Duas notas militares, públicas, provam o envolvimento das Forças
Armadas na tentativa de golpe de Estado em 2022
Atenção para duas notas públicas, assinadas pela
cúpula militar, que provam a cumplicidade dos altos oficiais das Forças Armadas
na criação de um sentimento pró-golpe junto aos eleitores de Jair Bolsonaro.
Uma foi publicada em 10 de novembro de 2022, outra
no dia seguinte, 11 de novembro.
Na primeira nota, as Forças Armadas ressaltam, logo
no título, que o seu relatório “NÃO EXCLUIU” a possibilidade de fraude nas
urnas. O texto era uma resposta a maneira como a imprensa havia recebido e
interpretado o relatório divulgado pelos militares, no qual não se apontava
nenhuma fraude.
A cúpula golpista, a começar pelos mais próximos de
Bolsonaro, ainda era o comandante-em-chefe, deve ter ficado aborrecida ao
constatar que o relatório estava sendo usado, pelas instituições democráticas,
para debelar o sentimento golpista predominante nos acompamentos e bloqueios de
estrada. Então decide soprar um “apito de cachorro”, como que dizendo: “confiem
no golpe! aguardem mais 72 horas!”
A nota 2 é outro apito de cachorro, tanto que foi
lida diversas vezes pelos golpistas acampados.
NOTA 1
O texto abaixo foi publicado no site do
Ministério da Defesa
Relatório das Forças Armadas não excluiu a
possibilidade de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas
Com a finalidade de evitar distorções do conteúdo
do relatório enviado, ontem (9.11), ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o
Ministério da Defesa esclarece que o acurado trabalho da equipe de técnicos
militares na fiscalização do sistema eletrônico de votação, embora não tenha
apontado, também não excluiu a possibilidade da existência de fraude ou
inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022. Ademais,
o relatório indicou importantes aspectos que demandam esclarecimentos. Entre
eles:
- houve possível risco à segurança na geração dos programas das
urnas eletrônicas devido à ocorrência de acesso dos computadores à rede do
TSE durante a compilação do código-fonte;
- os testes de funcionalidade das urnas (Teste de Integridade e
Projeto-Piloto com Biometria), da forma como foram realizados, não foram
suficientes para afastar a possibilidade da influência de um eventual
código malicioso capaz de alterar o funcionamento do sistema de votação; e
- houve restrições ao acesso adequado dos técnicos ao código-fonte e
às bibliotecas de software desenvolvidas por terceiros, inviabilizando o
completo entendimento da execução do código, que abrange mais de 17
milhões de linhas de programação.
Em consequência dessas constatações e de outros
óbices elencados no relatório, não é possível assegurar que os programas que
foram executados nas urnas eletrônicas estão livres de inserções maliciosas que
alterem o seu funcionamento.
Por isso, o Ministério da Defesa solicitou ao TSE,
com urgência, a realização de uma investigação técnica sobre o ocorrido na
compilação do código-fonte e de uma análise minuciosa dos códigos que
efetivamente foram executados nas urnas eletrônicas, criando-se, para esses
fins, uma comissão específica de técnicos renomados da sociedade e de técnicos
representantes das entidades fiscalizadoras.
Por fim, o Ministério da Defesa reafirma o
compromisso permanente da Pasta e das Forças Armadas com o Povo brasileiro, a
democracia, a liberdade, a defesa da Pátria e a garantia dos Poderes
Constitucionais, da lei e da ordem.
# Ministério da Defesa
***
NOTA 2
·
Às Instituições e ao Povo
Brasileiro
Acerca das manifestações populares que vêm
ocorrendo em inúmeros locais do País, a Marinha do Brasil, o Exército
Brasileiro e a Força Aérea Brasileira reafirmam seu compromisso irrestrito e
inabalável com o Povo Brasileiro, com a democracia e com a harmonia política e
social do Brasil, ratificado pelos valores e pelas tradições das Forças
Armadas, sempre presentes e moderadoras nos mais importantes momentos de nossa
história.
A Constituição Federal estabelece os deveres e os
direitos a serem observados por todos os brasileiros e que devem ser
assegurados pelas Instituições, especialmente no que tange à livre manifestação
do pensamento; à liberdade de reunião, pacificamente; e à liberdade de
locomoção no território nacional.
Nesse aspecto, ao regulamentar disposições do texto
constitucional, por meio da Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021, o
Parlamento Brasileiro foi bastante claro ao estabelecer que: “Não constitui
crime […] a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade
jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais, por
meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra
forma de manifestação política com propósitos sociais”.
Assim, são condenáveis tanto eventuais restrições a
direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em
manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou
colocar em risco a segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos
ou de entidades, públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade.
A solução a possíveis controvérsias no seio da
sociedade deve valer-se dos instrumentos legais do estado democrático de
direito. Como forma essencial para o restabelecimento e a manutenção da paz
social, cabe às autoridades da República, instituídas pelo Povo, o exercício do
poder que “Dele” emana, a imediata atenção a todas as demandas legais e
legítimas da população, bem como a estrita observância das atribuições e dos
limites de suas competências, nos termos da Constituição Federal e da
legislação.
Da mesma forma, reiteramos a crença na importância
da independência dos Poderes, em particular do Legislativo, Casa do Povo,
destinatário natural dos anseios e pleitos da população, em nome da qual
legisla e atua, sempre na busca de corrigir possíveis arbitrariedades ou
descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa
sociedade, qual seja, a sua Liberdade.
A construção da verdadeira Democracia pressupõe o
culto à tolerância, à ordem e à paz social. As Forças Armadas permanecem
vigilantes, atentas e focadas em seu papel constitucional na garantia de nossa
Soberania, da Ordem e do Progresso, sempre em defesa de nosso Povo.
Assim, temos primado pela Legalidade, Legitimidade
e Estabilidade, transmitindo a nossos subordinados serenidade, confiança na
cadeia de comando, coesão e patriotismo. O foco continuará a ser mantido no
incansável cumprimento das nobres missões de Soldados Brasileiros, tendo como
pilares de nossas convicções a Fé no Brasil e em seu pacífico e admirável Povo.
Brasília/DF, 11 de novembro de 2022
# Almirante de Esquadra ALMIR GARNIER SANTOS
Comandante da Marinha
# General de Exército MARCO ANTÔNIO FREIRE GOMES
Comandante do Exército
# Tenente-Brigadeiro do Ar CARLOS DE ALMEIDA
BAPTISTA JUNIOR
Comandante da Aeronáutica
Ø Nota militar incendiou golpistas após ser omitida do Alto Comando do
Exército
Em 10 de novembro de 2022 em Brasília, um general
olhou pela janela do segundo andar do Forte Caxias, o Quartel-General do
Exército, e viu a multidão de pessoas e tendas na praça dos Cristais.
Horas antes ele havia recebido uma nota, assinada
pelos comandantes Freire Gomes (Exército), Almir Garnier (Marinha) e Baptista
Junior (Aeronáutica), que seria publicada no dia seguinte.
Freire Gomes, de forma discreta, havia enviado o
texto previamente para poucos colegas de farda. Ele não tinha avisado ao Alto
Comando que a nota seria publicada e omitira a informação do encontro que teve
naquele dia com todos os generais do Exército.
O dia da publicação da nota seria 11 de novembro
—data em que, em 1955, o general Henrique Lott promoveu um golpe preventivo e
garantiu a posse de Juscelino Kubitschek. Segundo seis oficiais-generais
ouvidos pela reportagem, a escolha da data foi uma coincidência.
O militar que recebeu o texto de forma antecipada
disse a Freire Gomes que o tom parecia adequado e não sugeriu alterações.
Olhando pela janela, porém, ele avaliou que a nota tinha um teor excessivamente
bolsonarista e poderia incendiar o acampamento, de acordo com seu próprio relato
à reprortagem.
A construção da nota começou uma semana antes,
quando os comandantes participaram de reuniões fora da agenda com Jair
Bolsonaro no Palácio da Alvorada.
As conversas expressaram preocupações com o
bloqueio de estradas, tiveram críticas ao Judiciário e defenderam a
legitimidade das manifestações em frente aos quartéis que pediam um golpe para
impedir a posse do então presidente eleito Lula (PT).
Na visão dos chefes militares, os manifestantes não
se sentiam seguros para protestar em frente ao STF (Supremo Tribunal Federal)
nem viam efetividade em cobrar respostas do Congresso diante do que
consideravam abusos de ministros togados. O alvo deles também era o TSE
(Tribunal Superior Eleitoral).
Por isso, na interpretação deles, os bolsonaristas
decidiram recorrer aos quartéis.
A nota, com o título "às instituições e ao
povo brasileiro", foi lida por três vezes na manhã de 11 de novembro no
acampamento do QG do Exército, em Brasília. As leituras eram intercaladas com a
"Canção do Exército".
O texto dizia que as Forças Armadas, "sempre
presentes e moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história",
têm "compromisso irrestrito e inabalável com o povo brasileiro, com a
democracia e com a harmonia política".
Com recados ao Judiciário, os comandantes falavam
em condenar ações de indivíduos que "alimentem a desarmonia na
sociedade" e que o país possuía instrumentos legais para solucionar
"possíveis controvérsias".
"Reiteramos a crença na importância da
independência dos Poderes, em particular do Legislativo, Casa do povo,
destinatário natural dos anseios e pleitos da população, em nome da qual
legisla e atua, sempre na busca de corrigir possíveis arbitrariedades ou
descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa
sociedade, qual seja, a sua liberdade."
Os bolsonaristas acampados entenderam a nota como
apoio dos militares aos protestos nos quartéis. "Forças Armadas, comunismo
não. Forças Armadas, salvem a nação", cantavam na manhã de 11 de novembro.
Os ânimos dos radicais se alteraram durante os dois
meses em que estiveram acampados em súplica por um golpe militar. A segunda
semana de novembro, quando houve recorde de público mesmo sob chuva, foi
marcada pela euforia com a nota dos comandantes das Forças Armadas.
Com o passar do tempo, porém, a cúpula das três
Forças decidiu se manter calada. O silêncio abriu espaço para um sem-número de
teorias serem levantadas pelos bolsonaristas —a principal, que circulava pelas
redes, dava conta de que cinco generais do Alto Comando do Exército seriam
comunistas.
Apelidados de "melancias", por serem
vistos nesses grupos bolsonaristas como "verdes por fora e vermelhos por
dentro", os generais Richard Nunes, Amin Naves, Tomás Paiva, André Luiz
Novais e Valério Stumpf viraram alvo dos radicais acampados no Setor Militar
Urbano, em Brasília.
"[Eles] querem que Lula assuma, já se
acertaram com ele e o TOMAZ é o que está querendo ser o comandante do exército
do Lula. Repasse para ficarem famosos", dizia uma das mensagens divulgadas
pelo WhatsApp.
As acusações irritaram a cúpula do Exército. Os
generais citados conversaram com o então comandante Freire Gomes na segunda
quinzena de novembro e contaram que, em alguns casos, filhos dos militares
passaram a ser ofendidos.
Freire Gomes decidiu enviar um comunicado à Força.
"Tais publicações têm se caracterizado pela
maliciosa e criminosa tentativa de atingir a honra pessoal de militares com
mais de 40 anos de serviços prestados ao Brasil, bem como de macular a coesão
inabalável do Exército de Caxias", diz trecho do informe interno.
Com o florescer dos acampamentos, generais do
Exército viram-se obrigados a discutir uma situação considerada incômoda.
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, usou
constantemente a academia do Comando Militar do Planalto para fazer musculação
durante três anos.
O ministro fazia sucesso no local. Militares
ouvidos pela reportagem contam, surpresos, que ele prendia pesos nas pernas
quando realizava a barra, exercício que consiste em subir e descer por uma
estrutura metálica somente com a força dos braços.
Em novembro, com a insatisfação dos militares com
Moraes e o estabelecimento dos acampamentos na frente do local, generais
decidiram interromper a rotina do ministro. Por celular, eles informaram a
Moraes que a academia passaria por reformas e, portanto, não seria possível
utilizar o espaço durante algumas semanas.
O ministro entendeu o recado e procurou outra
academia discreta para realizar os exercícios físicos. Só voltou a ser
convidado para usar as instalações do Comando Militar do Planalto pelo atual
comandante do Exército, Tomás Paiva, neste ano.
A atuação dos militares nas semanas que sucederam a
derrota de Bolsonaro para Lula seguem sob escrutínio e entraram na mira de
investigadores da Polícia Federal.
A revelação mais recente que colocou novamente as
Forças Armadas sob pressão foi a do tenente-coronel Mauro Cid, que em
depoimento de delação premiada disse que Bolsonaro chegou a consultar militares
de alta patente sobre um possível golpe de Estado.
Ainda segundo o relato de Cid, revelado pelo UOL e
pelo jornal O Globo e confirmado pela Folha, o então comandante da Marinha,
Almir Garnier, se manifestou favoravelmente ao plano golpista durante as
conversas de bastidores. Cid afirmou ainda aos investigadores que não houve
adesão do Alto Comando das Forças Armadas.
Ø É preciso separar indivíduo da instituição, diz Santos Cruz à CNN sobre
delação de Cid
O ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), general Carlos Alberto dos Santos Cruz,
afirmou à CNN, neste sábado
(23), que a conduta individual dos militares citados na delação do
tenente-coronel Mauro Cid deve ser separada da
postura institucional das Forças Armadas.
“A gente tem
que separar muito bem as responsabilizações individuais daquilo que é
institucional. Nesse caso, a instituição impediu que se fizesse uma aventura
política no Brasil”, declarou Santos Cruz. “A instituição militar tem ponto
extremamente positivo, a responsabilização individual das pessoas é outra
coisa.”
Na delação, Cid disse que, após receber a minuta
golpista, Jair Bolsonaro convocou uma reunião com a cúpula das Forças Armadas
para consultá-la sobre a possibilidade de uma intervenção militar para que
o então presidente não deixasse o poder mesmo após ter perdido as eleições.
·
Marinha teria aceitado
golpe de Estado, mas Exército teria sido contra
Ainda segundo Mauro Cid, a cúpula da Marinha teria
embarcado na proposta de golpe de Estado e respondido que as tropas estavam
prontas para agir, apenas aguardando as ordens de Bolsonaro.
No entanto, o comando
do Exército não teria aceitado o plano e teria se recusado a agir.
À CNN,
o general e ex-ministro de Bolsonaro taxou como correta a postura do então
comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes.
“O ex-comandante do Exército Freire Gomes foi bem
claro em não participar, não aprovar qualquer decisão ilegal por parte da
Presidência da República naquele momento. É fundamental a gente perceber que
houve das Forças Armadas, do Exército, no caso, uma postura constitucional, uma
postura legal, que não estimulou e não deixou que acontecesse um trancamento do
fluxo normal do processo eleitoral”, disse.
Fonte: O Cafezinho/FolhaPress/CNN Brasil
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