A obra que devolveu vida a rio 'morto' há dois séculos
“A natureza precisa do caos”, diz Lee Schofield, da
organização ambientalista britânica Sociedade Real de Proteção às Aves (RSPB,
na sigla em inglês).
Ele está sentado na margem do Swindale Beck, um
trecho de rio próximo ao reservatório de Haweswater, na cidade inglesa de
Cumbria.
O caos — e a natureza — voltou ao local depois de
ficar desaparecido durante dois séculos.
Isto porque, há cerca de 200 anos, a comunidade de
Swindale embarcou num ambicioso projeto para retificar esse trecho do rio, com
o objetivo de acelerar o fluxo de água no vale e aumentar a área das terras
agrícolas ao redor.
Isso teve consequências não intencionais. A água,
como desejado, fluía mais rápido — porém rápido demais para a desova de peixes
como o salmão e a truta.
O curso d'água também passou a carregar mais
sedimentos rio abaixo, tornando-se mais turvo.
Então, em 2016, a RSPB e os seus parceiros —
incluindo a empresa de águas proprietária do terreno — embarcaram num projeto
de "desretificação" do rio.
Depois de estudar o vale para localizar o caminho
original do rio, a uma equipe de escavadores foi contratada para recriar aquele
canal sinuoso — que está agora cerca de 180m mais longo do que a linha reta que
cortava o vale por dois séculos.
A transformação, diz Lee, foi quase imediata.
“Cerca de três meses depois da partida dos
escavadores, tivemos novamente salmões e trutas desovando no rio”, lembra ele.
As curvas sinuosas restabelecidas desaceleraram o
fluxo da água, o que cria um habitat aquático em cada curva.
“Agora temos vegetação no rio, onde os peixes
jovens podem se abrigar”, explica Lee. “Existem bancos de cascalho, piscinas
profundas e corredeiras. Há partes rasas e partes turbulentas do rio onde a
água absorve oxigênio. Tudo isso beneficia a cadeia alimentar inteira."
"Agora, é como se uma coisa viva se movesse
pelo vale, enquanto o rio antigo e reto parecia um canal triste."
A restauração do trecho de 1 km custou 200 mil
libras (cerca de R$ 1,2 milhão), valor que foi dividido pela RSPB, pela empresa
de recursos hídricos proprietária da área, a United Utilities, e por duas
agências governamentais dedicadas ao meio ambiente.
O governo britânico está financiando vários
projetos de conservação como esse, sob o programa Landscape Recovery Scheme ("Esquema
de Recuperação da Paisagem"). Agricultores podem obter financiamento para
estimular a biodiversidade nas suas terras, por exemplo através da recuperação
dos seus rios ou do aumento das florestas.
Para a empresa United Utilities, a
"desretificação" do rio trouxe como mudança positiva o fato de que
ele agora "se limpa" sozinho.
Rios retificados artificialmente fluem mais rápido
e incorporam mais sedimentos. Já as curvas retardam o fluxo e permitem que o
rio deposite seus sedimentos nas margens.
O fluxo lento também reduz o risco de inundações a
jusante (na direção da foz).
Ironicamente, os danos ambientais que as empresas
de água causam podem se tornar uma fonte de financiamento para projetos de
restauração como este.
A secretária de Estado para o Meio Ambiente do
Reino Unido, Thérèse Coffey, anunciou recentemente que as empresas responsáveis
por despejar esgoto na natureza podem ser multadas — e tal dinheiro seria
reinvestido em um novo fundo de restauração das águas e usado para projetos de
conservação de rios liderados pela comunidade.
Foi recentemente revelado que a própria United
Utilities lançou esgoto bruto nos rios com mais frequência do que qualquer
outra empresa do setor na Inglaterra em 2022.
John Gorst, da United Utilites, que trabalhou no projeto
Swindale, disse à BBC News: “Há problemas e estamos resolvendo-os."
"[Mas] Esta paisagem é crucial para nós como
empresa. O reservatório é a nossa maior fonte de abastecimento, por isso
estamos investindo nestas bacias hidrográficas e gerindo-as de uma forma que
proteja a qualidade da água e que traga todos esses benefícios adicionais para
a biodiversidade."
A RSPB administra a sua própria produção agrícola
neste vale e afirma ter demonstrado que a conservação e a agricultura podem
trabalhar juntas e beneficiar-se mutuamente.
Lee Schofield diz que ver retornar a água límpida e
sinuosa do rio, além da vida selvagem, é inspirador.
“Nós, como espécie, podemos reconstruir e restaurar
lugares como este. Podemos abrir espaço para a natureza."
Fonte: BBC News Brasil
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