Bolsonaro defendeu publicamente as atividades das
milícias, que sempre tocaram o terror no Rio
Responsáveis por conduzir
uma onda de caos e terror no Rio de Janeiro desde ontem (23), os milicianos já
foram defendidos por Jair Bolsonaro (PL) em uma participação ao vivo no
programa Pânico, da emissora Jovem Pan.
O ex-ocupante do Planalto
chegou a dizer que "não tem violência" nas regiões controladas por
esse grupo de criminosos no Rio de Janeiro, e que "existem pessoas
favoráveis" à existência dos milicianos por isso.
"Olha só, milícia,
você tem que pensar. Tem gente que é favorável à milícia, porque é a maneira
que eles têm de se ver livre da violência. Naquela região onde a milícia é
paga, não tem violência. Não é só na região não. Você vai por exemplo, em
Madureira, naquele centro, que tem muito comércio, pequenos shoppings, ali.
Quem paga, em média, 50 merréis por mês, para alguém daquela área, não tem
arrastão no shopping dele", declarou Bolsonaro.
Vale lembrar que, nas
últimas 24 horas, 35 ônibus e um trem já foram queimados por milicianos em
retaliação à morte de um deles na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Matheus da
Silva Rezende, o "Teteu", era apontado como o número 2 na hierarquia
da milícia comandada pelo tio, o "Zinho", e foi morto durante uma
troca de tiros com a Polícia Civil.
• PT culpa “milícia bolsonarista” por ataques no Rio de Janeiro
O PT afirmou nesta
terça-feira (24/10) que os ataques a ônibus no Rio de Janeiro são obra da
“milícia bolsonarista”. A declaração foi feita em nota no site oficial do
Partido dos Trabalhadores. A sigla lista 4 motivos que ligariam a família de
Jair Bolsonaro (PL) às milícias cariocas, mas não exemplifica se há realmente
conexão entre o clã e o crime organizado.
Os pontos apresentados
são em resposta a uma postagem do senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) no
X, ex-Twitter, que pergunta se o PT “vai passar pano” para o “Hamas
brasileiro”. O PT afirma que a postagem é sem pé, nem cabeça e responde que o
governo Bolsonaro, o qual Mourão fez parte, é responsável pelo crescimento das
milícias.
“Foi o governo Bolsonaro
que facilitou o acesso a armas de fogo, que acabaram nas mãos de milicianos e
do crime organizado de maneira geral. […] As milícias cariocas cresceram em
força, poder e armas durante o governo Bolsonaro e também durante a intervenção
federal no Rio, em 2018, comandada pelo general Braga Netto, candidato a vice
na chapa de Bolsonaro em 2022.” – diz a nota do PT.
A nota também diz que
“foram os filhos de Jair Bolsonaro que por diversas vezes homenagearam e até
empregaram pessoas ligadas a essas milícias. Flávio Bolsonaro, por exemplo,
empregava em seu gabinete na Alerj a esposa de Adriano da Nóbrega, chefe do
chamado ‘Escritório do Crime’, morto em 2019”.
Ontem (23), um trem e 35
ônibus foram queimados após a morte do miliciano Faustão. Segundo a Polícia
Civil do Rio de Janeiro, ele era o segundo na hierarquia da milícia que atua na
favela de Santa Cruz.
Em 40 anos, milícia mudou de cara e se aliou ao tráfico;
entenda o vaivém do crime organizado no RJ
A milícia que incendiou
35 ônibus e um vagão de trem em represália à morte de um de seus chefes é bem
diferente da que surgiu há 40 anos.
O primeiro grupo
paramilitar se formou em Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, no
fim dos anos 80. Carregava o mote de “proteger” o cidadão da ofensiva do
tráfico de drogas — tanto que o consumo de entorpecentes era proibido. Mais a
oeste, nascia na década de 2000 a Liga da Justiça, em moldes semelhantes aos de
Rio das Pedras.
Hoje, ex-rivais são
aliados e impõem narcomilícias em diferentes regiões. As parcerias também visam
à disputa de territórios, que invariavelmente leva a tiroteios, deixando
comunidades inteiras acuadas.
Praticamente não há mais
diferença entre os métodos e ações de milicianos e o de traficantes. Todos
cobram taxas, controlam serviços, lucram com venda de drogas e mantêm um regime
de medo por onde passam.
>>> Você vai
entender nesta reportagem:
• 1. Quando as milícias e as facções do tráfico surgiram
TRÁFICO
O tráfico começou a se
estruturar no Rio de Janeiro a partir do final da década de 1970, expandiu-se
nos anos 80 e passou a travar disputas entre si nos anos 90.
Há 50 anos, a cidade
virou um ponto na rota de distribuição da cocaína para a Europa. Na mesma
época, surgiram, dentro de presídios, as facções criminosas. Um grupo de
detentos comuns se uniu a presos políticos para combater um bando que dominava
as cadeias e que chegava a cobrar pedágio pela “segurança” nas celas.
Os assaltantes comuns
aprenderam as técnicas de organização e guerrilha dos militantes políticos e
descobriram que as drogas eram mais lucrativas que assaltos.
Rachas e desavenças
levaram à criação das facções, fortemente hierarquizadas e com chefias bem
definidas.
MILÍCIA
Na década de 1960,
existiam as polícias mineiras, um embrião do que 30 anos mais tarde seriam as
milícias.
A partir dos anos 2000,
policiais e ex-policiais corruptos passaram a “oferecer segurança” nas
comunidades sob o pretexto de “resguardar” os moradores do tráfico, a quem se
opunham com muita violência.
A “taxa de proteção” era
apenas uma forma de exploração. Paramilitares passaram a impor o monopólio de
serviços de internet clandestina e de distribuição de água e de gás, sobre os
quais incidem ágio. Motoristas de vans também foram obrigados a pagar pedágios.
2. Os vários lados de uma
guerra
Segundo o Mapa Histórico
dos Grupos Armados no Rio de Janeiro, um estudo do Grupo de Estudos dos Novos
Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF) e do Instituto Fogo
Cruzado, os maiores são:
• Comando Vermelho (CV). Mais poderosa facção do tráfico do RJ,
com ramificações pelo Brasil, domina vastas áreas nas zonas Sul e Norte — como
a Rocinha, o Complexo do Alemão e a Cidade de Deus. Sob seu domínio estavam 2
milhões de fluminenses, segundo o estudo, com dados de 2022.
• Terceiro Comando Puro (TCP). Dissidência do extinto Terceiro
Comando — de oposição ao CV —, tornou-se o segundo maior grupo de traficantes
do RJ, diz o estudo. Entre as maiores bases estão o Complexo de Israel, em
Cordovil, e o Complexo da Maré. Há uma parceria com a milícia justamente para
tentar fazer frente ao CV.
• Amigos dos Amigos (ADA). Facção do tráfico em declínio,
atualmente não está envolvida em disputas.
• Milícias. Pulverizadas pela Zona Oeste e com chefias
descentralizadas, conviveram nos primeiros anos respeitando um pacto de não
agressão. Grosso modo, há dois núcleos: um na Grande Jacarepaguá, outro na
Grande Campo Grande — que acabou se expandindo para a Baixada Fluminense. A
milícia de Jacarepaguá se aliou ao TCP para fazer frente ao CV, que tem
conseguido tomar áreas desses paramilitares. Já a milícia de Campo Grande
estava se aproximando do Comando Vermelho.
3. Quem era Faustão na
hierarquia da milícia
Matheus da Silva Rezende,
de 25 anos, o Faustão, era sobrinho de três chefes da maior milícia do RJ e, ao
contrário dos tios, vinha estreitando relações com o Comando Vermelho. Seus
superiores não permitiam a venda de drogas nas áreas dominadas.
Atualmente comandada por
Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, — um dos 3 tios de Faustão —, a maior
milícia da Zona Oeste é resultado de uma forte política expansionista que teve
início quando a família Braga assumiu o comando da Liga da Justiça e refundou o
grupo paramilitar.
A Liga da Justiça surgiu
em Campo Grande, na Zona Oeste, no final dos anos 1990. A milícia — fundada
pelos agentes da Polícia Civil Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho,
ex-vereador do Rio assassinado a tiros em 2022, e o ex-deputado Natalino José
Guimarães —, começou atuando de forma concentrada, com foco na exploração de
transporte clandestino e intermediações de ocupações urbanas.
Jerominho foi preso em
2007, e Natalino, em 2008, quando a chefia da Liga da Justiça era compartilhada
com outros três criminosos — Ricardo Teixeira Cruz, o Batman, preso em 2009;
Toni Ângelo de Souza Aguiar, preso em 2013, e Marcos José de Lima, o Gão, preso
em 2014. Todos eram policiais militares.
Com as prisões, Carlos
Alexandre Braga, o Carlinhos Três Pontes, ex-traficante que ganhou prestígio
entre os integrantes do grupo paramilitar, assumiu o comando da nova milícia.
Tratava-se da primeira
mudança significativa verificada no grupo: pela primeira vez, a liderança não
era envolvida diretamente com a estrutura policial.
Os ex-PMs, que chefiavam
a milícia e estavam presos, não concordavam com um traficante à frente do
grupo. Carlinhos Três Pontes resolveu isso com violência: em menos de um mês, 5
chefes das milícias foram mortos ou desapareceram.
Segundo os
investigadores, Carlinhos Três Pontes foi quem iniciou o processo de expansão
da atuação da milícia no estado e intensificou a parceria com o tráfico de
drogas.
Ao contrário da Liga da
Justiça, que se concentrava em pequenos bairros da Zona Oeste, a Firma, de Três
Pontes, se expandiu para a Baixada Fluminense, Itaguaí e Seropédica, cidades da
Região Metropolitana do RJ, entre 2014 e 2017.
No entanto, Carlinhos
Três Pontes foi morto em 2017 durante uma operação policial contra a milícia. A
chefia do grupo passou então para as mãos de Wellington da Silva Braga, o Ecko,
um dos irmãos. O grupo foi rebatizado de Bonde do Ecko.
Foi ele que decidiu fazer
alianças com outras milícias. Com mão de ferro, Wellington Braga comandou o
grupo paramilitar entre 2017 e 2021 e expandiu seu domínio para diversos
bairros e municípios do RJ — novamente em oposição ao tráfico.
No entanto, em junho de
2021, Ecko também morreu em decorrência de uma operação policial para
prendê-lo. A maior milícia do RJ passou então a ser comandada por outro
integrante da família: Zinho, irmão de Ecko e Três Pontes. Ele continua
foragido apesar da operação desta segunda (23).
Entretanto, com a morte
de Ecko, o Bonde rachou e houve uma intensa disputa por territórios entre os
bandos de Zinho e de Danilo Dias Lima, o Tandera, ex-braço direito de Ecko. Com
a rivalidade, houve uma escalada da violência nas ações da milícia em todo o
estado.
4. O panorama do crime organizado
no RJ
De acordo com o Grupo de
Estudos de Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (UFF), em um
período de 16 anos, as milícias quase quintuplicaram seus territórios e são
hoje o maior grupo criminoso do estado. As áreas sob domínio de grupos
paramilitares aumentaram 387,3% entre os anos de 2006 e 2021.
Segundo o Mapa Histórico
dos Grupos Armados do RJ, ao menos 4,4 milhões de pessoas moram hoje em áreas
controladas por grupos criminosos [milícia e tráfico] no Grande Rio —
contingente 65% maior do que em 2006.
Ainda de acordo com o
documento, os milicianos controlam hoje 256 km², metade dos 510 km² dominados
pelo crime organizado na Região Metropolitana do Rio.
O crescimento das
milícias não foi com a expulsão traficantes de áreas controladas por eles. O
levantamento aponta que ao menos 90% da expansão territorial dos grupos
paramilitares se deu em localidades que não eram dominadas por nenhum grupo
criminoso anteriormente.
Investigações apontam
que, em algumas localidades, milicianos arrendaram pontos para traficantes da
facção aliada montarem bocas de fumo. Por sua vez, traficantes têm adotado o
modelo de exploração dos paramilitares, como cobrança de taxas e imposição de
monopólios.
Fonte: Brasil
247/Metrópoles
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