quinta-feira, 26 de outubro de 2023

JUÍZA MANDA TIRAR MENINO DO PAI ACUSADO DE AGREDI-LO SEXUALMENTE

Uma nova decisão da Justiça do Ceará determinou que um coronel aposentado da Polícia Militar entregue o filho de 6 anos para a avó materna. Ele tinha a guarda exclusiva do garoto desde julho deste ano e permaneceu com esse direito mesmo depois de ter se tornado réu sob acusação de agredi-lo sexualmente, fato que nega. Ao longo desses mais de três meses, não houve qualquer contato do menino com a mãe.

Trata-se de mais um passo de uma disputa familiar cheia de reviravoltas e de um andamento que vem chamando a atenção do meio jurídico. Depois que o caso foi revelado em reportagem da piauí em 10 de outubro, o Conselho Nacional de Justiça abriu uma investigação para apurar se a condução tem sido influenciada pelas boas conexões do militar, como alega a mãe. O militar tem um irmão que é juiz da Vara de Família do Ceará, uma prima desembargadora no estado e um primo juiz cível. Um tio, que já morreu, era desembargador de prestígio no estado.

Três juízes e dois promotores se declararam impedidos de atuar na ação.
Na decisão expedida na última sexta-feira, 20 de outubro, uma juíza da 12ª Vara Criminal de Fortaleza disse que é preciso garantir “a segurança e o bem-estar do infante”. 

O oficial de Justiça responsável por intimar o pai informou que não conseguiu encontrá-lo nem por meio físico, no endereço fornecido à Justiça, nem “por meio remoto, pois o número informado no mandado não recebe chamadas, e a foto do WhatsApp não corresponde ao requerido”. O profissional pediu, então, “autorização expressa de força policial e ordem de arrombamento”, argumentando que “em virtude da urgência da medida e de não ter sido possível confirmar se o requerido estava de fato no interior da residência”.

O Ministério Público emitiu um parecer na última segunda-feira indicando “uso de força policial” para o cumprimento do mandado de busca e apreensão do menino, “em qualquer dos endereços constantes nos autos ou em outro local que, porventura, venha a ser localizado”.

Na argumentação, a promotora criminal enfatiza que esta é “a segunda vez que o requerido não é encontrado em endereço informado por sua defesa, estando hoje em local incerto e não sabido, restando concluir que está se furtando ao cumprimento das decisões deste juízo”. Ela diz ainda que a criança “encontra-se há mais de três meses em poder do suposto abusador, estando exposta a novas violações de direito e possível e provável influência psicológica, havendo perigo concreto de que seja induzida a modificar sua versão dos fatos delituosos”.

Em mensagens de áudio enviadas à reportagem, o advogado do coronel aposentado, Bruno Queiroz, afirma que não houve fuga. “Nas duas vezes em que [o oficial de Justiça] foi à casa do pai da criança, ele não estava. Inclusive tinha saído com a criança (…) Mas o endereço é o mesmo. Ele não está foragido. Está em Fortaleza.” 

O garoto no centro da disputa nasceu em um lar conturbado. Os pais não eram casados no papel, mas viviam juntos – e mal. Ela, que é advogada, chegou a dar queixa por violência doméstica na delegacia, mas esse caso acabou arquivado. Os dois se separaram quando o bebê tinha menos de 2 anos e ficou acertada a guarda alternada (sete dias na casa de cada um).

Segundo a mãe, quando o menino tinha 4 anos, começou a relatar a familiares situações de abuso sexual cometidos pelo pai. Uma dentista constatou manchas roxas no céu da boca do menino, compatíveis com a possibilidade de felação. Depois de outros acontecimentos, decidiu fugir com ele para morar em Parnamirim, no Rio Grande do Norte. Desde então, reuniu materiais para usar como provas de abuso.

Fez gravações de áudio e vídeo com declarações do menino que manifestam temor de encontrar o pai. O laudo de uma psicóloga contratada por ela trouxe relatos bastante perturbadores, depois de cinco sessões, que incluíam atividades lúdicas como desenhos e brinquedos:

“[O garoto] ao ser questionado sobre o boneco que representa o pai, fala: ‘Ele tirou minha roupa e lambeu minhas partes íntimas.’ Soltou o boneco e chorou. Após isso, acalmei o mesmo e finalizamos o encontro.”

Em outro laudo, este encomendado pela Justiça do Rio Grande do Norte, as assistentes sociais escreveram:

“[O menino] declarou ter sentido medo de que a equipe levasse o pai ao seu encontro. Questionado sobre [ele], o infante disse não querer contato com o pai pois ele era ‘muito mau’.”

Há outros indícios. Além disso, na denúncia do Ministério Público contra o coronel colhida pela Justiça, por acusação de estupro de vulnerável, a promotora registrou que existe na polícia “investigação de suposto abuso sexual do denunciado contra seus dois outros filhos, frutos de outros relacionamentos”. Questionado, o advogado do pai negou qualquer denúncia feita pelos filhos de relacionamentos anteriores, ou mesmo pelas outras companheiras.

No Rio Grande do Norte, a mãe conseguiu não apenas a guarda unilateral provisória da criança, como outra medida protetiva contra o ex. Ele, porém, obteve na Justiça do Ceará uma medida cautelar para busca e apreensão do filho, alegando subtração do menor e desobediência da mulher à guarda compartilhada, que foi cumprida em João Pessoa, onde mãe e filho passavam férias, por representantes do conselho tutelar e da polícia.

Na Justiça criminal, em que a mãe diz que o coronel abusava do filho, o militar a acusa de maus-tratos contra a criança. Além do vídeo de câmera de segurança que mostra a palmada de raspão no braço, anexou um print de conversa no WhatsApp entre o pai e a mãe do menino. Entre as frases digitadas por ela: o menino “anda teimando demais”; “então meti a sola ontem”; “se ele lhe desobedecer, meta a chibata”; “ontem parou de teimar/ depois da surra/ dei só um tapa na mão dele ontem q inchou”.

A defesa da mãe disse em documento enviado à Justiça que essa conversa está fora de contexto, envolve “exageros” e “ironia”. E anexou outro print no qual a avó diz à filha que não se pode bater em criança. Outro print anexo mostra o pai dizendo à mãe: “Mas não pode. Temos que fazer o que estávamos fazendo. Desviando a atenção dele da situação, nem que ele chore para isso. Pelo anos de Deus não faça mais isso.”

No dia 4 de outubro, a Justiça do Ceará havia devolvido o poder familiar à mãe. Cinco dias depois, um desembargador do estado derrubou a decisão e a criança permaneceu com o pai. A nova determinação que entrega a guarda para a avó da criança é de caráter temporário, até que os processos contra os pais sejam concluídos.

Em meio à demora para que a entrega da criança seja feita, o advogado do pai pediu a suspensão da decisão e indicou uma família substituta para abrigar o menino por uma série de argumentos, entre eles:

– A avó é idosa, operou a bacia e não teria condições de cuidar do menino;

– Há um vídeo de câmera de segurança doméstica que mostra a mãe agredindo a criança na presença da avó e ela é omissa;

– O carro que a mãe usa é o mesmo da avó materna e, por isso, na prática, “entregar a criança para a avó é o mesmo que entregar para a mãe”.

A defesa da avó e da mãe respondeu na Justiça que esse vídeo (de câmera interna na cozinha, de quando o casal morava junto) não mostra maus-tratos, mas uma palmada de raspão no braço da criança que teimava repetidamente em colocar a mão no fogão aceso. 

Registra também que “as limitações da idade não a impedem de exercer, com plenitude, os cuidados do neto” e que “conta com secretária que lhe auxilia no lar” e “tem condições de contratar uma babá”. E que a questão do carro é irrelevante, pois o veículo está em outro estado.

O pai terá direito a receber a visita do menino, uma vez a cada dois sábados, na presença de duas testemunhas (uma indicada pelo lado paterno, outra pelo materno). A mãe não tem direito a visita, pois perdeu o poder familiar em julho, quando o filho foi retirado dela em João Pessoa, por determinação da Justiça cearense.
Procurado pela reportagem, o Tribunal de Justiça do Ceará informou que os processos tramitam em segredo de justiça e, por esta razão, não podem ser repassadas informações. Os mesmos argumentos foram utilizados pelo Ministério Público, que também não comentou o caso. O CNJ informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “está se cercando de elementos para fazer uma investigação cuidadosa e séria”.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) veta a divulgação de nomes dos genitores envolvidos em casos de suspeita de violência sexual ou outras infrações contra a criança, para que sua identidade não seja conhecida de forma indireta.

 

Fonte: Revista Piauí

 

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