A dor lombar e a metáfora dos sapos engolidos
Desde a faculdade eu
entendi que ao pensar em saúde, é preciso olhar o ser humano como um todo. Como
assim? Claramente, não somos apenas um joelho, não somos uma coluna e muito
menos, somos apenas o diagnóstico médico. Por isso digo que, ao contrário do
que se pensa, a saúde não é uma ciência exata e, por isso, temos que ter olhar
além dela.
Mantendo a ética
profissional e entendendo a integralidade do cuidado, fiquei pensativa sobre a
importância de compreendermos o trabalho de outros profissionais de saúde. Eis
que o algoritmo do Instagram me apresentou ao trabalho do psicólogo Victor
Moreira. Lembro que fiquei encantada com o seu conteúdo que trazia uma
abordagem do corpo e suas dores, embasado em uma vertente da psicologia chamada
Análise Bioenergética, desenvolvida por Alexander Lowen, discípulo de Wilhelm
Reich, “o pai” da psicoterapia corporal no ocidente. Foi assim que me conectei
com o Victor e surgiu o convite para ele colaborar com essa série de coluna da
IstoÉ.
Como fisioterapeuta,
sempre observei como acontecimentos externos e estressantes podem arruinar um
tratamento que parecia estar progredindo bem ou como acontecimentos podem se
tornar gatilhos para crises de dor e recaídas.
Os estudos já comprovam
que, estresse, ansiedade e emoções negativas influenciam de forma direta a
percepção da dor, a imunidade e até o sucesso do tratamento. Afinal, seria a
dor nas costas a causa ou a consequência de algum evento emocional? Seria uma
somatização de eventos internos e externos? Victor traz sua perspectiva de que
a dor aparece no corpo por diversos motivos, mas que geralmente têm vínculo com
nossas emoções.
Para entender melhor, ele
dá um exemplo: “Se você está com medo, seus olhos vão arregalar mesmo que você
não perceba. Você vai tender a apertar os dentes, os “ombros” vão se endurecer
e a respiração vai encurtar.” Ele ainda destaca que, nem sempre estes
movimentos são visíveis e altamente expressivos, pelo contrário, na maioria das
vezes eles passam despercebidos.
E após um dia, um mês ou
alguns anos, surge a dor. No caso de quem sofre com dores crônicas, ele aborda
a partir da perspectiva de que há uma sobrecarga física-emocional na região.
Como assim? Ele exemplifica: “Vamos imaginar que alguém “engoliu muita sapo”
durante a vida, e não sabia como expressar sua raiva, indignação e estabelecer
limites. Ao longo do tempo esta pessoa poderia desenvolver uma dor crônica na
cervical, por exemplo, devido ao excesso de controle necessário para suportar
ficar sem voz, “fechar a garganta”. Mas o fato é que, todos nós temos alguma
ferida emocional, todos engolimos sapos vez ou outra, o que podemos fazer? Ele
explica que: “Aí que está o ponto incrível das psicoterapias corporais:
expressamos no corpo todas nossas tensões emocionais do passado, e isso alivia
não só as nossas dores ou doenças, como também sensações e elaborações
internas”.
·
Mas e a dor lombar? Como ela
pode ser interpretada nessa perspectiva?
O psicólogo, Victor,
aborda que a dor na lombar se relaciona com a privação de prazer e com a
necessidade de aguentar nossas tarefas e responsabilidade sem pausa e sem
autocuidado. Nessa interpretação, a lombar é vista como uma parte do corpo que
sustenta o peso da coluna, mas também o local do corpo onde deixamos nosso
rebolado aparecer. E aqui ele complementa “Percebe que tem uma ambiguidade? O
prazer e a sustentação se encontram no mesmo lugar: a lombar. Se eu só busco o
prazer de forma incessante, posso ter dores ali. Mas se só sustento as demandas
da vida à seco, também.
O problema está na
cronificação do comportamento emocional do corpo. E é isso que nós chamamos de
couraças musculares, estruturas do corpo que tensionam de acordo com nosso
funcionamento psíquico. A lombar faz parte da couraça abdominal, que é uma das
7 principais. Cada uma tem uma função afetiva diferente”. Achei super
interessante trazermos a visão de distintos profissionais – médicos,
fisioterapeutas, inclusive psicólogos com diferentes abordagens – para que você
saiba que há linhas distintas do ato de cuidar. Sempre irei enfatizar que o
trabalho de todos profissionais unidos trará benefícios – o trabalho multi e
interdisciplinar faz diferença no cuidado.
·
E como as pessoas mantêm uma
relação mais leve e saudável com o próprio corpo e alma?
O corpo sabe o que fazer
e ele compartilha uma maneira intuitiva de autorregulação emocional, através de
3 movimentos simples. Victor, nos guia nessa atividade prática para sentir
alívio imediato facilitando o fluxo emocional, em que são utilizadas sequências
específicas:
Etapa 1: como passamos a vida segurando e prendendo o ar dentro do
organismo, sempre precisamos expirar. Portanto, comece expirando. Sopre longo,
forte e de preferência soltando um som espontâneo. Faça pelo menos 6 vezes bem
caprichado. Qual será o som que quer sair de você hoje? “aaaaaah, uuuuuuuh,
brrrrruuuu?”
Etapa 2: Após fazer suas expirações longas e sonoras, esquente suas mãos
esfregando uma na outra durante um tempo e deixe sua mão tocar alguma parte do
seu corpo, sem que você precise pensar. Apenas deixe ela tocar, feche os olhos
e receba seu toque. Qualquer parte do corpo vale, basta permanecer ali por
algum tempo, respirando e sentindo. Se quiser, pode repetir 3 vezes também.
Etapa 3: Por
último, perceba como você ficou e deixe surgir um movimento no seu corpo.
Sempre há algum movimento querendo acontecer. Como você quer se mover? Do que
precisa? Siga sua intuição e deixe seu corpo se expressar, seja como for.
Ø Do sedentário ao atleta: por que a dor lombar
é tão comum?
Hoje vamos iniciar a
série de conteúdos para te ajudar sobre um tema que você, leitor, e
os nossos pacientes mais pediram informações. Vamos falar de algo que eu, você
e todos nós já sofremos, ou quem sabe, podemos um dia
sofrer –a tal da dor nas costas! Para esse ciclo sobre o
tema, convidamos diferentes profissionais para trocarmos informações a
partir de diferentes olhares do cuidar. E para começarmos, convidamos um médico
ortopedista.
Antes de iniciar, vale
reforçar que esse tema é tão sério e relevante que é considerado uma questão de
saúde pública e ainda hoje é um dos problemas que mais levam as
pessoas a se afastarem do trabalho, das atividades esportivas e de lazer, e que
conduzem a uma perda significativa de qualidade de vida, interferindo em
absolutamente todos os aspectos do cotidiano de quem convive com a dor.
Sempre que trazemos mais
informações, as pessoas agradecem demais e explicam que nossa matéria se tornou
um pontapé inicial para repensar a relação com o próprio corpo ou em como lidam
e respeitam os sinais e dores que sentem. Por isso, vale dizer que é isso que
desejo para você com essa série de leituras.
·
Mas afinal, por que a
dor na lombar é tão comum?
Para responder essa
pergunta, convidamos o médico ortopedista, Rafael Moriguchi. Segundo o médico,
a dor lombar é comum pelo fato de que a coluna lombar é um dos principais
pontos, senão o principal, ponto de concentração de carga no corpo humano. O
que demanda que a musculatura, os discos intervertebrais e outras estruturas da
região lombar estejam sob carga e impacto constantes. Além disso, ele reforça
que o fator do envelhecimento populacional e a maior longevidade impactam também
na ocorrência de doenças degenerativas da coluna lombar, aumentando
exponencialmente a procura por tratamentos.
Aqui na nossa rotina,
percebemos ainda uma demanda alta em pessoas com rotina de escritório e
home-office que podem pecar pela falta de movimentação do corpo no dia a dia ou
pela falta de postura adequada na rotina. Atletas de fim de semana também são
bastante afetados pela sobrecarga imposta “do nada” no corpo
despreparado.
As gestantes, que estão
com o corpo em constante transformação, também, e aproveitando que falamos
delas, trago ainda as famílias de quem tem bebês pequenos em casa – os
cuidados, avós, etc – que passam a sofrer com cargas mecânicas diferentes ao
carregar e cuidar da criança.
·
Quais são as principais
causas de dor lombar?
Como bons
fisioterapeutas, sempre explicamos para os pacientes que a dor na lombar é a
consequência e não a causa – isso é não o diagnóstico que
explica a dor – e por isso, pode ter muitas causas diferentes
envolvidas. Vamos deixar aqui algumas como: hérnia de disco, degeneração
discal, estenose de canal, escoliose, desalinhamento sagital (perda de
lordose), alterações posturais, fraturas, tumores, compensações e desordens
musculares.
·
Existem tipos diferentes de
dor lombar?
Além de causas distintas,
segundo o Dr. Rafael, a dor lombar pode ser classificada de
acordo com o tempo que a pessoa refere os sintomas de dor nas costas:
- Dor aguda nas costas acontece de repente
e geralmente dura alguns dias a algumas semanas.
- Dor subaguda nas costas pode surgir
repentinamente ou ao longo do tempo e dura de 4 a 12 semanas.
- Dor crônica nas costas pode surgir
rapidamente ou lentamente e dura mais de 12 semanas, ocorrendo
diariamente.
A dor lombar é comum na
população, seja em homens ou mulheres, e sabemos que o envelhecimento
populacional também interfere e aumenta as chances de termos dores nas costas.
Mas ser comum não significa de forma alguma que é algo a ser normalizado. Por
isso, saiba que há tratamento e prevenção para as crises.
Mas afinal, será que a
lombalgia é considerada um problema grave? Rafael é categórico ao dizer
que se a lombalgia não for tratada pode levar a quadros incapacitantes de dor.
E você deve imaginar que quem convive com dores, vive num ciclo de dor, não
consegue dormir bem, não consegue fazer atividades do dia a dia, toma
medicações diversas que alteram o metabolismo, enfim… a pessoa não consegue ser
ela mesma física e psicologicamente.
·
Uma pergunta super comum dos
pacientes seja no consultório médico ou na fisioterapia é: quanto tempo levo
para me recuperar de uma lombalgia?
O tempo para recuperação
de um quadro dependerá da causa, dos tratamentos empregados e da capacidade
biofuncional do paciente. No entanto, de maneira geral, espera-se que um
tratamento empregado para lombalgia comece a apresentar resultados em até um
mês.
Aqui, trouxe ainda a
fisioterapeuta ortopédica e osteopata da Clínica La Posture, Ana Clara
Desidério, que complementa que, apesar de ser comum as pessoas terem
histórico de dor lombar, elas não devem normalizar a dor de forma alguma. A
maior questão é a dor se tornar crônica e seu tratamento ainda mais penoso.
Cada paciente evolui de uma forma diferente e responde diferente ao tratamento.
Por isso, ter acesso a diferentes especialidades e recursos da fisioterapia e
ter o foco em exercícios corretos é a base de qualquer processo de
reabilitação.
Acredito ainda, que essa
série possa ser um chamado para que você que ainda não tem dores nas costas,
repense a forma como se cuida e como se cuida diariamente. Lembre-se que os
grandes vilões das dores na coluna são sedentarismo, sobrepeso
e home-office.
Fonte: Por Dra. Renata
Luri, para IstoÉ
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