terça-feira, 26 de setembro de 2023

A crítica legítima do MST sobre a desatenção do governo Lula

Um dos movimentos que mais influenciou na vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022, o MST demonstra insatisfação com a lentidão do Governo Federal em atender as pautas prioritárias que foram prometidas na campanha de Lula.

Um dos membros da coordenação nacional do MST, João Paulo Rodrigues, disse a Folha que o movimento está perdendo a paciência com a paralísia na aquisição de alimentos pela Companhia Nacional de Abastecimento, a Conab, recriada no começo do ano pelo próprio presidente Lula.

De acordo com o coordenador, até agora o governo não comprou “um quilo” de alimento produzido pela agricultura familiar. “Até agora o governo não comprou um quilo de alimento da agricultura familiar dentro do PAA [Programa de Aquisição de Alimentos]. As famílias se preparam para isso, plantam com essa expectativa. A insatisfação é grande”, disse.

É importante lembrar sobre a importância de programas como o PPA para garantir renda aos pequenos/médios e evitar que a agricultura brasileira fique centrada somente nos grandes produtores. A balança precisa se equilibrar para que a economia volte a girar.

Além da questão ecônomica, o PPA também atende a demandas sociais pois os alimentos fornecidos pela agricultura familiar vão parar na mesa de entidades filantrópicas, hospitais, asilos, órgãos públicos e, se houver pensamento estratégico, até mesmo pode parar nas escolas e universidades federais.

Mas voltando ao MST, a estimativa era que a volta do PPA pudesse gerar um incremente do R$1,1 bilhão por parte do governo. Mas segundo o próprio João Paulo, até o momento só foi liberado R$250 milhões. “E mesmo esse valor menor parece que se perdeu na burocracia”, declarou.

Outro motivo de reclamação é o ritmo no processo de assentamentos. A demanda do movimento era de 50 mil neste ano, a um custo de R$ 2,85 bi. Mas segundo Rodrigues, o governo não fez nada até o momento, correndo risco de ser alvo de protestos em todo o país.

“Minha preocupação é que em algum momento as famílias comecem a fazer uma reclamação nacional, indo para a estrada, parando rodovias, por exemplo. Não está prevista no momento uma jornada de ocupações, mas já há uma reclamação de que precisaremos de cinco mandatos do Lula para concluir o processo de reforma agrária”.

 

       Sindicalismo que gerou Lula e virou pilar do PT sofre com perda de influência

 

A história política brasileira já reservou um horário mais nobre ao sindicalismo.

Um dos presidentes mais populares que o país já teve, afinal, saiu de seus quadros --Lula ganhou envergadura nacional após liderar, aos 32 anos, a greve dos metalúrgicos do ABC na rabeira dos ditatoriais anos 1970. Sindicalistas depois formariam a base do seu Partido dos Trabalhadores, o PT, ao lado de intelectuais e setores progressistas da Igreja Católica.

Mas os tempos mudaram e oxidaram a era de ouro do movimento que se apresenta como guardião da classe trabalhadora. Claro que os sindicalistas ainda têm bala na agulha, sobretudo após o retorno de Lula à Presidência revigorar elos históricos com o grupo.

A bem da verdade, qualquer troca de guarda com a gestão Jair Bolsonaro (PL), que fechou portas literais a líderes sindicais ao sequer recebê-los em Brasília, seria bem-vinda para o movimento. O petista recriou o Ministério do Trabalho e o entregou a Luiz Marinho, que tal qual o chefe já esteve à frente do Sindicato dos Metalúrgicos.

O auge, contudo, ficou para trás, segundo especialistas. Antes pilar da esquerda, hoje o campo se acotovela para ganhar espaço entre causas mais midiáticas, como a questão identitária protagonizada por feministas, antirracistas e ativistas LGBTQIA+.

Também tenta emplacar a volta do imposto sindical, extinto pela Reforma Trabalhista promovida na gestão de Michel Temer (MDB).

A reforma, no entanto, é coadjuvante nessa redução da densidade sindical, de acordo com Hélio Zylberstajn, professor do Departamento de Economia da USP e coordenador do Salariômetro, que acompanha o mercado de trabalho formal mês a mês.

"O fenômeno não é exclusividade brasileira. Há várias causas, e uma delas é o decréscimo do emprego na indústria, o berço do sindicalismo."

"Os 'blue collars' [trabalhadores uniformizados de colarinho azul] ilustravam a imagem típica dos melhores tempos do sindicalismo, com massas muito parecidas, com aspirações e identidade em comum", afirma.

O "cada um por si" na chamada uberização da mão de obra, que implode vínculos empregatícios e impõe nova lógica trabalhista, colabora para a decadência do monopólio sindical.

Até fatores demográficos perturbam o movimento: há agora mais mulheres no mercado de trabalho, e elas historicamente aderem menos à sindicalização.

O movimento é capilarizado o suficiente para mobilizar a base quando precisa, mas quem fomentou as maiores voltagens políticas recentes foram outras fatias da sociedade civil. Se você pensou nos protestos de junho de 2013, você pensou correto.

O sindicalismo apanhou um bocado nos últimos anos, antes mesmo do bolsonarismo entrar em cena.

Sancionada em 2017 por Temer, alçado à Presidência após o impeachment de Dilma Rousseff (PT), a Reforma Trabalhista drenou recursos valiosos para os líderes sindicais ao extinguir o imposto sindical --contribuição obrigatória descontada na folha de pagamento, que surge na década de 40 para financiar o movimento.

Mas isso é um cisco local perto de uma tendência global, afirma Zylberstajn.

Aos fatos, primeiro. O IBGE estima que, em 2022, 9,2% dos trabalhadores brasileiros estavam associados a um sindicato. Em 2012, a taxa era de 16%.

O sociólogo Celso Rocha de Barros, autor de "PT, Uma História", lembra que o sindicalismo brasileiro tem longa tradição de combatividade, desde a Velha República. "O que muitas vezes lhe faltou foi uma democracia em que pudesse se desenvolver plenamente."

Getúlio Vargas, que em 1943 pariu a CLT, conjunto de leis que protege direitos trabalhistas, manteve sindicatos pela coleira. Alguma autonomia despontou depois da ditadura varguista, mas a repressão militar a partir de 1964 os empurrou à clandestinidade.

O ciclo de greves do ABC paulista projetou Lula, que cria o PT com forte presença sindical. A ligação com a esquerda já está consolidada, algo que num primeiro momento incomodava o líder metalúrgico, como lembra Fernando Morais, autor da biografia sobre o hoje presidente da República.

O petista não se via no lado canhoto do espectro político e tinha horror a comunistas.

"Refugava irritado quando o irmão mais velho, o Frei Chico, tentava atraí-lo para o Partidão [Partido Comunista Brasileiro]. O interesse pela estrela que começava a brilhar no ABC fez com que o partido destacasse um alto dirigente do PCB para viajar do Rio a São Bernardo do Campo, para tentar recrutar Lula. Ele voltou ao Rio de mãos abanando."

Os anos 1980 foram solo fértil para o sindicalismo verde-amarelo, aparentado à linha europeia, mais politizada e ideológica, aponta Zylberstajn --uma contrapartida ao modelo americano, "mais pragmático do que militante", que "vai barganhar para arrancar mais" de uma sociedade onde o capitalismo parecia estar dando certo.

A industrialização brasileira, no entanto, "entra em marcha ré, e a recessão da era Fernando Collor tem um papel fortemente desmobilizador", afirma Rocha de Barros. A chegada do PT ao Palácio do Planalto, em 2002, tonifica mais uma vez os sindicalistas.

"O movimento tem sido fundamental para a conquista de direitos dos trabalhadores", diz Cristiane Pereira Vianna de Oliveira, que dá aulas de direito do trabalho no Centro Universitário do Distrito Federal.

Mas os desafios atuais, segundo a professora, se avolumam e enfraquecem o setor, preso a uma organização defasada.

Os exemplos mais gritantes: a unicidade sindical, que só permite uma entidade por categoria profissional no município, e a pressão por uma nova contribuição compulsória dos trabalhadores, que financiaria as negociações coletivas realizadas pelos sindicatos.

Sua validade depende de decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), que já formou maioria a favor da causa sindical.

Para Zylberstajn, da USP, o movimento "quer voltar ao que já teve" e insistir num sistema moldado para tempos passados. "Mas o mundo é outro. Eles pegaram o rescaldo do que sobrou do lulismo e estão no aparelho de Estado, mas propondo soluções absolutamente ultrapassadas."

Ele dá como exemplo Marinho, ministro do Trabalho, que em fevereiro disse ao jornal Valor Econômico que a Uber deveria se adaptar à regulamentação do trabalho, ou "posso chamar os Correios, que é uma empresa de logística, e dizer para criar um aplicativo e substituir". Nada realista.

Nessa toada, também houve o caso do sindicato de Sorocaba e região, que virou motivo de polêmica entre trabalhadores neste mês após a convenção coletiva da categoria trazer a cobrança de contribuição assistencial de 12% ao ano sobre o valor do salário de profissionais ou pagamento de uma taxa de R$ 150 para quem se opusesse à cobrança.

Embora as negociações entre o sindicato e as empresas tenham ocorrido antes de o STF (Supremo Tribunal Federal) julgar constitucional a cobrança de contribuição assistencial de trabalhadores -desde que definida em assembleia e com direito à oposição-, as exigências da convenção chegaram aos trabalhadores após a decisão da corte, o que aumentou a indignação de quem é contra.

Em vez de "pregar no deserto", é preciso "pensar fora da caixa" num mundo que caminha cada vez mais para profissionais autônomos.

"É uma imagem difícil de ser aceita pelo sindicalismo. Ele não está aberto para reconhecer que a produção se organiza hoje em esquemas muito diferentes, que prescindem do vínculo trabalhista, e portanto da representação específica dos trabalhadores."

Miguel Torres, presidente da Força Sindical, não nega as pedras no caminho. "Hoje tem muita gente que não está mais no mercado de trabalho formal. Gente de home office, distante do mundo sindical, em plataformas. A tecnologia diminuiu os empregos."

Mas aposta em campanhas de mobilização, como as que garantiram vitórias nas negociações com patrões durante cortes e reduções de jornadas na pandemia da Covid-19. Também vê fôlego renovado no Lula 3. "Nos quatro anos de Bolsonaro, não fomos recebidos nenhuma vez pelo presidente. Até nos ministérios não nos recebiam. Hoje, não. Já tive audiência em 22 ministérios [no novo governo]."

Ivone Silva, que presidia o Sindicato dos Bancários até assumir em julho o comando do Instituto Lula, diz que o sindicalismo está se atualizando sempre e hoje conta com notas identitárias. Uma forma, diz ela, de rejuvenescer a faixa etária no grupo e formar novas lideranças.

"Há [uma ala] que entende a importância da luta coletiva em temas da diversidade como gênero, raça e orientação sexual. Isso e um ambiente mais democrático têm sido fundamentais para o engajamento da juventude."

 

       PT teme Dino e quer pôr Messias no STF

 

Um grupo de lideranças petistas que tem trabalhado bastante para influenciar as próximas indicações de Lula para o Supremo fechou questão na semana passada em apoio à candidatura do ministro Jorge Messias, da Advocacia-Geral da União.

Mas apesar da escolha, essa ala do petismo, que inclui os deputados Rui Falcão (SP), Zeca Dirceu (PR), José Guimarães (CE) e o senador Humberto Costa (PE), vive um dilema aparentemente insolúvel.

De acordo com o que esses parlamentares tem dito a interlocutores, eles consideram importante colocar alguém do PT no Supremo, além de evitar que o ministro da Justiça, Flávio Dino, seja o escolhido para a vaga que será aberta nesta semana, com a aposentadoria de Rosa Weber.

Só que, para esse grupo, a maior missão do integrante do STF a ser nomeado por Lula deveria ser trabalhar para “frear” o ministro Alexandre de Moraes.

Eles consideram que o ministro está poderoso demais e que, embora sua atuação tenha sido importante na batalha contra o golpismo de Jair Bolsonaro – e portanto essencial para a vitória eleitoral de Lula –, Moraes nunca foi próximo do PT e nao hesitaria em aplicar ao lulismo a mesma mão pesada que tem adotado contra os bolsonaristas.

Nenhum deles vai dizer em público, mas reservadamente alguns dos membros desse grupo acharam excessivas as penas aplicadas aos primeiros réus julgados no STF por terem participado dos atos de 8 de janeiro.

Na expressão que os próprios petistas usam, é “questão de tempo” até Moraes e o governo Lula estarem em polos opostos, até porque não são poucos entre eles que acreditam que o ministro do Supremo tem ambições políticas.

Um primeiro ruído já surgiu na semana passada, quando a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que o Brasil é um dos únicos lugares que tem lugares que tem Justiça Eleitoral no mundo, e que isso “é um absurdo”. Em resposta, Moraes, que presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), divulgou uma nota afirmando que manifestações como a de Gleisi são “errôneas e falsas” e que a Justiça Eleitoral continuará a combater “forças que não acreditam no Estado democrático de Direito”.

Por isso seria importante colocar no cargo alguém capaz de funcionar como um pólo de poder alternativo a Moraes e alinhado ao petismo. Na visão dessa ala do PT, Flavio Dino não só não é alinhado ao petismo como é próximo de Moraes e tenderia a reforçar a liderança do ministro no Supremo.

O dilema vem justamente do fato de que os próprios petistas reconhecem que, apesar de Messias ser um deles e ter a confiança do grupo, ele não tem estofo nem liderança para ser essa alternativa que os petistas procuram.

O atual advogado-geral da União tem 43 anos e é a primeira vez que ocupa um cargo no primeiro escalão de um governo.

Um terceiro candidato ao STF, o atual presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, já identificou essa insegurança e tem procurado explorá-la em conversas reservadas com os petistas. Embora também seja jovem (tem 45 anos), Dantas está no TCU desde 2014, e portanto é mais experiente do que Messias, além de ter o apoio de várias lideranças do MDB e do Centrão.

 

Fonte: O Cafezinho/FolhaPress/O Globo

 

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