JUÍZA MANDA TIRAR MENINO DO PAI ACUSADO DE
AGREDI-LO SEXUALMENTE
Uma nova decisão da
Justiça do Ceará determinou que um coronel aposentado da Polícia Militar
entregue o filho de 6 anos para a avó materna. Ele tinha a guarda exclusiva do
garoto desde julho deste ano e permaneceu com esse direito mesmo depois de ter
se tornado réu sob acusação de agredi-lo sexualmente, fato que nega. Ao
longo desses mais de três meses, não houve qualquer contato do menino com a
mãe.
Trata-se de mais um passo
de uma disputa familiar cheia de reviravoltas e de um andamento que vem
chamando a atenção do meio jurídico. Depois que o caso foi revelado em reportagem da piauí em 10 de outubro, o Conselho Nacional de
Justiça abriu uma investigação para apurar se a condução tem sido
influenciada pelas boas conexões do militar, como alega a mãe. O militar tem um
irmão que é juiz da Vara de Família do Ceará, uma prima desembargadora no
estado e um primo juiz cível. Um tio, que já morreu, era desembargador de
prestígio no estado.
Três juízes e dois
promotores se declararam impedidos de atuar na ação.
Na decisão expedida na última sexta-feira, 20 de outubro, uma juíza da 12ª Vara
Criminal de Fortaleza disse que é preciso garantir “a segurança e o bem-estar
do infante”.
O oficial de Justiça
responsável por intimar o pai informou que não conseguiu encontrá-lo nem por
meio físico, no endereço fornecido à Justiça, nem “por meio remoto, pois o
número informado no mandado não recebe chamadas, e a foto do WhatsApp não
corresponde ao requerido”. O profissional pediu, então, “autorização expressa
de força policial e ordem de arrombamento”, argumentando que “em virtude da
urgência da medida e de não ter sido possível confirmar se o requerido estava
de fato no interior da residência”.
O Ministério Público
emitiu um parecer na última segunda-feira indicando “uso de força policial”
para o cumprimento do mandado de busca e apreensão do menino, “em qualquer dos
endereços constantes nos autos ou em outro local que, porventura, venha a ser
localizado”.
Na argumentação, a
promotora criminal enfatiza que esta é “a segunda vez que o requerido não é
encontrado em endereço informado por sua defesa, estando hoje em local incerto
e não sabido, restando concluir que está se furtando ao cumprimento das
decisões deste juízo”. Ela diz ainda que a criança “encontra-se há mais de três
meses em poder do suposto abusador, estando exposta a novas violações de
direito e possível e provável influência psicológica, havendo perigo concreto
de que seja induzida a modificar sua versão dos fatos delituosos”.
Em mensagens de áudio
enviadas à reportagem, o advogado do coronel aposentado, Bruno Queiroz, afirma
que não houve fuga. “Nas duas vezes em que [o oficial de Justiça] foi à
casa do pai da criança, ele não estava. Inclusive tinha saído com a criança (…)
Mas o endereço é o mesmo. Ele não está foragido. Está em Fortaleza.”
O garoto no centro da
disputa nasceu em um lar conturbado. Os pais não eram casados no papel, mas
viviam juntos – e mal. Ela, que é advogada, chegou a dar queixa por violência
doméstica na delegacia, mas esse caso acabou arquivado. Os dois se separaram
quando o bebê tinha menos de 2 anos e ficou acertada a guarda alternada (sete
dias na casa de cada um).
Segundo a mãe, quando o
menino tinha 4 anos, começou a relatar a familiares situações de abuso sexual
cometidos pelo pai. Uma dentista constatou manchas roxas no céu da boca do
menino, compatíveis com a possibilidade de felação. Depois de outros
acontecimentos, decidiu fugir com ele para morar em Parnamirim, no Rio Grande
do Norte. Desde então, reuniu materiais para usar como provas de abuso.
Fez gravações de áudio e
vídeo com declarações do menino que manifestam temor de encontrar o pai. O
laudo de uma psicóloga contratada por ela trouxe relatos bastante
perturbadores, depois de cinco sessões, que incluíam atividades lúdicas como
desenhos e brinquedos:
“[O garoto] ao ser
questionado sobre o boneco que representa o pai, fala: ‘Ele tirou minha roupa e
lambeu minhas partes íntimas.’ Soltou o boneco e chorou. Após isso, acalmei o
mesmo e finalizamos o encontro.”
Em outro laudo, este
encomendado pela Justiça do Rio Grande do Norte, as assistentes sociais
escreveram:
“[O menino]
declarou ter sentido medo de que a equipe levasse o pai ao seu encontro.
Questionado sobre [ele], o infante disse não querer contato com o pai
pois ele era ‘muito mau’.”
Há outros indícios. Além
disso, na denúncia do Ministério Público contra o coronel colhida pela Justiça,
por acusação de estupro de vulnerável, a promotora registrou que existe na
polícia “investigação de suposto abuso sexual do denunciado contra seus dois
outros filhos, frutos de outros relacionamentos”. Questionado,
o advogado do pai negou qualquer denúncia feita pelos
filhos de relacionamentos anteriores, ou mesmo pelas outras companheiras.
No Rio Grande do Norte, a
mãe conseguiu não apenas a guarda unilateral provisória da criança, como outra
medida protetiva contra o ex. Ele, porém, obteve na Justiça do Ceará uma
medida cautelar para busca e apreensão do filho, alegando subtração do menor e
desobediência da mulher à guarda compartilhada, que foi cumprida em João
Pessoa, onde mãe e filho passavam férias, por representantes do conselho
tutelar e da polícia.
Na Justiça criminal, em
que a mãe diz que o coronel abusava do filho, o militar a acusa de maus-tratos
contra a criança. Além do vídeo de câmera de segurança que mostra a palmada de
raspão no braço, anexou um print de conversa no WhatsApp entre o pai e a mãe do
menino. Entre as frases digitadas por ela: o menino “anda teimando demais”;
“então meti a sola ontem”; “se ele lhe desobedecer, meta a chibata”; “ontem
parou de teimar/ depois da surra/ dei só um tapa na mão dele ontem q inchou”.
A defesa da mãe disse em
documento enviado à Justiça que essa conversa está fora de contexto, envolve
“exageros” e “ironia”. E anexou outro print no qual a avó diz à filha que não
se pode bater em criança. Outro print anexo mostra o pai dizendo à mãe: “Mas
não pode. Temos que fazer o que estávamos fazendo. Desviando a atenção dele da
situação, nem que ele chore para isso. Pelo anos de Deus não faça mais isso.”
No dia 4 de outubro, a
Justiça do Ceará havia devolvido o poder familiar à mãe. Cinco dias depois, um
desembargador do estado derrubou a decisão e a criança permaneceu com o pai. A
nova determinação que entrega a guarda para a avó da criança é de caráter
temporário, até que os processos contra os pais sejam concluídos.
Em meio à demora para que
a entrega da criança seja feita, o advogado do pai pediu a suspensão da decisão
e indicou uma família substituta para abrigar o menino por uma série de
argumentos, entre eles:
– A avó é idosa, operou a
bacia e não teria condições de cuidar do menino;
– Há um vídeo de câmera
de segurança doméstica que mostra a mãe agredindo a criança na presença da avó
e ela é omissa;
– O carro que a mãe usa é
o mesmo da avó materna e, por isso, na prática, “entregar a criança para a avó
é o mesmo que entregar para a mãe”.
A defesa da avó e da mãe
respondeu na Justiça que esse vídeo (de câmera interna na cozinha, de quando o
casal morava junto) não mostra maus-tratos, mas uma palmada de raspão no braço
da criança que teimava repetidamente em colocar a mão no fogão aceso.
Registra também que “as
limitações da idade não a impedem de exercer, com plenitude, os cuidados do
neto” e que “conta com secretária que lhe auxilia no lar” e “tem condições de
contratar uma babá”. E que a questão do carro é irrelevante, pois o veículo
está em outro estado.
O pai terá direito a
receber a visita do menino, uma vez a cada dois sábados, na presença de duas
testemunhas (uma indicada pelo lado paterno, outra pelo materno). A mãe não tem
direito a visita, pois perdeu o poder familiar em julho, quando o filho foi
retirado dela em João Pessoa, por determinação da Justiça cearense.
Procurado pela reportagem, o Tribunal de Justiça do Ceará informou que os processos
tramitam em segredo de justiça e, por esta razão, não podem ser repassadas
informações. Os mesmos argumentos foram utilizados pelo Ministério Público, que
também não comentou o caso. O CNJ informou, por meio de sua assessoria de
imprensa, que “está se cercando de elementos para fazer uma investigação
cuidadosa e séria”.
O Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA) veta a divulgação de nomes dos genitores envolvidos em
casos de suspeita de violência sexual ou outras infrações contra a criança,
para que sua identidade não seja conhecida de forma indireta.
Fonte: Revista Piauí
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