Cúpula golpista sonhou que iria tomar o poder sem disparar um só tiro
de fuzil
Achar que um golpe de estado só pode ser executado
através de canhões, aviões e submarinos, como no passado, é desconhecer os
novos tempos obscuros diferentes de outrora. Hoje, o processo é mais
sofisticado. Os novos tempos são diferenciados.
Pode-se dar um golpe de estado sem disparar um só
tiro. Basta ter apoio firme das Forças Armadas, na ponta final da conspiração.
Primeiro, os populistas extremados inundam as redes
sociais com ardilosas fake news, disseminando mentiras que parecem verdade.
Dizem que é a pós-verdade, que significa o mau uso do marketing, sob as mais
modernas técnicas de doutrinação política
Passam em seguida, a desmoralizar o Poder
Judiciário, enfraquecendo os membros das cortes superiores, enquanto fazem a
cooptação de magistrados de primeira instância, membros do ministério público,
polícias militares e parlamentares, para tomar o poder e estabelecer uma
ditadura que faça a erradicação do regime democrático.
Nessa moderna trama conspiratória, conseguem
aliados entre militares da reserva, principalmente coronéis e generais
reformados, interessados cargos na máquina pública e em organismos
internacionais.
Interessante notar que esse esquema não é um
fenômeno brasileiro. Pelo contrário, está se disseminando pelo mundo com base
nos sentimentos antimigratórios que despertam tendências nacionalistas
pinceladas de racismo.
O processo já tem raízes sólidas nos Estados Unidos
e na Europa, além de se espalhar pelos demais continentes atingindo países como
Turquia e Israel.
Nos EUA, Donald Trump tentou captar esse sentimento
na camada mais conservadora da América e usou a horda de vândalos para tomar de
assalto o Congresso americano. Mas não obteve apoio para anular as eleições e
agora tenta voltar ao poder pela força das urnas, embora esteja respondendo a
vários processos criminais.
Bolsonaro tentou copiar aqui a manobra de Trump,
aproveitando o forte esquema antipetista ainda existente, mas não deu certo.
Assim como aconteceu com Trump, faltou apoio militar e das demais instituições
democráticas.
A diferença é que Bolsonaro quase chegou lá.
Conseguiu a adesão entusiasmada da Marinha e contava como forte apoio também da
Aeronáutica, mas o golpe foi abortado pela posição firme do Alto Comando do
Exército, que à época tinha à frente o general legalista Marco Antonio Gomes,
um nome para ficar na História.
O golpe sem armas, que se daria com a simples
decretação de uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem), que significaria o
cumprimento do Ato Inconstitucional descrito na minuta do golpe, com o
cancelamento das eleições sob o argumento de fraude nas urnas eletrônicas,
prisão de Alexandre de Morais e de todos os ministros do TSE, implantação do
voto impresso e uma suposta nova data para eleição presidencial, de
governadores, deputados e senadores.
Nisso tudo, não seria disparado um só tiro de
fuzil. Tudo dentro da lei, das quatro linhas da Constituição.
Quem se mostrasse contrário a isso tudo, aí é outra
história. A prisão ou até a morte poderiam ser os castigos pela ousadia.
Lembremos que na ditadura iniciada em 1964, o Centro de Informações da Marinha
(Cenimar) era o repressor mais temido pelos militantes da resistência.
O atual comandante do Exército, general Tomás
Paiva, declarou que o Alto Comanda apenas cumpriu sua obrigação, ao agir no
estrito cumprimento da lei e evitar que o então presidente Jair Bolsonaro desse
o tão ansiado golpe. Que diferença entre os militares legalistas e os
conspiradores como Braga Neto, Augusto Heleno, Eduardo Ramos, Almir Garnier e
tantos outros que embarcaram na aventura golpista.
Um país é destruído, não pelos inimigos externos,
mas pelos traidores internos, que, sem conhecimento da história das nações,
tramam contra o povo. Mas acabam perdendo tudo, porque a democracia tem de
prevalecer.
Cid
mudou a atitude dos militares, mas será que os generais farão o que tem de ser
feito?
O discurso continua o mesmo: “Foram elementos
isolados”, “Não representam as Forças Armadas”. Mas a atitude mudou. A
paciência, a solidariedade silenciosa e a passação de pano parecem ter acabado.
Na entrevista que o ministro da Defesa, José Múcio
Monteiro, nos concedeu ao programa Os Três Poderes, não houve complacência nem
solidariedade para com os oficiais que estiveram na reunião do golpe.
Múcio não nega a alegada adesão de Garnier e a
atribui a “entusiasmo com o poder”. E insiste com vigor que os golpistas serão
punidos.
O comandante do Exército, general Tomás Paiva,
informa Eliane Cantanhêde, do Estadão, diz que a adesão de Garnier ao golpe foi
“bravata” e “aventura maluca”, sem sustentação das tropas. E reafirma a
disposição em punir os criminosos.
Maria Cristina Fernandes, do Valor, conta que o
então comandante do Exército, general Freire Gomes, negou apoio ao golpe. E
encerrou: “Se o senhor for em frente com isso, serei obrigado a prendê-lo”.
Não está claro se Freire Gomes foi firme por
legalismo ou por saber que os comandantes de pelo menos metade dos comandos
militares brasileiros não adeririam. Ninguém dá golpe contra metade do
Exército. Maria Cristina declina, e vale repetir, os nomes desses generais
legalistas: Tomás Paiva, Fernando Soares, André Novaes e Richard Nunes.
As revelações de Mauro Cid parecem ter funcionado
como um toque de despertar para os quatro-estrelas (pelo menos os do Exército):
ou cortam os laços com os golpistas de maneira completa e imediata ou afundam —
e afundam as Forças Armadas — junto com eles. É excelente notícia. Mas restam
duas dúvidas:
Qual será o ânimo para punir oficiais que são
vistos como heróis por grande parte da tropa?
Combater o espírito golpista que existe em grande
parte da tropa exigirá mudança nos currículos das escolas militares e a
proibição de que militares da ativa exerçam qualquer cargo político que não
esteja ligado à defesa. Existe disposição para fazer isso?
Exército
não punirá nenhum militar golpista e ficará aguardando o que o STF irá decidir
O comandante do Exército, general Tomás Paiva,
disse ao blog que pode assegurar que a instituição não topou nenhuma aventura
envolvendo um golpe de Estado após as eleições de 2022 — e que, com isso, não
fez mais do que sua obrigação.
Tomás Paiva reafirmou que aguarda os desdobramentos
do Judiciário para poder dar prosseguimento a medidas administrativas contra
militares envolvidos em ilegalidades.
O chefe militar defende que as condutas sejam
individualizadas e apuradas para que a corporação, como um todo, não seja
penalizada pelos erros de alguns.
Tomás Paiva diz não ter tido acesso e ter sabido
pela imprensa do trecho da delação em que Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de
Jair Bolsonaro (PL), diz ter presenciado reuniões em que Bolsonaro e militares
teriam tratado de um golpe militar.
O comandante do Exército afirma poder assegurar que
seu antecessor no cargo, general Marco Antônio Freire Gomes, não aceitou nenhum
golpe. “E faço questão de sempre dizer isso: o Exército não tem que ser
enaltecido por cumprir a lei. É obrigação. Não tem mérito”, disse Tomás Paiva.
Segundo o relato de Mauro Cid, a reunião serviu
para discutir detalhes de uma minuta que abriria a possibilidade para uma
intervenção militar. Se tivesse sido colocado em prática, o plano de golpe
impediria a troca de governo no Brasil.
Cid afirmou que o “então comandante da Marinha, o
almirante Almir Garnier Santos, teria dito a Bolsonaro que sua tropa estaria
pronta para aderir a um chamamento do então presidente”. Já o comando do
Exército afirmou que não embarcaria no plano golpista.
Segundo a jornalista Maria Cristina Fernandes, do
jornal “Valor Econômico”, foi o general Freire Gomes que disse a Bolsonaro que
o Exército não compactuava com um golpe e ainda o ameaçou: “Se o senhor for em
frente com isso, serei obrigado a prendê-lo”.
Agora, a PF investiga se o documento apresentado no
encontro com os comandantes militares relatado por Mauro Cid é a mesma minuta
encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que sugeria a
convocação de uma nova eleição e até a prisão de adversários por supostas
irregularidades.
Segundo Cid teria revelado, a minuta do golpe teria
sido entregue a Bolsonaro por Filipe Martins, então assessor internacional do
Planalto, muito ligado aos três filhos mais velhos do ex-presidente.
Em nota sobre a delação de Cid, a defesa de Jair
Bolsonaro afirmou que o ex-presidente jamais “compactuou” com ilegalidades e
sempre “jogou dentro das quatro linhas da Constituição”.
“Provas”
da tentativa de golpe, alegadas no Supremo, são altamente questionáveis
Depoimento de policiais, falas em vídeo do próprio
acusado, o contexto de acampamentos em frente a quartéis desde as eleições e
mensagens de conclamação aos atos de 8 de janeiro em redes sociais condensados
em relatórios de inteligência foram considerados como provas pelo STF de que
naquela data teria ocorrido os crimes de golpe de Estado e de abolição do
Estado democrático de Direito.
Previstos no Código Penal, ambos os crimes já estão
configurados na forma de tentativa. O ministro Alexandre de Moraes, inclusive,
ironizou que o julgamento dos réus do 8/1 não estaria ocorrendo se essas
tentativas tivessem sido consumadas.
Um dos crimes fala em “tentar abolir o Estado
democrático de Direito”, impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes
constitucionais, e o outro em tentar depor “o governo legitimamente
constituído”. Ambos exigem que tenha sido empregada violência ou grave ameaça
na ação.
Ao votar pela condenação de Aécio Lúcio Costa
Pereira a 17 anos de prisão, Moraes, que é o relator da ação, elencou elementos
de que houve invasão e emprego de violência nos edifícios dos três Poderes.
Além disso, apontou que Pereira estava lá com esse
objetivo e que a finalidade do ato seria tanto a ruptura institucional como a
deposição do governo eleito. “O próprio réu diz que fazia parte do grupo Os
Patriotas e veio de Diadema, onde mora, no estado de São Paulo, para praticar
esses atos”, afirmou o ministro ao votar. Ele rebateu os argumentos de críticos
de que um golpe não seria feito em um final de semana.
“Não sejamos ingênuos de achar que os manifestantes
fizeram num domingo porque não havia ninguém nos prédios”, avaliou Moraes em
determinado momento do voto.
“Fizeram num domingo porque a ideia era
inviabilizar o exercício dos Poderes e para que, com aquela primeira adesão,
lamentável, que houve por parte dos oficiais da Polícia Militar, a polícia não
os retiraria e que, se houvesse a necessidade e o Exército fosse convocado,
tentariam convencer o Exército a aderir ao golpe de Estado”, acrescentou.
Depoimentos de quatro testemunhas (policiais que
atuaram no 8 de janeiro) são usados como provas de que os integrantes das
invasões anunciavam a intenção de deposição do governo, com falas descritas
como pejorativas quanto ao presidente Lula (PT), externando irresignação quanto
ao resultado das eleições de 2022 e pedindo intervenção militar.
Também mensagens divulgadas antes do 8 de janeiro
são consideradas como prova de que os presentes aos atos tinham prévio
conhecimento da finalidade dos atos.
Em seu voto, Moraes se vale também de elementos do
relatório da intervenção federal – que foi decretada por Lula e aprovada pelo
Congresso após os ataques em Brasília — e seus anexos.
Ele cita que relatório de inteligência que alertava
para a possibilidade de invasão e ocupação a órgãos públicos, destacando a
menção no documento à conclamação de caravanas a Brasília com dizerem como
“tomada de poder pelo próprio povo”.
Também são citados como contexto os atos em frente
a quartéis conclamando ação das Forças Armadas contra o resultado da eleição
instalados desde novembro do ano anterior, os atos de vandalismo em 12 de
dezembro do ano anterior e a tentativa de explosão de um artefato, ambos na
capital federal.
O pano de fundo para a justificativa de um golpe,
disse Moraes, foram as acusações de “uma suposta fraude eleitoral e o exercício
arbitrário dos Poderes constituídos”.
No caso de Pereira, também são consideradas como
provas vídeos gravados por ele mesmo, além do fato de a camiseta que vestia na
data dizer “intervenção militar federal”. Em uma das gravações Pereira diz que
não aceita o governo eleito e incentiva as pessoas a pedirem “SOS Forças
Armadas”.
“Eu como representante do povo, estou aqui para
dizer que não aceito esse governo fraudulento como nosso representante”,
afirmou ao microfone do plenário do Senado. “Não vamos deixar o comunismo
entrar. Gente, saiam nas ruas. Dê corroboro pra gente. Saiam nos quartéis,
saiam agora. Fiquem nas ruas e peçam SOS Forças Armadas.”
Apesar do voto de Moraes, o entendimento não foi
unânime. André Mendonça, que foi indicado ao cargo pelo ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL), entendeu que não houve o crime de golpe de Estado durante os
ataques golpistas, o que rendeu uma discussão entre os ministros.
Ele argumentou que, para um golpe, teria que ser
instituída uma ordem jurídica e institucional: “Para qualquer ação de golpe
dependeria uma ação de outras forças, basicamente dos militares”, disse
Mendonça. A maioria do tribunal discordou.
Especialistas consultados pela Folha têm visões
distintas. Para Diego Nunes, professor de história do direito penal da UFSC
(Universidade Federal de SC), as provas apresentadas, como o contexto da
organização dos acampamentos nos quartéis e o material de divulgação para os
atos, são suficientes para configurar que houve uma tentativa de golpe.
A advogada criminalista Marina Coelho Araújo avalia
que as provas não são suficientes para comprovar a tentativa de golpe de
estado, pelo menos no que se refere aos primeiros réus julgados, mas sim quanto
ao crime de abolição do estado democrático de direito.
Para Marina, elementos como posts chamando para os
atos, mas que não conclamavam para atos violentos explicitamente, e o uso de
camiseta escrito intervenção militar, por exemplo, não provam que houve uma
tentativa de golpe.
Na avaliação da advogada constitucionalista Vera
Chemim, considerando as circunstâncias delimitadas pelo STF, ao julgar os
agentes, ficou configurado o crime de abolição do Estado democrático de
Direito, ao se comprovar que a intenção dos que ali estavam era provocar uma
intervenção militar.
Por outro lado, ela não vê provas do crime de golpe
de Estado, porque entende que aquelas pessoas não detinham armas capazes de
viabilizar efetivamente uma tomada do poder.
Lenio Streck, que é professor e advogado, diz que
há provas suficientes de que houve os dois crimes, inclusive o de golpe de
estado. Ele considera que é errado dizer que os atos não seriam adequados para
se chegar um golpe. “Se fossem idôneos mesmo teriam conseguido o golpe. O crime
é de tentativa. Tentar já é a consumação”, afirma.
Fonte: Tribuna da
Internet/Veja/GloboNews/FolhaPress
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