
pacificação.
• Houve
674 prisões e 255 apreensões de menores.
2016:
• A
convocação foi devido às Olimpíadas do Rio.
• Mais
uma vez os homens da Força Nacional se queixaram dos alojamentos precários.
2017 e 2018:
• Em
julho de 2017, o governo federal deu início a mais uma ação.
• Já no
ano seguinte, a intervenção federal na segurança pública do Estado.
• Foram
quase onze meses de forças armadas nas ruas. O combate ao roubo de cargas foi
uma das prioridades. O índice caiu em 20%.
Fonte: Extra
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