4 formas de entender o conceito de multiverso, segundo a ciência
Imagine a seguinte situação: é dia de uma
entrevista de emprego importante, mas você dormiu demais, então se veste
rapidamente, pega algo para comer e corre para o ponto de ônibus.
Mas você não consegue chegar a tempo, então não tem
escolha a não ser ir andando.
Você verifica o relógio ao virar a esquina e colide
com um pedestre desavisado. Revoltado, você o xinga e segue seu caminho.
Você finalmente chega ao compromisso, suado e
agitado, e logo descobre que o seu entrevistador é aquele pedestre contra quem
você acabou de lançar uma enxurrada de palavrões.
Sim, às vezes parece que o universo simplesmente
não está ao seu lado.
Mas, felizmente, há muitos caminhos para escolher.
Devido ao afeto excessivo de nossos pais, muitos de
nós vivemos sob a falsa impressão de que somos, por algum motivo, especiais.
É uma mistura totalmente única de átomos e
histórias pessoais que se combinam para formar aquela pessoa preciosa que
chamamos de "eu".
A questão é que o mundo da física contemporânea nos
diz exatamente o oposto.
Ele nos diz que em algum lugar do vasto cosmos
existem outros mundos nos quais versões idênticas de você vivem felizes, com a
impressão de que elas, e somente elas, são o verdadeiro você.
Estou me referindo, claro, ao multiverso, uma
teoria que sustenta que o nosso universo nada mais é do que um de muitos
universos infinitos, de infinita variedade.
Agora, isso pode parecer muito louco, e essa teoria
é, na verdade, baseada em ciência bastante sólida.
No início da década de 1980, os pesquisadores
decidiram medir o brilho residual do Big Bang (origem do universo) e fizeram a
surpreendente descoberta de que os níveis de radiação eram idênticos em
extremos opostos do universo observável.
Isso levou a uma teoria chamada inflação cósmica,
que é a ideia de que após o Big Bang, o espaço-tempo se expandiu a uma
velocidade vertiginosa, criando um plano cósmico uniforme e potencialmente
infinito.
"Quando falamos do nosso universo em
astrofísica, não nos referimos a todo o espaço, mas apenas a uma região
esférica a partir da qual a luz teve tempo de chegar até nós durante os 13,8
mil milhões de anos desde o nosso Big Bang", explicou o renomado físico e
cosmólogo Max Tegmark à BBC.
"Se esse é o nosso universo e o espaço é maior
que isso, então, por definição, existem outros universos também, cheios de galáxias
e outras coisas interessantes que são tão reais quanto o nosso."
"As pessoas lá chamariam isso de seu
universo."
Então, se existem outros mundos por aí, como
seriam?
• Nível
1: Inflação cósmica
"O multiverso de nível I são apenas outras
regiões do espaço, do tamanho do nosso universo", diz Tegmark.
"A única diferença é que as partículas lá
começaram em lugares ligeiramente diferentes das daqui, então o Reino Unido
poderia ter perdido a 2ª Guerra Mundial em vez de vencê-la; meu nome pode não
ser Max Tegmark, mas Max Shmerkark…"
"Por mais improvável que seja que exista uma
cópia minha com alguma outra característica, essa probabilidade não é zero,
porque aconteceu aqui que eu existo nesta forma, então se você jogar os dados
infinitas vezes, haverá outras cópias de mim, alguns muito parecidos e muitos
outros que são um pouco parecidos comigo, mas diferentes."
O que isso significa para você?
Bem, a probabilidade diz que em algum lugar do
cosmos existe uma versão sua que não adormeceu no dia da entrevista e outra que
conseguiu pegar o ônibus. Mesmo aquela que nunca foi à entrevista, por ser
atleta ou astronauta.
A questão é que existem infinitas possibilidades
nesse plano, infinitas reconstruções átomo por átomo, limitadas apenas pela sua
conformidade com as leis físicas do nosso universo.
Mas e se não houvesse limites em relação a isso?
• Nível
2: Inflação caótica eterna
"O multiverso de Nível 2 ainda é um espaço
infinito, como o multiverso de Nível 1, mas é muito mais diversificado",
diz Tegmark.
"Se você for muito longe no espaço, alcançará
regiões onde não apenas a história se desenvolveu de maneira diferente, mas
também aprenderá coisas diferentes nas aulas de física."
"Isso porque aprendemos que mesmo o que
consideramos espaço vazio é provavelmente uma substância, que pode congelar e
derreter, e assumir muitas formas diferentes."
"Aquele processo de inflação que acreditamos
ter criado esse vasto espaço cósmico foi tão violento que criou uma quantidade
infinita de cada tipo de espaço."
No nível 2, todas as leis físicas são jogadas pela
janela.
Talvez em outro universo, a gravidade funcione de
maneira diferente. Talvez sejamos feitos de som ou sejamos bolas planas, ou
talvez estranhas e flutuantes de energia que existem em 12 dimensões.
Não só todo universo concebível é possível, mas
também todo universo inconcebível, se você puder imaginá-lo, o que não pode,
por definição.
• Nível
3: Multiverso quântico
"Enquanto os universos paralelos de Nível 1 e
??2 estão muito, muito distantes em nosso próprio espaço, o multiverso de Nível
3 está aqui em certo sentido, nessa coisa chamada espaço quântico de
Hilbert", explica Max Tegmark.
"Sabemos que as partículas elementares podem
estar em dois lugares ao mesmo tempo."
"Mas eu sou feito de partículas elementares,
então se elas podem estar em dois lugares ao mesmo tempo, eu também
posso."
"Então, uma versão minha poderia estar aqui
conversando com você, enquanto outra versão minha tirava sorvete do freezer e o
comia em outro lugar."
"E foi descoberto um efeito de censura quântica
chamado "decoerência" que explica por que essas duas versões de Max
desconhecem completamente uma da outra."
"Então parece que a realidade está se
ramificando em ramos paralelos."
"Mas aqueles dois Maxes, o que está tomando
sorvete agora e o que está conversando com você, sentem que são os
únicos."
• Nível
4: Multiverso matemático
"O multiverso de Nível IV é o mais diverso de
todos."
"Nele, toda realidade física que corresponde a
uma estrutura matemática — que pode ser descrita com a matemática — existe não
apenas matematicamente, mas também fisicamente", diz o físico.
"Então você poderia ter um universo onde o
tempo nem mesmo flui continuamente, mas discretamente, como um jogo de
computador; ou até mesmo ter alguns universos que simplesmente não têm tempo."
Para esclarecer, Tegmark enfatiza que "não é
que o multiverso de nível 4 exista no espaço e no tempo, mas sim que o espaço e
o tempo existam em alguns desses universos de nível IV".
No nosso universo, diz ele, "temos espaço e
tempo, temos o tipo certo de física de partículas elementares que sustenta a
vida".
"Portanto, vivemos num oásis, e toda a
realidade é como uma enorme versão do deserto do Saara, com um oásis ocasional
aqui e ali."
• Mas e
então?
Os multiversos são previsões baseadas em teorias científicas
muito bem fundamentadas, então, pelo menos por enquanto, parece que tudo isso
veio para ficar.
E talvez esteja tudo bem.
Afinal, a ciência é apenas uma ferramenta que
usamos para investigar o mundo que nos rodeia.
Quando descobrimos algo que pode desencadear crises
existenciais, não é que o mundo tenha mudado, mas simplesmente começamos a
olhar para ele com novos olhos.
"Algumas pessoas me perguntam como o nosso
universo dá sentido às nossas vidas como seres conscientes, mas, na verdade, é
o contrário: somos nós que damos sentido ao nosso universo", diz Tegmark.
"É através de nós, pequenas partes
minoritárias do nosso universo que têm a complexidade de experimentar as
coisas, que o nosso universo pode se tornar consciente de si mesmo."
Quem sabe, talvez quando finalmente aceitarmos que
somos apenas grandes macacos sentados em uma rocha, viajando a 108 mil km/h
através de uma extensão potencialmente infinita, seremos capazes de parar de
levar tudo tão a sério.
Fonte: BBC News Brasil
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